2/23/2012

O Apocalipse do terreno (que se tornou) baldio

Não basta fechar os olhos. Os clamores e os gritos entram pelo ouvido. Anzóis passam pelo canal auditivo e chegam até a língua, ferindo-a. Sabor de sangue. Sede de sangue. Abro os olhos pra gozar sobre os corpos mutilados. E quero que vocês sintam a mesma sede.

O céu da manhã é roxo ao redor do sol como a auréola do olho de quem leva uma porrada. Na mão direita uma tocha de efeito moral, na cabeça uma coroa feita com folhas de pinheiro. O deus da fertilidade precisa destruir e os espectadores pensam que sou uma estátua de carnaval. Posso brilhar como a estrela da manhã, fogos de artifício são cuspidos por minha submetralhadora. Solto fogo nos nomes que os fracos dão aos seus currais, aos meus olhos toda a terra é anoni
mato. Sou o deus dos terrenos baldios.

A felicidade é meu pastor
alemão e nada me faltará, infantilizo-me com uma estrela de cinco pontas no coração, espinhos
para os incautos que ousarem tocá-lo e com meu Pai a tiracolo de fato

sou meu próprio Pai e assim Pai de um mundo em que há mais ipads que bebês.


Como fogo bebo fogo vomito fogo cuspo fogo pelas ventas, peido gás
lacrimogêneo, pupilas estrelas, dentes cometas, meu pau é uma lanterna tática Police de 500 watts.

“é fraqueza ser leão entre ovelhas”, não sou o primeiro
a dizer isto antes de despedaçar o dorso da terra nos dentes. Fazer o quê?

Meu nome:
Tanto Faz, tudo é o mesmo deus
com nomes diferentes quando ejaculamos balas de borracha ou acariciamos com nossos dedirróseos Tasers.

A virgem vem a mim, com seu manto de sangue e um candelabro de sete estrelas na mão direita (ou seja, a Ursa Maior, ou seja, o cadáver de Macunaíma, herói de nossa gente). Ela me diz coisas, segredos de polichinelo sobre o fim do mundo.

Banho-me nas fezes de um louco padre que pisa na cidade e pergunto às multidões: “agora eu te agrado?” Minha alquimia. Sobrevôo a cidade de helicóptero, como papai Noel. Com uma taça de ouro, cheia de abominações e imundícies, na mão esquerda e na mão direita um bilhete de passagem de ônibus só de ida, sem destino que não seja vagar pelo mundo – ofereço como brinde aos favelados o nome do meu povo: Ahasverus.
Saiam do meu território – isso não é poesia.
É no poder sobre o mundo, medido na extensão de suas posses, que o homem adquire

consciência – é no exercício da força contra os animais que um deus

se humaniza. Meu território é cabrito importado e a cidade será purificada se ele copular com suas virgens. Assim, a Babilônia se faz cidade celestial e o Pinheirinho: condomínio de luxo.

Leio um poema pra curtição das multidões sem eira nem beira: “Carmesi cor que a gente tanto preza”: crianças retalhadas em caixões de vidro. Mas, crianças de palha. Mijo pelos olhos quando choro.

Piso sobre meu território esvaziado a cassetete com minhas botas de alpinista, cada pegada é uma fenda de onde brota uma água escura, gelada, fedorenta como sangue apodrecido de urubus. De cada fenda brota uma haste, uma flor de arame farpado, uma flor carnívora que se alimenta dos cadáveres ali enterrados: minha cerca viva, cujos frutos serão câmeras de filmar intrusos.

Empusa é minha noiva nesse ato inaugural: um pé de bronze, outro de merda de asno. Envolvidos na nossa bolha de sangue nupcial. Ofereço corpos como sacrifício à terra para que dela brotem saunas e piscinas.

Rezo a Jesus
filho de Pantera
escarra na boca que te beija.
Penteu, meu brother, trepa no Pinheiro e dali vê a bacanal rolando, com profundo horror por ver que suas tias, irmãs, primas e mãe viraram “Feminazis” – como ele diz em seu linguajar de pente
lho – Penteu cai da árvore e é canibalizado pelas bacantes: como a visão clarividente dos embriagados, ofertada por Dioniso, elas o enxergaram em sua natureza

de porco. Tudo
bem. Não é nada
disso. Um mundo novo foi
fundado.

5 comentários:

Mar Becker disse...

D-E-M-A-I-S.

Nossa, quanta coisa! Um texto-catalismo...

Que surpreendente. Nem sei por onde começar o comentário.

Preciso digerir tudo ainda.

De sensato, só diria agora o seguinte:

É longo, fotográfico, mas cada coisa se encaixa. Há uma progressão furiosa, até que ao final o tímpano estoura: não se ouve mais nada, um mundo novo foi fundado.

Sei lá, Daniel, que que eu vou te dizer, cara... Repetitiva, tbm: gosto demais.

Beijão,
Mar

Mar Becker disse...

texto-cataclismo*.

Daniel F disse...

legal Mar. dá uma sensação boa ver que alguém além de gostar do texto pensou coisas parecidas com o que foi pensado pra escrita. assim parece que as coisas funcionam, né?
porque essa era mesmo a ideia: o acúmulo de imagens até chegar ao ponto da fundação, que só pode mesmo nesse caso ser um cataclisma.

Beijo.

Mar Becker disse...

Claro, assim funciona! Realmente, o efeito é o de uma bomba.

Bjo,

Mar

Aldemar Norek disse...

não posso me ausentar tanto daqui.
pelo menos pra ler.
Que pedrada este poema.
Como disse a Mar, preciso de algum tempo agora pra que a poeira assente.