7/31/2007

nº 7





Sou dedicado à barganha com o Presente – ele é quem dá as cartas. Saquei
o único cartão vermelho ao verso e nada se modificou: a superfície das coisas
permanece impenetrável.
Só que me fode os nervos – teu mal é comentar o passado – no que parece uma droga barata, e eu quero mais. Prossigo: de um lado o barulho das ondas,
do outro, as putas da avenida (uma delas disse que te amava) e esta cidade
é um mapa repleto de casas suspeitas, almas suspeitas, todas as almas
são territórios de enigma e dissipam calor em labirintos de afeto
em carne viva. O coração estendido sobre o asfalto como um puzzle
de frases inesperadas, vilipêndios, bilhetes de amor escorraçado,
soníferos, quartos de hotéis de quinta, largas avenidas, céus da infância.
O celacanto espera um cataclisma, um lance fulminante, napalm – tudo
e qualquer coisa é melhor do que o veneno lento destes dias.

7/30/2007

Será como se nem mesmo você
Soubesse mais a sua voz
Depois de semanas no experimentalismo existencial
Da solidão
(Porque solidão
Também é experiência,
E das mais radicais).

Será como o primeiro erro inviolável, a origem
Que sempre está aí, no seu jeito de tremer as mãos
De falar como um big bang se explodindo
Pra dentro,
No andar de marionete
Com alguns fios cortados.

Será como se o comandante decidisse usar de uma vez
Por todas
As armas disponíveis, todas,
E elas fossem infinitamente destrutivas
Será como se fosse assim
Depois que você tiver nascido.

Será como uma guerra perdida
Ou vencida tanto faz
Cada explosão se prolonga na outra
E esta na outra e esta
Seria definitivamente a marcha da história
Se você tiver destino.

7/27/2007

A guerra é um edifício frágil e a verdade é seu grande truque (Oito-Olhos explica)

1. Um jogo de cartas embaralhadas e distribuídas pelo Azar.

2. A rivalidade essencial: um que deseja o desejo do outro, o terceiro desejado pelos dois rivais. O que é o terceiro? Oras... o Prêmio, o inefável X, uma coisa tão fugaz quanto um pássaro morto. Se o primeiro envia ao segundo um pedaço de madeira carbonizada, pode esperar que vem incêndio. Se o primeiro envia ao segundo uma lâmina, o ataque virá como degola. Se o segundo padece de fome por falta de sal, o primeiro o alimenta (não se luta com sal, mas com espadas). Não matamos (com cerimônia) covardes, fugitivos, pessoas que estejam sentadas, ou simplesmente observando o combate. Isto aqui cá entre nós: para os lobisomens, os comedores de carne crua, os escravos, os curvados de tanto olharem o chão, para estes a lei do extermínio selvagem, o massacre total, a pilhagem e a incorporação posterior com a tábua das leis da moral.

3. O orvalho da morte é lenda popular, não tenham medo. No máximo, pequenas asfixias ao léu, decididas pelo Destino, ou de vez em quando um ou outro alguém pode derreter como um sorvete ao sol. O mais chocante dos espetáculos porém é o oferecido quando você junta 340 quilos de trotil, o mesmo elemento usado antigamente nos gases para a iluminação noturna das cidades (uma pétala duas pétalas, ah camélias), porque este não é tosco como a pólvora que precisa de calor, e não perde o poder nem mesmo imerso na água. Quando o alvo é um navio de civis, oh que espetáculo fascinante (quer dizer, terrível!). Tanto estardalhaço, tanto sentimentalismo, tantos cadáveres inchados boiando chegando à praia domingo de manhã entre os castelos de areia. Mas isso é muito errado. O bom mesmo é a paz, a harmonia. Mas por via das dúvidas, esconda-se na penumbra, observe o inimigo dando um jeito de deixá-lo sob a luz vertical do sol ou da lua (o crepúsculo é a hora apropriada).

4. Agora podemos falar nos submarinos.

7/25/2007

Revolução no Pobre Mundo Literário

Aqui, neste mesmo hiperespaço, padece mais um
Herói das letras
Internéticas (vide
O herói como homem de letras
Op. cit, Thomas Carlyle):
Educador, postura ereta
Impressor, rolo
Compressor
Impressões da opinião pública
Bem aqui no
Meu teclado (tecalque):
A glória é tão perto
Quanto um click neste mouse.

