8/16/2012

Venho de uma família de sírios com drogas

Não é ao ar livre de planície ou mar aberto
Que melhor se vê a idéia do infinito
É pela fresta aberta entre a grade da janela
E um rosto que se deixa atravessar por um raio azul de brilho intenso descendo sobre a manhã da cidade desértica
Um rosto transfigurado pelo céu: então é assim que o dia atravessa as paredes de um apartamento qualquer
Um topázio rasgando a pele de um rosto translúcido.


*
O mar é mais rápido que o pensamento –
No piso do apartamento vê-se
O mar.

Ou é o chão da realidade que ondula
Ou ainda a consciência que recua
E uma vontade sem sentido de soltar uma risada
Na cara do universo –

*
E no meio da loucura escutar a voz de Bárbara
Te dizendo como fazer do silêncio a sua casa:

Se há um templo se constituindo
Nesse momento, para dar espaço à avidez de absoluto
A cidade persiste como a moldura de uma janela
Aberta ao infinito: imagine-se como se amanhece
Um planeta muito próximo do sol.

*
É explicar ao seu amigo que você escreve
Porque não sabe falar
Nada, nem domina
A sua língua: oceano
Não abriga, nem a cidade
De ruas quadriculadas refugia
Inóspita paranóia, para além
Do azul que refulge nas ranhuras da parede

- Venho de uma família de sírios
Com drogas.

E ainda assim é com ela, a língua portuguesa
Que você vai encontrar
Uma saída – são essas pequenas coisas:
Ser um fantasma, por dentro, à procura de sua voz,
Sua cota de infinito, em meio à cegueira programada.

*
Da poesia, espera-se ser
Abrigo para sua pele de éter exposta a todo tipo de ignotas forças naturais e muito
Remotas e ainda desconhecidas ou sempre desconhecidas
Pela ciência: um itinerário sobre o abismo –
A poesia:
Produzir vácuo
Da consciência, avidez de palavras:

Grade de metal, vidro cortado pela luz
Fantasmas de topázio caminham sobre o mar
Refletem
Prismas de angústia e infinito.

*
Ranhuras dançam na parede,
Estamos na década de 50, 80, tanto faz
O absoluto invade a vida
O vidro da janela, as frestas da cidade, a voz,
O mar adormecido no piso: é por dentro
Do sonho que despertamos,
Sedentos de mar e infinito –

Que não se dá a ver, é entrevisto.







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