1/06/2012

Não sou nem quero ser poeta

Não sou e nem quero ser poeta. Não tenho facilidade com palavras e nem sei dizer coisas bonitas. Meu pai quando bebe, mesmo um pouco, já gagueja e quando eu era criança fui um dos únicos na sala de aula a não reconhecer meu nome escrito na cadeira que me tinham reservado. Também não sei inventar nada. Não sou criativo. As palavras não são como nos dá a entender o dicionário. Dicionário é pura meia verdade. O que mantém as palavras ativas é a força empregada na sua criação e na sua condução – por homens feitos às pressas, inúmeros, a perder de vista no fundo do tempo e além. Palavras são destino. No sentido de caminho. No sentido de ponto de chegada. No sentido de maldição. Você nasce num mundo em que há mais palavras no ar do que oxigênio, mais do que microorganismos hostis. As palavras não pedem licença: vão entrando e substituem o puro vazio da sua mente, a força sem destino que é seu íntimo, por uma superfície que lembra uma forma, parece uma coerência, faz pensar numa figura. Meias verdades. Ai de quem acreditar mais nas palavras que na vida – e sei bem em que paradoxo estou me metendo, afinal de contas vida é apenas mais uma palavra. Palavras são fortes, em conjunto, embora ínfimas quando isoladas, frágeis como vírus. Meias formas de vida. Elas corroem, espicaçam, alfinetam, ferem, fazem você dizer bobagens e fingir acreditar em si – quando é nelas que você acredita. Palavras inoculam certezas e outras variantes menos nítidas de veneno. Essa luta ínfima e cotidiana contra elas é o que chamo de espiritualidade. Não sou nem quero ser poeta: tudo o que sei é que quando escrevo fico menos ansioso – por algumas horas.

Um comentário:

Aldemar Norek disse...

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