(Milhões de leitores disponíveis
Milhares de milhões de ratos comendo
Os cartéis do último prêmio
Sou tão esperto quanto a burrice
De vocês, ó triste decadência
Dos meus tempos –
Dos meus templos – sempre
É tarde demais:

Late – Template
Termópilas –
Meu querido Trocaudilho!)

Quero meu diploma
Criativo
De escritor da Uniasnos
Useniños ou Fafodeu
Até atingir
A lucidez do texto
A invenção jamais
Vista e ante
Vista:

Sendo’s: o neo
new, nil, sem
Esquecer o trans

Heideggeriano (o ônibus
Grená)

E a vera contribuição
À cultura nacional
Tão carente
De si mesma (yourself):

Contra a falta de ética!
Contra a extinção do boto-cor-de-rosa!
Contra os fungos dos esgotos!
Contra o mau uso da língua-de-sogra!
Pela consciência
Deslavada!

Comentador, comentarista
Parteiro de resenhas
Plantado ao pé da letra no
Senso estrito, no senso crítico
E no bom senso
Comum

(Resumindo:
Tudo é comments)

Aqui, onde tudo planta
Genialidade a rodo
Se dá a luz
Ao germe
Do novo mundo
Que se obsta (medra?
Reluzente azul
Das boas causas:

Até pode ser no espaço
Desde que em branco
E mais-valia
Informativa bem
Calculadinha.
Mas tem que ser
Eu mesmo, este
Que vos fala, o

Gênio, genial, pro
Genitor, geniota, genistáculo
Genitálio e general.

7/23/2007

Regardez moi

Os olhos da desenhista fixados,

linhas mestras,
dedo em riste,
olhos que se tocam,
entrevero:

os olhos do desejo em movimento.

7/21/2007

nº 42




Errante, você fixa em papéis sua direção – no entanto
a lua insiste em percorrer rotas que outrora lhe destinaram
astrônomos, obstinados
em seus gabinetes sépia numa busca
de precisão que os dias
nunca incorporaram, sequer estes aqui,
largados sobre a mesa, esperando
que seu brilho áspero faça por fim descolorir
os móveis, os livros, as coisas
todas, até
você.
(das "Notas Marginais".)

Amor, amizade

Me flagrei pedindo a ela pra me explicar aquela música, “gostas mais dos elefantes do que de mim”. O principal com os elefantes é que eles são completamente inofensivos, apesar do seu tamanho. Daí as expressões que falam de elefantes pra descrever situações de pura perplexidade.

Desde a invasão das legendas publicitárias (o teu amor é como um fosso que me cerca de beijos trocados num dia de eclipse, a essência da vida está brega), não há mais pureza (aquela pureza que feria e nos fazia pensar em mensageiros nas vidas passadas) para as palavras amor, esperança, amizade, flores, alegria, luz, fogo, verde, revolta, perdão, solidão, liberdade, etc;

mas arranco esta esperança agora da minha boca como se ela estivesse cheia de agulhas luminosas. Por favor, aceite estas flores e se depois delas nada for dito entre nós, seja em agradecimento ou em análise crítica sobre a situação desbotada das pétalas negras que proliferaram pela sua casa, pelas ruas, quem sabe ao menos elas (as flores) se salvem.

7/20/2007

Outras Buscas




o cérebro pode
processar 400 bilhões de bites
de informação
e usamos apenas 2000 bites

o que é a realidade?
apenas uma das inúmeras
possibilidades
de nossa percepção
do real

a mecânica quântica e
o espiritismo
são congêneres

somente podemos trans(agir)
pela nossa intenção
de.

fazer algo.
Movimento da Consciência.

Na década de 70 no Brasil
um grande movimento foi
a tentativa espetacular
de transformação da sociedade

Cibernética Social.

se percebêssemos a matéria
que nos reveste e nos forma
saberíamos.

somos o
Uno.

Eu e Jack
Deuses

Caçadores

seu Zen-budismo
meu catavento

e minha
lanterna

nas águas.


