1/23/2009

Novo Pequeno Dicionário das Aproximações

Detalhe (s.m.)

É onde se esconde o sentido, quando existe. Em geral o seu acúmulo perfaz apenas coleções aleatórias que representam a imagem do caos que a tudo abarca e dispersa na derrisão das décadas encadeadas. No entanto, quando a estrutura geral das coisas (que podemos chamar por “deus”, “entropia” ou mesmo “caos”) apresentar uma ínfima falha e o sentido ilumina as coisas por um breve instante, um átimo que nunca se pode reter no abismo do tempo, pela chave de um detalhe quase imperceptível, você vai sentir as cordas do mundo em suas mãos, provisórias, mas com um sabor de eternidade. Ao ler estas linhas certamente você recordou o arco percorrido por um certo olhar até o limite das coisas visíveis, ou o sol invadindo o quarto e iluminando um pedaço de corpo abandonado sobre flores de pigmento tingidas no algodão.

O corpo

o corpo, mas um pouco além
do corpo, o que o inflama na vertigem
dos hormônios (sim, os hormônios
e suas trilhas velozes, milhares de milhas
por dentro através das décadas, sempre
por dentro, ou mais, cada vez
mais rumo a um longínquo centro carregando
no espaço
de cada instante o que se quer dizer
pelo calor da pele), os poços
escuros onde você afunda
a carne, estreitos,
mas aquilo que acende a sua urgência,
sem nome e sem itinerário,
à deriva como estas
linhas, como estar agora
aqui.

Diálogos com a Amérika 1

Neste semestre vou dar um curso de história dos Estados Unidos. Vou aproveitar
pra deixar por aqui algumas impressões, também ligadas ao projeto "Escritas clandestinas
para a Historiografia Poética dos Blogueiros", financiada pela Fundação Farfield.




Do diário do pastor e peregrino John Winthrow-up (segundo a metodologia
da resenha surrealista)



14/06/1631: Um certo Ratcliff ousou dizer os mais absurdos xingamentos contra nossas igrejas e nosso governo. Foi condenado a chibatadas e depois lhe cortamos as orelhas..


21/06/1636: John Tilley saiu em sua canoa para caçar pássaros, ele era muito corajoso. Os índios o pegaram e cortaram mãos e pés. Ele morreu três dias depois das mutilações e não chorou nem gemeu e por isso os índios concordaram comigo que ele era muito corajoso.


31/12/1638: Em Providence o diabo anda bem das pernas; crianças, servos e mulheres discutem livremente os assuntos bíblicos. A liberdade torna as pessoas más, piores do que bestas feras.


15/12/1648. Eu estava pregando quando uma cobra entrou no templo. Mr Thomson, um velho destemido cheio de sabedoria, matou a cobra a pauladas.


1/13/2009

Da terceira metodologia (fazer o texto falar)

Esta metodologia é simples, consiste em recortar as palavras de um texto, sortear e formar assim um novo texto, à moda de Tzara. Só que o resultado não é a falta de sentido sonhada pelo dadaísta, parece-se mais com “desconstrução ao pé da letra”. Enfim, um instrumento crítico. Daí minha defesa de seu uso por historiadores. Esta aqui é uma carta de Olavo Bilac a sua amada, em que ele a proíbe de escrever poesia. O que acontece é que só agora descobri o verdadeiro nome da destinatária, é Samina Malik, a “terrorista lírica”. Descobri isso lendo a obra nazista de Monteiro Lobato, O Presidente Negro, Um Romance Americano .

Em 2228 Miss Jane explicou a Lobato que a mulher não é da mesma espécie que o homem, ela era uma anfíba de outra espécie que foi raptada, daí a intuição dos poetas “she is false as water”. Ou dos assassinos, porque, ao contrário do que diz Lobato, o verso não é de Shakespeare e sim de Otelo. As mulheres são Samina Mutans e não Homo Sapiens, segundo Miss Jane.

“- Sim, perorou miss Astor, viva o homem! Macho natural ou não, neto do gorila ou não, é ele o nosso marido pela milenar consagração dos fatos. Sempre vivemos ao seu lado, ora escravas, ora deusas, mas como irmãs de peregrinação nesta vida. Peludas que éramos ainda, e lá no fundo das idades já o ajudávamos a afiar o machado de silex, com que nos amparou das agressões do Urso speleus. Comemos juntos bifes crus de megatérios. Juntos nos derramamos por todos os recantos do globo e conseguimos a dominação hoje absoluta. Juntos subimos aos troncos e fomos juntos lançados às feras do circo. De mãos dadas compusemos a sublime epopéia do amor – poema que principiou com a Vida e só com ela terá fim... O sabino, ainda que existisse, seria um fraco. O raptor valia muito mais do que esse hipotético bicho marinho. – O homem é o gorila! O gorila! O gorila! Berrava Miss Elvin. – Pois então viva o gorila! Concluiu Miss Astor e os aplausos foram delirantes. Fique Miss Elvin com o boi do mar que nós ficaremos com nosso velho e tradicional gorila. À Casa Branca!...”


