1/12/2012

Mais espelhos do tempo

19.
Aos poucos, a chuva pára de cair. Nada é súbito. Gotas batem, arrítmicas, contra o vidro da janela. As rodas dos carros deslizam sobre o asfalto espargindo o que ainda resta de água. Espelho de pássaros (que cantam porque têm fome). Tem dias em que o tempo é lento e determinado, implacável:
Não tenho pressa. A sua hora vai chegar.
20.
Logo após escrever o número 19, saio de casa, para dar uma carona para minha irmã mais nova. Quanto mais me aproximo do lugar onde ela está, a chuva piora. Minha irmã está naquela fase da vida quando o sujeito precisa mostrar merecer as migalhas de felicidade jogadas do céu por Oito-Olhos. Uma densidade encobre o horizonte, deixa tudo numa cor de branco apagado, coeso (uma brancura opressora, indecifrável). A realidade deixa de ser visível, é tátil e brutal: as gotas da chuva oblíqua como luvas de pelica com que o tempo dá tapas nas sensações. O tempo às vezes é um espelho nublado mudando constantemente de figura (sem nunca perder a agressividade). O tempo é emocionalmente instável, talvez devido aos excessos cometidos durante sua gestação.
De qualquer modo, não é aconselhável fazer generalizações sobre o tempo.
21.
O deus azul inexistente vomita um arco-íris: muralhas da cidade quando aprender a ser livre. Há pequenas utopias coloridas piscando na janela, reflexos das luzes de natal aos olhos da menina:

Arrancar
Com seriedade
A alegria enterrada
No jardim das flores frias
E das latas de cerveja.

Resgatar
Os livros trancafiados
Em estantes de metal
Que acumulam
Insetos e invernos,

Abrir
Suas páginas contra
O sol: jogo de espelhos
Para um arco-íris sem razão.

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