7/18/2007

Eu, Jack e a busca


(após foder uma garota lindamente puta)

eu

ainda com aquela imagem

da garota de 19 anos, lindamente puta

e Jack com Tristessa, Esperanza

os cabelos negros rolando como cascatas

e ao final umas nádegas de jade

e naqueles minutos num quarto fétido

(mas com lençóis limpos)

fui feliz com seu sorriso juvenil, mistura

de índia e japonesa, dita apenas

"Bruninha", não era do México nem Livramento

era do PR, e eu me lembro não sei porquê

de Ginsberg, velho Ginsberg tímido & louco

Malest cornifici tuo catullo

chorando apenas uma lágrima

gris e estriada

vai mal, Jack

vai mal

Mister Dantas.

7/15/2007

Bate papo Flavio e Carlos


Marcelo Ariel

Cemitério São Paulo (sobre a performance de Marcelo Ariel no Dulcineia)

Sou uma coisa meio azulada. E não é porque não sou sua, nem de quem quer que seja (inclusive aquele que escreve), que não trago comigo uma emoção autêntica. Passo levemente minhas mãos translúcidas pelo seu rosto e você pensa que se trata do seu jeito único e pessoal de ver as mazelas ou os encantamentos do mundo. Mas tudo bem. Chamo isso de “minha generosidade”: apagar-me em benefício alheio.

Não me escondo nas sombras que vazaram dos seus olhos. Pense na sombra como um contorno que dá textura real ao Inferno leve e melancólico que te consome. É que pra conversar no inferno, fazer-se entender sobre o inferno, o cachorro e a criança se lambem, resmungam, olham-se fixamente nos olhos. Pra falar no inferno, o cascudo às vezes é a palavra necessária.

Estou aqui muito antes de você nascer, e sobreviverei às suas pálidas ilusões de “marcar presença” no mundo. Pense numa espiral azulada que se concentra num turbilhão. Pense na força, voracidade e violência de um turbilhão faminto, cheio de facas afiadas, que se desfaz aos poucos ou que desaparece inesperadamente. Um turbilhão com todos os nomes possíveis, o seu, que me lê, e também o daquele que neste momento me escreve. Trata-se, você bem vê, de uma leveza estranha: capaz de operar um deslocamento nas coisas com sua palidez azulada (a professora de história explicou um dia: as letras Ordem e Progresso são azuis, como azuis são as ruínas de um hospício abandonado). É uma leveza capaz de ferir, de conhecer seus ínfimos êxtases e de manter-se em perplexidades passageiras. Uma leveza atravessada pela multidão assombrosa de anônimos, apaixonados, caçadores e visionários. E você (te ensinaram este nome) chama o turbilhão de “meu íntimo eu”.

Agora, se você não está entendendo aonde quero chegar, pense na bandeira de uma nação qualquer, manchada com sangue de ketchup, formando uma espécie de tapete vermelho de boas vindas na entrada de um cemitério.

7/10/2007

Alma Diabólica

Eu andava por esta cidade que de tão decadente engoliu até os urubus, o sol repartido em sanguessugas azuis.
Não percebia como, mas ia dizendo palavras inofensivas como cardinal ou acará-festivo como se elas fossem nada, como se o esquecimento fosse uma conquista natural, como se a vida pudesse ser guardada num aquário.
As palavras fincavam pé por aí, mas eu aos poucos fui tecendo uma rede (fios iam se prendendo aos meus pés, até o ponto em que caminhar se tornaria impossível). O pior é que novos livros eram lançados, ou então apenas lidos, e as palavras que eu julgava inocentes iam virando nomes de personagens, autobiografias alheias, formando crateras, uma sensação de pedras no estômago de alguém. Eu não sabia, mas depositava armas nas ruas. E isso aconteceu mais de uma vez. Minha inocência se tornou apenas uma alegação desconstruída por qualquer advogado de porta de cadeia (já que não há origem, e sim intersecções aleatórias entre fluxos, os tais “turbilhões”).

Então, me diz aí Oito-Olhos, sobre o pedestal enorme, desporporcional: como se faz uma alma diabólica (a minha, por exemplo)?

