12/09/2011

Espelhos do tempo 3

11.
Dias e meses se desdobram como sensações. Dirigidas. Latas de cerveja jogadas no jardim.
12.
Amarrado na poltrona. Fátima Bernardes entra na sala, segura minha cabeça com força. Estica minha boca enfiando os dedos nos cantos e puxando, para que eu sorria. Prende o sorriso colando uma fita adesiva entre a boca e a nuca: minha pele repuxada garante a expressão de felicidade. Como a pele é minha, pode-se dizer que colaboro com a situação. Fátima Bernardes tem unhas muito afiadas e é impaciente. Na pressa e na irritação, arranha meu rosto. Um filete de sangue escorre, enquanto sorrio.
13.
Entro no elevador com meu vizinho. Ele me diz por que você fica por aí com essa cara de assustado? Existe alguma coisa de anormal acontecendo? Ele se olha no espelho pra ver se sua imagem está boa e abre um grande sorriso. Seus dentes são de lâmina de aço inoxidável e na hora em que ele sai do espelho deixa um grande vazio, somente comparável ao vazio de tudo o que existiu antes da vida, tudo o que acontecerá depois da morte e o imenso vazio da presença insubstancial do mundo neste preciso momento.
14.
Quando eu começava a ser jovem, numa daquelas férias de verão, subi a ladeira de terra batida, segurando a vontade de chorar. Também não queria chorar na casa dos meus parentes. Era madrugada (tantas estrelas, como as que não vemos em Brasília). Fui pra trás do muro de uma casa em construção e, sob o pretexto de mijar bêbado, deixei as lágrimas correrem soltas. Não todas – algumas guardei e com elas fabrico esse espelho que agora apresento a vocês.

3 comentários:

Mar Becker disse...

: 13 me dá vontade de correr até a completa dissolução dos pés;

taquicardia sempre. as coisas em suas beiradas, prestes a cair.

Mar Becker disse...

sério, este 13 me causa problemas FISICAMENTE. é um bater de braços contra as paredes (fofas).

Daniel F disse...

Oi Mar,

esse lance físico é mesmo o que procuro, apesar de saber que é difícil. mostrar pra quem lê que nada disso é inventado.