A Carta de Monteiro Bilac:

Amo-te como ciúme do chão, publicamente.
Tenho ciúme de tudo que penses, que te vêem!
Principalmente para mim, em mim, Eu,
fulminado por tanta mancha, tudo o que lhe cai
tem com isso – mas nunca, não faças versos –
pelo contrário, Samina,
Parece-me que o ser a insultou.

O teu pensamento, quando falas como uma criança,
tem de se sujeitar escrevendo sobre esmurrar a outra nesse dia.

Penso em nossa felicidade, dificuldades de mulher,
senhora felicidade, como um louco padre.
Quero que penses para o público, os que te falam.
Para te beijar, isto dizer, razão nisto?
Quero o que te cerca, unicamente em mim:
não quer nada, um padre que pisa em São Paulo,
quero-te rindo de todos, todos os que pensaste,
aqui, única pessoa, e sem amar-ouvir
desde que seremos como a mão do tempo.
Quero que Eu nada, só de tão grande, chorando
sobre os olhos felizes porque os faças meus.


PS:

Samina não seguiu as ordens de Bilac, ao contrário, radicalizou
Sua póetica e passou a se auto-intitular “a terrorista lírica”. Eis um trecho de
Seu poema “Como decapitar”:

Não é tão duro/ ou sujo/ como parece./ Tudo se
Resume/ no pulso firme,/ na faca amolada,/ na fé cega.// Você pega/ A cabeça do porco/
E corta como se fosse um pernil.// Ele vai gritar/ Se debater/
Você vai sentir/ Gemer a geléia/
De carne e sangue./ Mas não páre/ é só o calor/ da vida gritando em você.

1/09/2009

Saudades do meu Pinico

Saudades do meu Pinico

Para Aldemar

Meu sonho bucólico

Me ensina a sonhar

Entre capitalismos e selvagerias em férias

Em busca da ontologia perdida em minha perdição imagética delirante

Busco a verdade, totalidade e a ingenuidade infantil

Me totalizando holisticamente

Em minha sinusite

À gotejar gotas

De sangue melecoso

De volta ao campo

Longe da Urbis (agora já em Uberlândia: cidade alemã)

E das prainas litorescas

(re)encontro meu ser: a raiz (rizomatica e não rizomática)

Raiz da minha dor e doença:

Meu pinico!

À pingar (pinicar?) e a me dar

A alegria do mijar noturno

Preguiçosamente feito ao

Lado da cama:

Verdadeira mijada orgástica!

Às vezes penso que esses

Amores cotidianos das vidas

Certas e erradas

Nos conduzem a alguma coisa boa: felicidade? Amor? Deus?

Enfim, Deus e Belzebu moram no meu pinico!

Ass: Poeta frustrado, anarco-porra-louca e analista de passado nas horas vagas.

Ps: ao ler esse texto para minha mãe ela disse:

a) “isso vai queimar seu filme de professor”;

b) “o dia que isso for poesia eu sou um anjo”;

c) depois de muitas gargalhadas: “você devia é ter vergonha de ter um pinico”;

d) “se você colocar isso no blog eu não vou te considerar meu filho: eu tenho orgulho de você e não vergonha”

novos poemetos de ironia



[novos poemetos de ironia]


1.
todos os malditos são belos
quase nenhum belo
é maldito


2.
nenhuma frase de efeito
merece
um poema


3.
não sei escrever haicais.
um anjo caído
caga na estrada


4.
enchentes em tudo
que faço e canto
a natureza se vinga
mansamente


5.
1,3 bilhões de pessoas no Mundo
vivem em absoluta miséria
e não tem acesso à água potável


6.
quando tudo acabar
não haverá poleiros
para os falcões
pousarem


7.
desse jeito
não será mais preciso
pontuação
nem palavra maiúscula


TUDO está se tornando menor.

<>

1/06/2009

Depois de ler R W Emerson e observar os muros de Uberlândia

Cada homem é todos os homens &
Seriam minhas as mãos
Que construíram
Os muros de Uberlândia, como
A chuva, coberta de musgo
Ou o susto em cada cara encoberta.

É sua a falta de elegância
Da minha camisa furada
E em minha, bem como sua, solidão
Celebro a amizade que emergiria
Na hora precisa, no mesmo
Sopro em que te fuzilaria
Com o olhar de miséria dos cachorros de rua
(Onde tem cachorro tem lixo, e onde
Tem lixo tem ratos, como ensina a ecologia
Dos dejetos urbanos), eu pixaria
Estes muros que mãos
Como as minhas construíram
Em minha vida todas as vidas
Reduzida a uma, esta que lê frases como:

Derruba-se árvores, ou
Pilote suas próprias cabeças, ou
Conquiste este Império (de 2 ou 3 quartos), ou
Mais simplesmente observa
Dois olhos pintados no muro.