9/17/2011

Uma aproximação ao poema de Creeley (Numbers)

Números, de Creeley


Um

Que condição singular
de florescimento
vertical…
vai por aqui,
vem por aqui.

*

quem eu era que
pensava ser
outro um por
si mesmo dividido ou somado
produz um

*

esta hora, este
lugar, este
um.

*

você não é
eu, eu não você.

*
me todos

*

como pau,
pedra, dada

coisa tão
fixada que tem

uma cabeça, caminha,
conversa, leva

uma vida.


Dois

Na primeira vez
em que foram feitos
toda terra deve
ter sido seus corpos
refletidos, num instante –
um fluxo de impressão
de que uma curva no tempo
voltava ao brilho da água –
a ternura em que vieram.

*

O que você quis
eu senti, ou senti que senti.
o que já é mais que um.

*

o estado da assim chamada
consciência é sempre
uma palavra perfazendo
este mundo de mais
ou menos do que é.

*
não me abandone.
me a me. um a um.

*

como se próximo
a mim outro alguém
se aproxima. Só

para fazer você
minha, na mente,
decifrar você.








Três


Eles, agora, mais
um entre dois –
seja de um lado seja
de outro. Será

que eles sabem quem é
quem, ou simplesmente vão
com este pivô de entremeio.
Aqui as formas têm potencial.

*

Quando isto ou
aquilo se torna
escolha, este estado

das coisas trespassa.
Aquilo que foi
agora acordado

alterna entre
dois e um,
me todos.

*

O primeiro
triângulo, de geometria,
de pessoas,

soou como
ocasião única, eu
acho – começa

aqui, intangível,
o círculo –
um nascimento.







Quatro


Este número vale
como conforto, fato
seguro. Qual

mesa firme
sobre quatro. O cão
confortavelmente caminha,

e dois a dois
não perfaz militares
mas amigos amáveis

mãos dadas. Quatro
é uma praça,
ou círculo pacífico,

celebrando o retorno,
o encontro,
o triunfo do amor.

*

A carta que traz
o quatro de copas
é signo de experiência
de vida. Que outro
sentido haveria.

*

Uma porta
quatro – todavia
quem entra.

*

Abstrato – sim, qual
dois e dois
dados, quatro dados –
um e três.




Cinco

Dois a
dois mais
outro agora

no meio
ou então do
lado.

*

De cada
um dos quatro
cantos trace

uma linha
indo ao ponto
oposto. Ali

na intersecção
faz-se o
cinco.

*

Quando mais novo este era
o número requerido
para contas, e para

imaginar um conjunto
útil. De algum jeito o extra-
-um – que é mais que quatro –

me assegurava que havia
o que bastava. Dois e três
um e quatro está completo.

*

Como desenhar estrelas.






Seis


Misturando-se
tais formas
entre
dois e três –

no sexto
dia findara
a criação –

íntegra –
ou que o sol
é pleno

no equador & parece
parar, depois
retornando...

ou que isto contém
o primeiro número
(2), e o primeiro excesso

do número (3), o primeiro sendo
o membro do macho, o último
muliebris pudenda...

Ou dois triângulos entrecruzados.
Sete


Somos sete, ressoa dentro
da cabeça como pesadelo de
responsabilidade – sete
dias na semana, sete
anos para a sarna
do envolvimento irreversível.

*

Olha
a
luz
desta
hora.

*
Eu nasci às sete
da matina e meu
pai tinha um monumento
de pedra, pedestal na
porta de entrada
do hospital de que ele era
o cabeça.

*
Às seis
às sete – a caneta
perdida, o papel:

embriaguez
de noite morta. Por que
a morte de algo tão

próximo a este
número é total.
Tudo não
passa de um
único número?
contar,
sempre e novamente.

*
Aqui jaz o número sete.


Oito

Dizer “oito” –
paciência.

Dois quatros
indicam o método.

*

Este número, nenhum outro,
demarca o ciclo –

intervalo de oito anos –
pois tal confluência

faz a lua cheia brilhar
no mais longo
ou mais curto
dia do ano.
*
A seca está quase no fim.
O mês é agosto –
este intervalo.
*
Ela tem
oito anos
segura o gatinho
e olha pra mim.
*
Onde você está.
A mesa.
A cadeira.
*
Traços luminosos demarcam o intervalo.
Oito faz o tempo passar em silêncio.
*
Não tem volta –
apesar da metade
ser quatro
e a metade,
dois.
*
Oct-
ago-
na-
l.

Nove

Aqui não
se repousa.
Agita-se,
reflete-se múltiplo
o três
vezes três.
Como espelho:
volta aqui,
ali estando.
*

Talvez na
ênfase implícita –
a mais que a mais que –

“tríade das tríades,”
“triplamente sagrado
e perfeito” – o que se

resolve –
na mutante
cadente destinação?
*

De certa forma, o jogo
em que algo se esconde
na casca da noz, uma

pedra ou moeda, e
a mão mais veloz
que os olhos –

como podem ser nove,
e não três
alternativas, a não ser

que sejam
três imaginações,
e são dois jogando –

o que dá seis, mas
o mundo é real,
mesmo em si.
*

Mais. Nove meses
da espera à descoberta
de vida ou morte –

outra vida - outra morte –
não a sua, não
a minha, como se vê.

*

A diminuição gra-
dativa da progressão
dos produtos que

me fez lembrar:
nove vezes dois é um-oito
nove vezes nove é oito-um –
de cada termo,

atrás, adiante,
então, o mesmo
número.

*

Que lei
ou
mistério

que ama
se
ocultar.

Zero

Onde está você – que
por não estar aqui
aqui está, mas aqui
por não estar aqui?

Não tem atalho pro real –
a mente,
qualquermente,
o perfaz. Você

passa os anos
nonada, nenhum
lugar que eu saiba tanto
quanto o ar

que aspiro, soprando a fumaça
pra fora da boca
também dá no nada,
e este é o destino.

*

Estudando sistemas primitivos
parece natural, desde o dez,
o retorno do um –
mas isto não é dez – saído
do nada, o um, retorna –
brasileiros têm um jeito meigo –
alguém já disse isso –
de “não fazer nada” – Que mais
devem, conseguem, fazer?

*

O que
por não ser
é – e não
por ser.

*
Apreciamos no queijo
Os vazios saborosos.

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