6/26/2008

70 personagens de um romance inacabado de Lima Barreto

O medíocre aponta o dedo pra lua,
pra melhor ver o próprio dedo.

Citação tirada da placa inaugural da rodoviária de Uberlândia.





Primeiro Movimento

É tudo sempre o mesmo
Marlon.

Eles vivem no mundo
Da lua e escrevem
Por encomenda, nos rigores do método
Taylorista enfiam a viola no saco e tomam
O café
Melado de açúcar.

Paus pra toda obra
Fazem de tudo
Pra “introjetar”
Que a corporation é uma corporação
De ofício: de fato
Se vê romantismo
Nesse lance de relatório
Artesanal.

(Mas num ônibus ninguém
Os distinguiria
De uma excursão de gerentes de bingo).

São fodidos
Pedindo emprego,
A missão da empresa é dizer que:

A cidade é boa, a terra
É fértil; ubérrima
Diria Policarpo Quaresma,
Um sonho tornado real.



Segundo Movimento

No coro dos infelizes
Você pensa que é
Especial porque usa um blog
Como escarradeira e não quer
Ser confundido
Com os gerentes de bingo:
“Minha camisa
Amarrotada
É minha bandeira” ou

A estátua tem
Uma cabeça grande
E brilhante
E um corpo de dar
Inveja
Aos cães amestrados
Com seus diplomas iluminados
Pelo luar do sertão
Mas as notas de rodapé
São de barro
(O sonho apocalíptico
De Daniel).


Terceiro Movimento

Uberland – Ubermensch,
É latim, é inglês
É alemão
É a finitude
Do homem ocidental
É a hermenêutica pós-moderna
É o festival de citações
A carta na manga e o bolso vazio
À sombra dos clones
De Roberto Justus.

É o lirismo
Do pesadelo acadêmico.

É a poesia
Sem charme
Dos concursos, escrita
Com os tipos dos carimbos[1]
Que não deveria ter sido
Escrita,
Não merece ser lida.






[1] Carimbo: etimologicamente, o ferro em brasa usado pra marcar os escravos que saíam de Luanda. Escravos como Aristóteles, mas sem o consolo da filosofia, fechada para o balanço. Falida.

3 comentários:

Aldemar Norek disse...

Daniel,
não sei se minha intuição está errada, acho que não: pelo que tenho lido do seus escritos você encontrou uma poética toda sua, uma poética particular. Esse seu gosto pelo "não-universal" onde, contraditoriamente, você acaba falando de eixos universais (que podem ser mera formulação, abstração ou ficção - está fincada a dúvida), numa vertigem que fica próxima de outras dúvidas, como a da separação entre alma e corpo, reação química e pensamento, etc. Sem falar nos enjambements poderosos que você passou a colocar nos poemas, aumentando a vertigem.
Resumindo e simplificando: tenho gostado de ler pra c....
abração

Daniel F disse...

Pô, Aldemar, só posso dizer que fico muito feliz com isso. Sua opinião é importante pra mim, ainda mais eu sabendo do tanto que a poesia significa pra você e o tanto que você conhece de poesia. E como não há necessidade de "política literária" por aqui. Já que as críticas quando vêm, vêm sem meias palavras.

Pra mim, a sensação é de que você está enxergando mais do que esses poemas contêm. Mas e daí? Vou continuar escrevendo desse mesmo jeito, sem a menor capacidade de criticar o que escrevo no sentido de atribuir valor. Ou sem a menor vontade mesmo. Claro que não tem nada de intuitivo nesses enjambements, mas ao mesmo tempo não pensei neles antes de eles aparecerem, como se fosse um projeto ou coisa que o valha.

Pra mim escrever é um lance quase terapeutico. Ainda mais não acreditando nem em padres nem em psicólogos em geral.

Abraço,

Daniel.

Aldemar Norek disse...

Daniel,
este ponto é interessante, da nossa não-necessidade de política literária aqui, do tipo de pacto que se estruturou no LE, é límpido e fluente.
Ponto 2: a escrita e a leitura. De fato estes poemas não são mais seus, são meus tbm agora no sentido que me apropriei deles pela leitura que faço, que é a que sinto e na qual acredito.
Sobre isso (e complementando a 'intuição-não-intuição' de seus enjambements) fico com o Caetano: "é só um jeito de corpo, não precisa ninguém me acompanhar". Ou seja: toda técnica só se realiza plenamente quando vc a esquece, em termos, e ela sai do seu corpo, do seu jingado, como coisa natural. Foi dessa forma que li e percebi a força que eles produzem aqui.

Sobre escrever como terapia: é mesmo - e entendo terapia aqui como a tentativa de entender o jeito de estar no mundo, de perceber o mundo, de responder ao mundo (não que a resposta tenha que ser lida, porque o mundo não está nem aí e o Grande Outro -pra usar a terminologia de Lacan- ficou surdo, cego e mudo.....deve ter virado escritor ou poeta tbm, ahahahaha).

Também acredito que escrever é uma das formas de se relacionar com a morte, com a angústia da morte. E nesse caso é uma alternativa para a cegueira da religião mesmo.

Daí, como disse Clarice, "escrever é um dos modos de fracassar".

Abração.
aldemar