Stratford-upon-Avon, Nishapur,
Lisboa, Itabira, Buenos Aires, São Paulo,
Málaga, Nova York, Salvador, Pasárgada,
Recife, Rio de Janeiro, ...
E eu aqui nesta cidade-fantasma.
Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
Por via das dúvidas
Não duvide:
eleS querem te derrubar.
Os cemitérios ecléticos
Estão com os dias contados.
O anjo, boca entupida de musgo,
Implorando aos céus
Que não joguem pesados granizos
De pé sobre o globo de bronze
Acima da máquina calculadora
De um curvado Poseidon
Tudo isso sobre o renome
Do glorificado paulistano
Bisneto de mata-goytacases
Tudo isso cairá por terra
E quem exige é ninguém
Menos que a cidade.
(A bomba depositada
Na biblioteca central
Jogou a entomologia na prateleira
Dos manuais de política
E a genética tomou o número 2
Das velhas religiões)
Ou seja não vacile
eleS querem te espremer
Como um limão.
Não esteja por inteiro
Em qualquer lugar
Nem mesmo em seu nome
Dito próprio
Também evite ficar nos apelidos
“O anônimo das ruas”
Na voz de Cid Moreira
É outro nome, pois não
Invente um plano de fuga:
A ferrugem dos dentes.
2. Trace uma elipse, elida-se
No bate-papo cotidiano.
3. Mergulhe no andarilho que circula
Entre os vãos do apartamento
4.(Ângulos retos acumulam energia negativa?
Então vá lá colher suas armas)
5. Leia-se como quem sorteia
Palavras recortadas de um jornal.
6. Não espere a vingança dos leões.
Ela gosta de falar do noivo dela e não percebe que minha cabeça funciona melhor sem a luz. Um bando de anjos Aracnos brilhando dentro com o fio de suas espadas, ardendo, e não é o vento que arranha a janela quando ela não consegue dormir, são as patinhas finas e aguçadas dos anjinhos sacanas.
Mas ela vira e mexe fala do noivo dela, em assuntos mal pretigiados como a indicação de um número circular de livros na biblioteca por exemplo. Ela não percebe, nas horas mais loucas ela fala do noivo dela como se fosse um carrapato preso em sua língua e ela para piorar usa aparelhos que se salientam quando ela ri do fundo do cristal que ela assim: ela está sentada e não vê entre ela e eu os búfalos e a poeira vermelha ao seu redor e fica rindo e falando do noivo como se isso fosse natural, como se as conversas fossem todas naturais, como se não fosse suficiente ela saber que o noivo dela é um arame entre ela e o mundo, o marco da realidade que impede que ela se perca no mar abrasivo de nossas palavras, como se um bando de clichês não gritassem seu nome em minha cabeça.
Apesar disso, sei que não fosse a Cabra Velha e suas frases encomendadas a roteiristas de desastres aéreos, não fosse a Cabra Velha parida não sei onde e seu par de espadas negras girando (Cabra Velha kantiana: “se a carrocinha pergunta a você onde se escondeu o pobre cachorrinho seu dever é dizer a verdade”) não fosse a Cabra Velha e sua agenda de versinhos para cada dia da semana, a outra teria coragem de virar a janela ao avesso e traduzir para mim os anjos em código morse.
Mas o eu, o me e o mim, ela e o carrapato apenas dirão bom dia Cabra Velha, ainda bem que o feriado está chegando
Catava pedaços de madeira na rua, no que sobrou do cerrado. Aqui o céu nunca é o mesmo. Talhava no apartamento sem luz elétrica flechas, curvas e cabeças. Inventava nomes para os novos objetos (inéditos para mãos humanas e para a voz divina):
Calibina por exemplo, ou Dettera por outro lado.
Em seus planos (pequenos mercadores riam no canto da boca) compraria um carro, arrumaria o carro passaria para frente, compraria outro carro arrumaria o outro carro passaria para frente, e assim por diante até conseguir um super-carro que venderia e pagaria a conta de luz (ou então um trailer de cachorro quente, dois, três, quatro, cinco na maionese economizada. Depois venderia tudo e investiria no ateliê, nos bonecos de madeira). Idem com a kitchnet que alugava e assim por diante: tudo planos, perspectivas, tudo o que falta aos mercadores de fato.
Enquanto isso (quer dizer, enquanto seus planos de capitalização goravam) derrubava a parede do apartamento, refazia a parede até a metade, arrancava o piso, pintava o chão, procurava madeira na rua e esculpia. A madeira tem um jeito diferente de guardar o calor do corpo, como um apartamento sem luz elétrica.
Ganharam na rua portando maconha (o indivíduo) carregava uma trouxinha além da conta. Tudo seria diferente se praticasse esporte, se entendesse de informática não seria este parasita social. Seu delegado tem pena da mãe e do pai depois de ter obrigado o escultor a cantar o Hino Nacional no camburão, a família até que é boa gente, o advogado precisa de um palco por isso repete a palavra culpado, o juiz sentencia com a máquina de costura.
Inquirido no tribunal se era consumo, não (ia dividir com amigos):
Três anos de luz elétrica e a palavra Utilidade na Cadeia.
Babe, me fotografe.
;
Inaugure nosso caso
imagético
e pictográfico.
;
Reinvente nosso sexo em gravuras.
(cheias de ossos)
;
;
Queime nosso filme devagar.
;
Reproduza nossa imagem pelas plagas
de Andy
&Basquiat.