Os jesuítas tinham uma mentalidade totalmente militar. Apesar de os franciscanos serem mais violentos, os jesuítas sempre entenderam mais de guerra. A guerra é inequívoca, não admite a contingência (fricção), a falha do raciocínio (isso até o dia da derrota). Foram eles que inventaram o diabo: o que duvida, o que diz duas palavras, o ambíguo, o sete faces e por aí vai. Deus é o que unifica, o símbolo (todo aquele papo de passar no fio de sua espada etc). O Torquato Neto disse numa carta que andava de saco cheio do cinema nacional-popular demagógico, então um amigo (querendo dizer que ele, Torquato, não sabia mais quem eram os verdadeiros inimigos, os ianques aquela baboseira toda) cometeu a seguinte ambigüidade: “você está confundindo os inimigos”.
O mais gozado é que depois que inventaram (eles, sempre eles) a alma diabólica, ela “pensa que existe” (op. cit. Zumbi do Mato).
Mas se sabe que todo demônio é cria do acaso.
E por acaso ninguém pede perdão.

7/08/2007

Samplerficando


meu destino quer samplear Rimbaud
madagascar-me a carne até o fim;
não sei o que esperar da vida, e assim
eu nada espero esperando Bardot.

o corvo que me coube é um urubu
que voa baixo aqui no meu Parnaso
cambaio, azul de fome e de olho raso,
seu nevermore não faz sentido algum.

destarte eis que um destino solapado
por solecismos existenciais
não se compraz em me ver detonado

e sem saber o que, por que, quem, quais,
vou sampleando este papo mandraque
prestante a poetas como eu – de araque.

Jornal de Domingo (Da seção Crimes de Paixão)

Num quadro tétrico da dissolução
Familiar
Ritinha chegou em casa escondendo os olhos
(Esqueceu, a malandra, de levar o colírio
Para o “piquenique” promovido por amigos).

Eis a cena (não falemos em Castigo
Seria muito cruel prezados leitores)
Encontrada por esta verdadeira parasita social:

Um vestido estraçalhado
Um amontoado quase irreconhecível
Não fossem as unhas vermelhas
De tripas e ossos
Os três cachorrinhos sorrindo cinicamente
(Detalhe passado pela moça
Mas devido ao abuso da maconha)

Fifi deitada no sofá com um olho entre as patas
Lili esfregando-se no sangue
Keké lambendo os óculos escuros de astronauta.

No quarto
Em estado de catatonia
Um senhor de idade (o pai de Ritinha)
Não queria saber da tragédia.

Mais tarde
A polícia averiguou, detalhe sinistro
Que os cães atacaram
Sob as ordens do dono
(Sim, ó Bento XVI!
O velho era o culpado.

Em sua defesa arriscou uma evasiva
“Não aguentava mais macarronada”)

7/04/2007

A falta que o silêncio faz

O carro olhos-reluzentes-onça-paluá
( Com o poeta por dentro
Dos parênteses fumê)
Estaciona, para o gozo das normalistas

Na cabeça do poeta

Que proclama
50 e tantos anos depois
O manifesto inaugural
De um movimento que marcará (marcou)
A literatura brasileira.

O poeta não
Sente, mas os aplausos se quebram
Como vidro em seus ouvidos
Que guardam as vísceras
De um pássaro doente:
Ave do mau augúrio,
Decadência do sonho ocidental
Em solo brasileiro,
Enquanto as normalistas jogam
Bolinhas de não amassado
Em sua fronte consagrada:

É isso mesmo, meu chapa

O poeta sempre apaga o cigarro
Na coxa da boneca inflável

7/02/2007

tudo novo e talvez palpitante e talvez receoso, agitado e de novo calmo. e tudo de novo, passos mais calmos, corpo exposto a uma espinha de vento e coisas mais, como suspenso nas braçadas que nos leva prá cá e prá lá, boiando na onda de uma praia aprazível e de repente um mergulho e some e aparece, depois pode-se nadar, breve exercício, direção determinada e pluft, outro mergulho. recolhido para reparos, fica-se um dia suspenso no alto sob jacto de água salgada. transalpino. atira-se daquele alto desmesurado. mergulhos, caldos, recaldos. alongado e desvanecido, olhar no teto branco de um vazio, sem adjetivo, branco, bastante branco pois recém pintado sendo preenchido de lembranças criadas especialmente para decorá-lo. vespertino, vitupério.
As coisas servem para marcar. O quê as coisas marcam ninguém sabe ao certo. Se tudo não passa de adorno. Cada folha no alto do galho, a bicicleta encostada. Você se aproxima da calçada e organiza o espaço com coisas. Embaralha o mundo das coisas. Com as coisas. Cada porta abre e fecha as esquinas. As toneladas de lixo orgânico. As toneladas de lixo inorgânico. As coisas dispostas. Indispostas.