1/03/2012

O perigo da rede social para os poetas

Meu pressuposto é o de que há uma boa dose de anti-sociabilidade em ser poeta, porque ser poeta é uma descortesia com a camada de conversa fiada que mantém a sociabilidade (pelo menos a atual, que tem como mola propulsora os reclames publicitários). É difícil encontrar pessoas mais orgulhosas do que entre aquelas que pretendem ser escritoras, eu diria até umbiguistas – acreditar que com a escrita você vai além do disciplinar é, de qualquer maneira, querer demais. Mas, ou exatamente por isso, e isso é um tema comentado exaustivamente por todo tipo de escritor: esse mesmo sujeito orgulhoso se comove como o mais sentimentalista dos publicitários diante de qualquer elogio. E quando digo qualquer elogio, é qualquer mesmo. Cada elogio tem um sabor próprio: o chamado elogio consistente, feito por um crítico ou escritor reconhecido (essa palavra é o X da questão, por sinal), o elogio do chamado leitor comum – o fato de estarmos falando de figuras míticas não diminui o impacto afetivo da coisa, muito pelo contrário. O facebook tem um negocinho maldito, o tal do botãozinho curtir. Mas, isso tudo não é coisa só da internet. Um elogio feito à escrita, em qualquer situação, parece ser algo poderosíssimo, o que no fundo revela a imensa fragilidade e solidão do ato de escrever gratuitamente: o caso extremo é daquela pessoa antes considerada uma anta, uma capivara, qualquer um desses animais que tornam o homem mais garboso e saciado à sua vista, que depois de elogiar o poeta passa a ter algum valor, uma percepção aguda, uma sensibilidade especial. Sabe, no fundo ele não é tão idiota assim. E quanto a toda essa babaquice em torno de animais e metáforas pra burrice, é bom lembrar que quase todos os escritores preferem ser considerados homicidas a burros. Se quiserem chamar isso de doença, tem outro nome clichê: narcisismo. Outro dado que aponta para a força da questão (e vamos dizer que as palavras escritor e autor podem ser, elas mesmas, os agentes causadores da moléstia): poucos escritores não sucumbem ao próprio sucesso, e não chamo de sucesso aqui a obra bem realizada - necessariamente. Kerouac é um estilo: decadência lastimável simultânea ao reconhecimento. Rawet: reconhecimento fulgurante seguido de queda irremissível na solidão mais amargurada – os elogios mais como lembrança do elogio perdido. Outro estilo: Graciliano Ramos e Clarice Lispector (essa, naquela conhecida entrevista na TV cultura) – tipos que assumem o sarcasmo, o distanciamento forçado e mesmo a hostilidade diante da horda de elogiadores, como se isso fosse uma espécie de instinto de defesa. Fazendo coisas que o pensamento burguês chamaria de mal-educadas e que o mesmo pensamento burguês vê como idiossincrasias de artista. Esse parece ser o caso mais corriqueiro. Outro estilo ainda dá naquele espetáculo lamentável de quando o escritor vê que uma coisa, uma pegada, uma frase de efeito funciona e começa a agir como um animal de circo, uma foca viciada em aplausos – novamente os animais. O que é quase a mesma coisa de quando se trata do círculo de autoelogiadores – e como bastam 2 pessoas pra se fazer a presença de Deus, imaginem a força de mútuos e interesseiros elogios... Esses últimos exemplos reforçam a sensação da lucidez dos que optam pelo sarcasmo: porque parece que o elogio turva a percepção. A não ser que o próprio sarcasmo faça parte do showzinho lamentável... O que fazer, porém, se quem escreve quer ser lido?
Estarei exagerando ao tomar esses exemplos para falar de blogueiros, poetas de facebook e orkut? Olha aí os entraves do reconhecimento. Mas, não vou deixar de pensar a questão por conta disso. E vou até citar um caso pessoal – que aliás, não impressionou apenas a mim. Não quero relembrar uma história deprimente: mas apenas notar a impressão que causou o fato de textos com zero comentário no blog em que publico (e não somente meus) terem recebidos 10, às vezes 20 comentários com elogios retumbantes, quando apareceram em outro blog, como se fossem de outro autor. Você sabe, conversamos na época, a internet é antes de tudo uma rede social, tudo é uma questão de link e reciprocidade, simpatia. Mesmo assim, rolou aquilo que um psicanalista chamaria de ferida narcísica. A ambigüidade de, de repente, começar a acreditar no próprio valor – mesmo que os elogiadores em questão fossem em outros momentos considerados mais capivaras do que consistentes e ao mesmo tempo se sentir invadido, roubado, saqueado, por uma capivara de bom gosto. É tudo muito sórdido, como vocês estão vendo.
E o botão de curtir no facebook? É toda uma outra história, outra fenomenologia se assim preferirem. A minha experiência é parecida com a do blog: escassos fulano curtiu, mas suficientes para fazerem aquela pequena explosão: eu tenho futuro. Ou, no caso contrário, para eu desconfiar de um texto de que gostei muito, ninguém curtiu – então deve ser uma merda. Ora, ora: mas então o que fazer com o sem número de merdas, não de minha autoria é claro, que vejo outros curtindo por aí. É tudo uma curtição sem fim, somos mais curtidos que couro de boi. Meu orgulho talvez seja o responsável por eu concluir isso: mas, acho que o ninguém curtiu talvez seja a salvação. O perigo, poetas internautas, pode ser quando curtem. Se ninguém curte, se o blog tem zero comments e você continua escrevendo: bem, é uma forma de manter a espontaneidade. Observando figuras que freqüentam as mesmas redes sociais que eu, e dentre as quais está o Sr Daniel Faria, noto que: às vezes, o fulano curtiu não é a meta, é um subproduto, a chamada cereja do bolo, às vezes é o motor da história. Em todo caso, é de uma vulgaridade a toda prova (no segundo caso, vulgaridade a que se soma a demagogia – o que, além de melancolia, dá ânsia de vômito). Uma vez me chamaram de gênio e o próprio fato de eu ter escrito isso é um sinal de perda de pureza e integridade.

