1/23/2007

Cenas de uma cidade qualquer 4 (Versão Menos adjetivada)

Destino – incerto. Endereço: Presidente Wenceslau 826. Mas que tinha coisa errada ele notou ao ser alvejado por 30 cães sarnentos que jaziam escondidos atrás das grades enferrujadas (a casa idem coberta pelo mato). O líder veio em seu encalço por 3 quarteirões, mas ele ia em frente como se carregasse um livro sobre a cabeça: devia se manter altivo, sobretudo não olhar o chão e também não usar o pão como guardanapo em jantares em que se discutiam viagens a Viena e Paris. Na noite anterior na Vernissage com vinho doce e pedaços de pizza ele soube lendo versos na parede que tudo é o avesso mas que por outro lado tanto faz é tudo uma questão de ponto de vista e a sua vida é como você quiser que ela seja. O cão que latia em seu calcanhar nada sabia de Vernissage apesar de ser o próprio vira-lata amado por Baudelaire cem vezes melhor que as Fifis (que, de acordo com o amigo veterinário, tinham o mau costume de comer as próprias fezes, quem diria). Os vira-latas eram imunes a versos publicitários. O endereço era aquele mesmo, mas não havia sinal de que o lugar era a Empresa que ele procurava. Resolveu interfonar. Quem é? Assim fala alguém que se aconchega no lar contra intrusos, não empreendedores que planejam te enredar num lodaçal de gerúndios. Mas era ali - a Empresa. Lá dentro, atrás de cavernosos computadores e cadeiras giratórias ornamentadas de serpentes e leões alados, estavam as três visagens. As três (quem sabe irmãs?) pareciam ter nascido ali, vivido naqueles corredores à luz de castiçais, comendo macarrão instantâneo diante do quadro da criança morta aos 5 anos de idade, elas tinham olhos vermelhos como os das pombas, a voz delas saía como um cano de descarga novamente imitando o regurgito das pombas principalmente no uso do gerúndio (você vai estar mandando a reclamação por escrito?). Uma delas sorria quando pegou a tesoura enferrujada e cortou o fio da meada. Ele saiu de si e caiu no mundo.

6 comentários:

Haemocytometer Metzengerstein disse...

Adorei isso!! Essa Empresa é a cara do que eu sinto pelo Império do Óleo. Cinematográfico teu texto. No início me lembrou a ida de Bloom à Mabbot Street, no capítulo "Circe" do Ulysses - com um cachorro atrás da pata de carneiro que ele comprou no açougue.

Eliana Pougy disse...

Eu também estou gostando muito desses contos, Daniel. Tu tá escrevendo pra caramba, menino!

Aldemar Norek disse...

gostei do (des)manejo das vírgulas...
tem umas palavras que conflitam com a atualidade da proposta, tipo "jaziam".
não sei se é de sua intenção o barroquismo que isso gera. O mesmo para certo excesso de adjetivos.
abração

Daniel F disse...

Olá pessoal,

Eliana, esses textos novos pra mim são bem uma experimentação, legal saber que você gostou!
acho que o enfrentamento com a questão Império do Óleo exige uma certa saturação, daí talvez o barroquismo - que não chega a ser intencional Aldemar, não sou de ideologias. Jazia neste caso é um termo bem especial, pois joga com o lance do lugar funesto, quase um cemitério, uma descida ao Inferno. Não consigo pensar outro termo que tenha essa ambigüidade. Não sei o que seria um texto mais atual, seria mais próximo da fala cotidiana? Isso é bem interessante, mas acho que não dá pra hierarquizar opções estéticas a partir de um critério como esse. O arcaísmo tem um sentido nesse mundo de entulhos de hoje em dia. Mas vou reler e ver quais adjetivos estão sobrando.

Um abraço!

Daniel

Aldemar Norek disse...

pos é, talvez esteja lendo a partir do "meu projeto estético", se é que posso chamar assim um emaranhado de idéias desconexas, conflitantes e mal arrumadas. realmente gosto de hibridações da fala mais cotidiana, da gíria, da música, do lixo cultural, com a língua culta, gosto de tentar mexer nestes registros, embaralhar.
Não sei se o "jaziam" arrancou o efeito que você pressupôs, planejou. Não li assim, mas pode ser problema de recepção. De qqer modo gosto desta linha sua de textos. Aliás, o do vírus no Cronopíos foi DEMAIS!!!!!!!
um abraço grande

Masé Lemos disse...

oi daniel
bacana estes escritos

vc conhece o Luiz Ruffato? Eles eram muitos cavalos?
queria sua opinião\\bjs

Masé