Ele me disse, vem aqui, vou te mostrar uma coisa interessante.
Um pássaro voa devagar, um pouco acima de nossas cabeças. O pássaro tem uma cara estranha, meio que de peixe, olhos opacos, boca em círculo, três fileiras de dentes muito finos, afiados, longos: de madeira envelhecida. Uma mariposa começa a seguir o pássaro. Asas negras de rímel, grandes, movendo-se levemente como se estivéssemos num oceano, ou pétalas. O corpo, meio inchado, parece que vai explodir. Dá pra ver as articulações que trabalham de modo desorganizado. As pernas não ficam paradas, movem-se desencontradamente à procura do chão, como se o bicho estivesse caindo.
Ela não sabe que voa?
Peraí! Não é isso: olha, é ela que vai atrás dele.
Num impulso, o pássaro expande a boca e engole a mariposa. Ele não demonstra voracidade, fome, qualquer sinal de violência. É calmo, impassível como uma fera marinha. Dá pra ver a mariposa se debatendo, por trás dos dentes trincados do predador. De repente, o pássaro abre a boca e a mariposa voa novamente. Intacta.
Ainda não acabou, ela vai atrás dele de novo.
E acontece. Ela não foge, não quer sobreviver? E ele, não está à procura de alimento? Por que esse estranho balé que não causa prazer aos bailarinos – e muito menos ao público? O pássaro, como se estivesse programado para isso, abre a boca novamente e engole a mariposa. Pode ser algum tipo de hipnose. Dá pra ver as asas negras entre os vãos dos dentes de madeira. Só que, mais uma vez, ele solta a mariposa. Mas agora ela está com as asas quebradas. Viva, porém mal consegue voar.
O segredo da sobrevivência está no gosto. Ela não foi feita para se camuflar. Mas, se defende com o sabor intragável dos seus humores, expelidos no primeiro contato com os dentes do predador.
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