4/23/2012

desvio para o vermelho, 2

(Desvio para o vermelho, de Cildo Meirelles)



Alice voltou do sonho mais completamente
só do que antes Ela veio atravessando o vazio
entre dois desertos e sem achar ninguém que lhe dissesse
bem-vinda O mundo estava resumido a poucas palavras
e o sonho não era mais um lugar pra onde
se voltasse Ninguém para comunicar as decifrações
elaboradas a punho, perdendo sangue, nem o amor
de sua vida, deitado ao seu lado, num universo
paralelo Ainda lhe dói o estrago da grande explosão
mesmo que o seu ruído agora se confunda ao mínimo
arrulhar dos pombos e seu brilho não passe de um desvio
no espectro, imperceptível sem equipamentos pesados,
como cabe a qualquer passado Neste dia Alice cruzou as pontes
incineradas do sonho e passou a contar os anos aos pares até
montar peça por peça o espólio do incêndio, o seu museu
portátil, sua história natural

3 comentários:

Unknown disse...

"o espólio do incêndio", muito belo isso... Bela construção de imagens... oníricas (me lembrou Kafka). Prazer em conhecer esse espaço.

Aldemar Norek disse...

Opa, obrigado, Marcello.
Fui dar uma olhada em seu espaço, que não conhecia e igualmente gostei muito do que li. Uma coisa - a gente aqui do LE não elogia por educação.
Quando estiver aqui em nosso bangalô, sinta-se em casa.

abraço forte,
Aldemar

Mar Becker disse...

Aldemar, esta série da Alice me transforma em puro aperto saárico, desértico.
"Ninguém que lhe dissesse / bem-vinda", de uma delicadeza, mas de uma ferocidade: pura amputação pelo silêncio.
Acho interessantíssimo que aqui algumas imagens do primeiro voltam - várias, na real (o ruído, os pombos, o tempo) -, só que metamorfoseadas; eras se passaram, há uma jornada subterrânea aí.
No primeiro, a impossibilidade de voar; aqui, a impossibilidade de dizer, de comunicar, e aos poucos as camadas de pele de uma Alice onírica se descolam;
o frio.

Beijo,
Mar