3 comentários:

Aldemar Norek disse...

A pureza todos perdemos, Daniel. A integridade não sei. São movimentos difíceis e estamos diante de um problema, uma falha terrível no sistema: quem escreve gostaria de ser lido, e entendido, e comentado (não a si, mas aos textos, nos melhores casos...), e a máquina que move o mundo literário, faz com o caminho para o "reconhecimento" passe por muitas estações de babaovismo, elogionismo, corporativismo etc.
E é uma questão que não dá pra encarar de modo pacífico - nem uma resposta pessoal eu consegui nestes tantos anos que escrevo e penso sobre o que escrevo. E, por não achar a resposta, acabei caindo num certo niilismo de não ter publicado nenhum livro, e pavimentar consistentemente o meu sólido caminho para o anonimato....:)
O que faço, e cada vez menos, é mandar meus poemas para sites que acho interessantes, e alguns publicaram. Curioso: apesar de em todos constar o meu email pessoal, recebi muito poucas mensagens de outros poetas e escritores (fora vocês do LE, acho que foram 3) - uma das conclusões possíveis é de que, se você não está e não busca estar no mainstream, você é invisível (olha o Rancière aí, galera!), ou que poetas não leem poetas, ou que todo mundo está aí só pra falar, não pra ouvir e conversar, neste cenário de superexposição de egos profundamente autocentrados. Outra coisa: sempre desconfiei (intimamente) de todo e qualquer elogio que recebi até agora, e me blindei contra isso, de modo que aceito (das pessoas que sei que entendem de poesia e podem não estar sendo apenas delicadas), mas saio do assunto, porque pra escrever mesmo isso nem interessa - o que conta é você, a caneta e o papel, ou você, o teclado e a tela. O resto é xurumela, e a gente só presta contas consigo mesmo, cada um dentro de seus objetivos. Quanto aos elogios que me permito fazer (poucos, em geral reservados e limitados a poemas específicos,ou grupos de poemas/textos), não vejo razão pra não continuar fazendo, porque expressam exatamente o que penso. E por falar nisso, Daniel, esta sua última série de poemas está do caralho!!!!! aahahaha... não vou me reprimir, não adianta! ahahaha

Aldemar Norek disse...

E tem mais: o problema da posteridade é que ela sempre chega tarde demais... ahahahah

Aldemar Norek disse...

E tem mais [2]- a poesia pra mim é uma atividade (uma forma de pensar) que é meio marginal, que precisa estar à margem para adquirir prespectiva do (teórico) centro. Podia estar falando de literatura em geral, mas como minha relação é mais forte com a poesia, falo dela. Nada contra (muito pelo contrário) quem vive profissionalmente de sua escrita. Isso, por si só, constitui um heroísmo nesta pátria amada salve salve, nosso Brasil varonil. O que quis dizer é o meu modo particular de me relacionar com o ato de escrever, que prefiro que seja um ato margiinal (ainda que, no equilíbrio geral das minhas hierarquias internaS) ocupe um dos centros da minha vida inteira. A relação dela com o mundo é que tem um viés marginal, e aí fica a tensão (ou a contradição) de que quem escreve gostaria (é claro!) de ser lido. Por isso adorei ver aqueles 20 e muitos comentários naquele blog em que pensaram que nossos poemas eram de outra pessoa, não importa o teor do comentário, a pessoa que o emitiu, o estilo do blog, se o que escrevo colocado naquele espaço adquiriu outras conotações, para aquém de toda a tensão de pensamento que os produziu. Acabei de me contradizer? Talvez. Este terreno é de conflito mesmo, e aqui dentro. Apenas para explicar um ponto que (de repente) elimina a contradição: um certo Drumond ainda é marginal, um certo Gullar também, enquanto estes poetas que se escoram no "concretismo heróico" (e em geral estão dentro da academia), excluindo o Arnaldo (que acho que reinventa esta tradição) nada têm deste aspecto marginal, e sofrem de um continuísmo, convertendo o que foi vanguarda numa tradição morna, requentada e vazia.