6/29/2008

circunstância

Você não vem novamente. Alegou
desta vez a chuva intermitente há
dias persistindo sobre os telha-
dos da sua cidade e da minha. Sou

refém de um animismo primitivo
e me queixo às coisas quando, em repouso,
penso dizerem verdades que ouço
e simulo crer, como no destino

ou na maior parcela das pessoas:
é uma solidão este tumulto
que me ladeia. Em vão,frente à arisca

face do amor, quero o abismo e todas
as vertigens desse filme inconcluso
onde estou só, sem luz, sem roteirista.

4 comentários:

Daniel F disse...

isso me lembra "a luz negra cruel de um destino sem cor, ilumina o teatro em que represento o papel de palhaço do amor".

fazendo uma comparação, acho que o escrevo gira basicamente em torno de imagens, cenas. você pensa mais, durante o poema, é como uma conversa. só não gostei dessa "maior parcela das pessoas", sei lá, fica meio estranho.

Qto ao animismo e a solidão, é isso aí, isolamento num mundo povoado de almas.


Abraço,

Daniel

Daniel F disse...

Fazendo justiça ao Nelson Cavaquinho, agora vi que misturei tudo:

a luz negra de um destino cruel ilumina o teatro sem cor onde estou representando o papel de palhaço do amor.

gosto muito da versão do Jards Macalé.


Abraço!

Daniel.

Aldemar Norek disse...

Bem, Daniel, bebemos em fontes comuns - segundo o Caetano, em "vozes do ser profundo do Brasil", que é o que o Nelson Cavaquinho representa, junto com Cartola, Jards Macalé, e etc., etc., etc., etc.
A "maior parcela das pessoas" é uma referência a Montesquieu, na tradução que li ele fala que é surdo à maior parte das pessoas, mas para o esquema ritmico do decassílabo tive que trocar por "parcela", o que, acho, cria um ar meio "fake", falsamente antigo (talvez por remeter à lembraça sonora - não semântica- de "procela", uma palavra em desuso), mas este artifício acaba criando uma ironia, espero, uma ironia do soneto contra si mesmo, que é o que tentei com este ar de prosa por dentro do esquema bem rígido da forma fixa.(ontem vi/ouvi o Marcelo Diniz, um poetastro, falando seus sonetos que são "o virtuosismo", beiram uma vertigem minimalista da língua - mas não sei se gostaria de chegar lá se pudesse....acho que prefiro uma certa "sujeira" na composição).

Você observa bem: o que tento é uma conversa, comigo mesmo, com o tempo, com quem(?) lê(?), a fluência da fala dentro do poema, uma meditação.

Puxa, obrigado por sua leitura tão atenta.
abração.

p.s. não esqueçamos que as letras dos sambas mais profundos do Nelson são do Guilherme de Brito.

ps2. tbm adoro o Jards.

Aldemar Norek disse...

Montesquieu:
"Quanto à maior parte das pessoas, prefiro aprová-las a escutá-las".