8/05/2013

Noites Brancas

1.       
O fim continua após o corte
no se consumir paradoxal da energia que se alimenta
depois da última cena

(Um girassol plantado na lua
na lapela do homem que se retira sozinho
dentro da cena ou fora, na sala de cinema):


                        2.
A neve segue seu serviço
de compor um cenário para a sensação
interminável quando a luz se acende
e o filme enquadra o sonho
ou a vida, trancada em aquário de luz
para consumo e alívio do tédio –
                       

                        3.
Dia e noite se misturam
                        no homem e no personagem
modulando-se por tempos a fio
quando sai do cinema para entrar na cidade
real, no choque da realidade:

Variações do mesmo, apenas
e as pétalas estão mortas
vivas, pulsando, roubando-lhe ar,
são dentes muito finos sugando o coração,
estão mortas, vivas, cantam,
ondulam-se espumas de um mar amável,
são asas, bilhetes, alimentam, consomem,
dão coragem e medo da vida: tudo isso

Um girassol plantado na lua
na lapela de um homem que se vê
no cinema
                        na brancura da noite, em meio à vida social 
                        e sente um calor impreciso
                        fugindo da lapela inexistente.
.

                        4.
                        Quando o filme acaba
                        e você tem que voltar para casa
                        e depois do desfecho
                        o fim prossegue por horas, dias
                        toda uma vida cultivando o interminável
girassol lunar – e a flor está enraizada
no coração

e seu coração, portanto, é de pedra
da lua, com sua parte iluminada, diurna
e uma noite que não termina.

E você segue seu caminho
                        sem destino
                        com um girassol colido numa ponte
                        toda branca
cravada na lembrança.


5.
E o desejo podado de dormir por 6 meses
acordar sem esse girassol na lapela

- mas ele é tão esdrúxulo
quantos não gostariam de ter
um girassol lunar na lapela?

- este girassol lunar
me faz leproso, inimigo da ordem pública
quero ser sensato, saber medir a ficção
entrar e sair do cinema
como um cidadão qualquer.

- mas o girassol está enraizado
em seu coração, como arrancá-lo?

- este girassol lunar
me impede de dizer bom dia, boa noite
como vai, como está, tudo bem,
quais são as novidades, que tempo seco,
frio, que dia quente, você viu que choveu,
o que você vai fazer hoje,
dá uma olhada na fotografia,
mande notícias, depois a gente se fala
tudo o que todos podem dizer
mas não eu
quanto tempo, por onde andou,
vamos ao cinema,
você já viu o filme chamado noites brancas?

- este girassol lunar
que brota da lapela inexistente
enraizado em seu coração
sugando seu sangue até a expressão da brancura
é uma antena voltada para as mais imperceptíveis
forças cósmicas
sem ele como você falaria com flores e planetas?


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