Deito-me na grama e meu corpo se enraíza na terra,
puxado para dentro do lodo, sangue e carne misturam-se à seiva e ao verde
vegetal e disso brota uma nova árvore, uma espécie impossível mas real repleta
de inúmeras flores com pétalas variadas, desconexas – como ruínas dos manuais
de botânica. Essas flores pendem dos seus galhos e brilham noturnamente – vista
à distância essa árvore parece conter em si uma forma incoerente de planetário,
um tipo nascente de harmonia para um cosmos que não está no passado e sim no
futuro. Ela transpira um silêncio tranquilizador e uma ilusão de algo que
adormece: muitos animais vêm repousar à sua sombra. De suas folhas e raízes se
produzem chás calmantes e alucinógenos. Mas, com meu corpo fertilizando no
lodo, essa árvore dói, suas raízes se agarram ao meu peito e não consigo me
acomodar e perco o sono. As garras se espalham em meus pulmões e são agulhas e
quase não consigo respirar. Se me movimento, a pele é rasgada: tenho o corpo
mais riscado do que um mapa antigo e todo rasurado. Não sei como será quando
essa árvore começar a dar frutos e eles caírem no solo: arderão como ácido,
corroendo mais a minha pele? Ou aliviarão, como mãos que afagam, essa tarefa
que não escolhi e para a qual não fui preparado?
Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
9/30/2013
9/22/2013
Perpetuamente encoberto por nuvens corrosivas e densas:
a dor e a luta criadora enviam sinais para captar em troca alguma ressonância
que aplaque nossa condição ínfima: já que a proximidade do sol interdita a
visão direta: o chão cavernoso de Vênus: o universo é um palácio de vozes
desejantes:
espelhos em forma de conchas capturando ecos obscuros de
nossa condição: sacerdotes bendizem, exorcizam, dizem que curiosidade é pecado:
que os ecos denotam um serpentário e que a febre vem de veneno e não do perfume:
ainda assim nós caímos, indefinidamente – curtindo a sedução de uma língua onde
palavras sempre estão por nascer: e colhemos os frutos impossíveis que brotam
daquele solo inóspito e nos tornamos a carne daquele solo: só lamentamos que
não sejamos mais fortes para provar toda sua força corrosiva e renascer,
perpetuamente:
que vontade louca e muito humana de se mandar dessa
terra sem graça, com leis e com reis.
9/14/2013
A clivagem é
real: de um lado, o cotidiano, de outro você que tá vendo é quem me diz. Desde
o começo, os observadores viram os cometas com sinal de mau agouro, porque eles
simplesmente atravessam a geometria desejada por testemunho da racionalidade do
mundo, como arranhões na consciência de deus. Só que é o seguinte: quando eu
enlouquecer não será como essa situação patética de pessoas tentando se agarrar
a qualquer pedaço de realidade, como se despencassem de um barranco e
misturassem terra e sangue em suas unhas, despertando piedade de quem está
acima, aparentemente seguro no chão. Não: vai ser de uma vez: não interessa
mais se as portas estão abertas ou trancadas, não interessa mais saber se você
foi rude com a vida ou a vida foi rude em você: se o mundo desmorona à sua
volta, você deve desmoronar mais profundamente, até romper o chão e abrir uma
cratera, se as pessoas enlouquecem, você deve procurar a loucura mais
definitiva que faça, da loucura alheia, prova de sanidade, é deixar que as
pedras que guardam estilhaços de sentimentos sejam polidas na água fria de um
fluxo qualquer no éter cósmico até se tornarem pontiagudas e perigosas, que
todos se mordam e arranquem pedaços de carne com seus dentes de granito, você
deve assumir a sua condição e o seu destino acéfalo e chutar a parede até que
as bocas que vomitam pequenas ofensas sangrem nos seus pés, você deve ser o
primeiro a reconhecer que todos os muros gravitacionais são indestrutíveis e se
afundar em gestos tão irrisórios de doido que bate a cabeça e que as manchas de
sangue não transmitam qualquer mensagem, isso se ainda te resta alguma
dignidade.
9/09/2013
9/04/2013
Alguns espelhos do tempo
O
campo de visão se fecha, mas não no sentido habitual de quando fechamos os
olhos, de cima para baixo e de baixo para cima, mas lateralmente. Os olhos são
ampulhetas que funcionam numa lógica não gravitacional, a areia, a passagem do
tempo, corre dos lados para o centro. A poeira vai além, chega até a mente e
onde o corpo faz conexões com a alma. Apago-me. Não sei ao certo se ainda
enxergo qualquer coisa quando começo a cair. Acordo com o queixo aberto, dentes
molares arrebentados. Que despertador foi esse que usaram para me acordar, uma
porrada como se estourassem bumbos por dentro do cérebro: é minha cabeça
batendo no chão.
Caio
em mim como alguém que cai em si.
*
No dia em que Napoleão nasceu eu acordei com uma
pequena dose de mau humor. A luz atravessava Brasília como uma névoa
translúcida – um clima de sonho. Eu era perseguido, em cada fantasma
havia um coração alheio que era meu também e estranhos pulsavam em meu coração.
Alguém planejava um atentado terrorista contra a biblioteca da universidade
enquanto um jornalista ensinava como se precaver contra a meningite: poder é
perversão de senadores dendrofílicos. Nunca me esquecerei desse dia em que
Napoleão nasceu, acontece sempre, sempre retorna – era uma terça-feira. O
calendário às vezes me deixa doido da vida.
Se Napoleão Bonaparte era um louco que acreditava ser Napoleão
Bonaparte, eu é um poeta que acredita ser um louco desejando ser um poeta louco
à deriva pelo calendário enquanto se escreve isso, numa terça-feira, dia de
nascimento do Napoleão Bonaparte na sua loucura, leitor.
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