8/25/2012

Silêncio par(a) Mar




















Silêncio par(a) Mar



O Silêncio é de pedra.

Pedra, pedra, pedra.

Imenso é o silêncio do jardim devastado,
Quando o jovem noviço coroa a fronte com folhagem marrom,
E seu hálito bebe ouro gelado.
As mãos tocam a idade da água azulada
Ou em fria noite os rostos brancos das irmãs.

Porque teu olhar é de pedra
Tua boca é de pedra

E dormes onde avançam
Hidras
De horas salobras

Sob galhos podres, por muros cheios de lepra,
Por onde antes passou o santo irmão
Mergulhado nos doces acordes de seu delírio.

Porque tua garra é de pedra
Teu quadril é de pedra

Teu ódio é de pedra.

Pedra, pedra, pedra.

Tudo passou onde antes era pedra
E tudo retornou
Onde agora é só pedra

Só pedra, pedra e pedra.

Assustador é o declínio da raça.
Neste momento, os olhos do contemplador enchem-se
Com o ouro de suas estrelas.

E agora o Mar
Choca-se contra as pedras
Raivoso e verdeazul

Porque teu silêncio é de pedra.

Pedra, pedra, pedra.




(Imagem: pintura de Karl Hofer)

8/18/2012

SALMO para DANIEL













Cala-te meu amigo!

Como todos os sinos se calam!

Na placenta do medo
a escória procura alimento novo.
Sexta-feira santa, pendurada no firmamento,
uma mão faltam-lhe dois dedos,
Mergulha no vermelho das nuvens
afasta os novos assassinos
e liberta-se.

Veja meu amigo!

Tudo é treva no rio laborioso
que nunca acaba
seu fluxo
ainda que na secura nosso
pranto se espraia.

Não tivemos ombro amigo
na hora dos invernos duros
dos outonos
morrentes
nenhum cálice de vinho
a saciar
nossa amarga garganta

É tempo amigo!

Tempo de orações
negras e sem Tempo,

Não há mais
tardar amigo!

Me calo!

(tempo de ossadas ausentes) -

8/16/2012

Venho de uma família de sírios com drogas

Não é ao ar livre de planície ou mar aberto
Que melhor se vê a idéia do infinito
É pela fresta aberta entre a grade da janela
E um rosto que se deixa atravessar por um raio azul de brilho intenso descendo sobre a manhã da cidade desértica
Um rosto transfigurado pelo céu: então é assim que o dia atravessa as paredes de um apartamento qualquer
Um topázio rasgando a pele de um rosto translúcido.


*
O mar é mais rápido que o pensamento –
No piso do apartamento vê-se
O mar.

Ou é o chão da realidade que ondula
Ou ainda a consciência que recua
E uma vontade sem sentido de soltar uma risada
Na cara do universo –

*
E no meio da loucura escutar a voz de Bárbara
Te dizendo como fazer do silêncio a sua casa:

Se há um templo se constituindo
Nesse momento, para dar espaço à avidez de absoluto
A cidade persiste como a moldura de uma janela
Aberta ao infinito: imagine-se como se amanhece
Um planeta muito próximo do sol.

*
É explicar ao seu amigo que você escreve
Porque não sabe falar
Nada, nem domina
A sua língua: oceano
Não abriga, nem a cidade
De ruas quadriculadas refugia
Inóspita paranóia, para além
Do azul que refulge nas ranhuras da parede

- Venho de uma família de sírios
Com drogas.

E ainda assim é com ela, a língua portuguesa
Que você vai encontrar
Uma saída – são essas pequenas coisas:
Ser um fantasma, por dentro, à procura de sua voz,
Sua cota de infinito, em meio à cegueira programada.

*
Da poesia, espera-se ser
Abrigo para sua pele de éter exposta a todo tipo de ignotas forças naturais e muito
Remotas e ainda desconhecidas ou sempre desconhecidas
Pela ciência: um itinerário sobre o abismo –
A poesia:
Produzir vácuo
Da consciência, avidez de palavras:

Grade de metal, vidro cortado pela luz
Fantasmas de topázio caminham sobre o mar
Refletem
Prismas de angústia e infinito.

*
Ranhuras dançam na parede,
Estamos na década de 50, 80, tanto faz
O absoluto invade a vida
O vidro da janela, as frestas da cidade, a voz,
O mar adormecido no piso: é por dentro
Do sonho que despertamos,
Sedentos de mar e infinito –

Que não se dá a ver, é entrevisto.







8/06/2012

Quando um sujeito cansado chuta o balde, taí uma coisa digna de nota.

Espasmos de lucidez intermitente, êxtase da barata escalando a parede, qualquer comparação soa compacta, um símile da vida em sua ausência de motivo. É sórdido. É bonito de se ver. É promissor. Fulgura. Incita. Que coisa linda de se ver, o horizonte escondido, atrás do vermelho das nuvens densas anunciando a noite, e ele ali: não menos ínfimo por isso. O problema é não ser uma centopéia pra não poder chutar tantos baldes, é o que ele parece dizer. Alguém tem que ser o Cristo, os justos pagarão pelos pecadores e nas redes sociais ainda se pagarão sapos pela atitude impensada. De fato, é um riso venenoso de um sapo daqueles peçonhentos que solta veneno quando pressionado. É a mãe natureza naturante, desnaturada. Não é edificante. Mas é bonito, ainda assim. Um evento gratuito, hermeticamente fechado em si mesmo. Um instante. Foi, e não volta. Se você pensa que a única transformação válida é aquela que deixa uma herança, isso aí não vale nada. Mas, eu digo e afirmo. E canto, nesse canto tosco que mais parece um ensaio de poema, um mero desabafo, a coisa mais baixa na escala dos enunciados: eu canto os pobres diabos que um belo dia e desabafo aparentemente do nada, chutem-se baldes e depois a vida se recolha e volte ao normal. Isso é o mito, eclodindo na tua cara, é o que resta da verdade, desde que ela fugiu, com os deuses, pra trás do horizonte vermelho.