(Obra de Artur Gormley) |
/por Nuno Rau/
tenho
escrito poemas
aos pedaços,
espalhados
por e-mails, contra-
capas,
guardanapos, mensagens
instantâneas,
na verdade
qualquer
pedaço de papel
que me olhe
com sua interrogação
branca, seu
jeito
de esfinge
dando bandeira em cima
de um móvel,
mata-
borrão de
palavras fazendo
pose de
papiro, tenho
escrito
poemas
em pedaços
que não quero
juntar,
tenho pedido às canetas
que falhem,
às teclas
que emperrem
quando
envio cada
fragmento
a um destino
diferente, rasurando
os vínculos,
perdendo
a linha como
quem deleta
um telefone
importante, tenho
esperado que
os amigos
se distraiam
com as amenidades
com que
disfarço o contrabando
das
palavras. Tenho lido
muitos
poemas e sinto
tédio frente
ao presente
que ainda
pretende
chocar
quando retiro
os andaimes
e o impacto
não penetra
além
da película,
imagem. Então, pra ver tudo
melhor
arranquei
meus olhos e
joguei no fundo de um copo
sem fundo -
é de lá que passei
a interrogar
o abismo
dos céus
como um burocrata afogado
em papéis
velhos enquanto anjos
sem pedigree
entoam salmos
punks
de três acordes, distorção
amplificada
e loop
frenético
diante da parede
transparente
onde rabisco
grafites com
uma tinta
tão negra
que a grande noite
dos séculos
não vai deixar
ninguém ler.