1/07/2008

O novo ano chega com o chiado atrapalhando a voz no telefone.

Ele me chama como um bicho assustado que passou a madrugada exposto ao orvalho. Mas é das lágrimas que caem em meus sapatos como areia descendo a ampulheta, e eu sou pesado, quase impossível de carregar, melhor me virar sozinho, até porque menti quando pensei em areia, deveria ter falado numa ampulheta com cimento.


Ela diz que quando seus cabelos caírem vai se mudar para uma casinha escondida num condomínio de Brasília. Medo da morte: vergonha de viver. Ou a dor no corpo mesmo, que leva ao desabrigo.

Ela puxa o ar com violência, chorar acaba com o fôlego de qualquer um, e em cada respiração é uma parte da minha alma que desce pelas rodas dentadas do aparelho. Mas a minha alma é figura de linguagem, como todo o resto. A alma é o meu sintoma neurótico

da mesma forma que


Jesus é o sintoma neurótico de Moisés

A grama é o sintoma neurótico do esterco

A história é o sintoma neurótico do tempo

O câncer é o sintoma neurótico da vida

E eu sou o sintoma neurótico daqueles que me amam.




Um comentário:

Aldemar Norek disse...

Daniel, dos três gostei especialmente deste aqui (se bem que a parte entre parênteses da aprisimação é sensacional, e todo o clima do poema do avô também). Pode ser identificação, alguma coisa das imagens, não sei bem,como sempre.
Mas tirava duas vírgulas ("Ela diz que quando seus cabelos caírem vai se mudar para uma casinha escondida etc")

Grande abraço!
Acho de de volta depois de longo e tenebroso. Ou apenas recesso.