“Tempo é criança que chora
quando quebram a regra do jogo
e logo depois se esquece.”
Heráclito de Éfeso
Tempo é jogo, ritmo
de flores indo e vindo
vozes na varanda
latas de cerveja sobre a mesa
(tempo é outro dia
outras latas
vazias entre as flores frias
e o cachorro, de salvo-conduto
vinha
vinha e caía –
tristes flores de Campinas).
Ou então, noutro lugar
os últimos bêbados
limpam mesas e cadeiras
com os garçons, cansados –
poesia social, merda de salário
solidariedade de bêbado
revolução de boteco
também sou verde por dentro.
(Bar fechado, mesa vazia, varanda -
Ninguém.) Agora
segundo o manual de instruções
acenda uma espiral
no círculo riscado em cinza
sobre a prateleira de alumínio branco
e florescerá a garrafa de vinho
com a gérbera amarela
à frente de um livro
Fragmentos do discurso amoroso neste momento de onde ela está, a cidade mais próxima a 18 horas de barco. Incomunicável. E putz naquele dia ela acendeu o cigarro debaixo do Ipê Amarelo, vocês não vão entender.)
Ou quem sabe ainda
sob o sol inclemente
à procura de cola de sapateiro
ou carona o que pintasse primeiro
tudo pra vencer o dia
vomitando versos
sobre as putas de Brasília
no sopão de 24 horas
ou talvez na praia suja
dois bêbados juram
que o saxofone do é o tchan
é o calabouço da cultura brasileira.
E hoje na varanda (dessa vez no décimo primeiro andar) você olha a Matrona de óculos escuros que olha o mendigo que olha a bolsa e uma citação a mais e o abismo olha dentro de você e hoje na varanda você debate com OitoOlhos s.a., o cara é pós-moderno e não sabe, na hora de rezar escolha o Salmo 32 não faça como o cavalo e o jumento que não conhecem freio e rédeas o texto saiu truncado (será boicote?), por uma nova etiologia (o texto saiu, truncado será boicote?): narcisismo sem ego.
Mas não, o calabouço
era apenas a sala de espera e
as vozes, as latas, os livros e as flores
sumiram de vista.
Você anda pela casa
como um caçador à procura de rastros e
o tempo diz: o rastro é você &
você nem tem dicção própria
pra reclamar.
Se a saudade deixasse e as luzes
efêmeras desbotassem,
poderíamos ver a linha lilás que corta nossas carnes
até o osso.
É esse sangue - que escorre -
aquilo que chamo de
Nosso Amor:
rastro fino, quente e torto,
mas doce.
1
Boca de clepsidra
Na garganta
Um clima de brasília.
No sinal de trânsito
malabaristas e a chuva
que não vai cair
março chuvoso:
dois carros esmagados
pelo velho abacateiro
nuvens baixas
sobre o edifício espelhado
pessoas ao trabalho:
um arco-íris e seu duplo.
1. Campinas
sol e chuva.
parecem fantasmas
as meninas de campinas
5
No mini-zôo
crianças correm felizes
como guizos.
O leão agoniza:
Um poeta novecentista.
6
pássaro azul
pedra de gelo dançando
no copo:
pequenas utopias
coloridas
para um dia frio.
No aroma de flores químicas
bonecos dançam, parados.
Elas parecem flutuar
na escada rolante:
as duas amigas, sempre
comprando vestidos aos pares
idênticos
seguindo o velho ditado
“Nem tudo o que é caro presta
mas tudo o que presta é caro”.
derrubado
(amarelo glitter
no piso por si só muito brilho)
planejam a ação noturna
que abalará a moral da família campineira.
O marido de uma delas –
a mais velha -
uma hora dessas fumando charuto
na Hípica
morrerá nesta mesma noite
(incisivo perfuro-cortante
no coração
do Correio Popular).
No bar Doce Pastel, ao som de Hepatite C voz e violão, você presta atenção no arrazoado do vereador ex-comunista.
“Os coelhos simbolizam a fertilidade porque trepam muito e rápido como o campo de pouso para ETs que plantamos no centro do progresso esta cidade encravada na cana-de-açúcar que suga a terra numa velocidade incrível e suga as pessoas e o imposto municipal, vejam bem concidadãos a cana é o coelho do reino vegetal e impera sobre o mundo como o americano médio comedor de batatas-fritas, mas todo este sol nada seria sem o amparo das tradições que não tocam, não chegam à soleira daquele hotel cinza no meio do mato nos olhos de quem vive lá como se fosse a lama dos séculos. Um hospício? Seus olhos inquerem mas não meus caros: um Puteiro isto sim senhoras e senhores, prestem atenção naquele homem de idade avançada que para lá se dirige, ele não perdeu a verve tudo está transparente em seus olhos, por isso concidadãos, saboreando esta pizza a palito, sempre digo que não, os olhos não são do conhecimento como um dia sonhou aquele idiota, aquele de vista curta, foi a cana-de-açúcar que fez a Nação progredir, agora aqui neste lugar o tempo deu uma curva medida nos anéis da cana, ora a cana-de-açúcar é cega. É do Aleph que estou falando meus caros, mas um Aleph punheteiro é isso o que os argentinos não dizem, os safados, foi o desejo do homem de idade avançada que explodiu a harmonia da família na mesma velocidade com que seu esperma ralo se espalhou pela cidade e engravidou todas as putas do hotel abandonado, sim concidadãos e também desvirginou as moças de família, sim meus caros e o chuvisco esbranquiçado também caiu na terra e fecundou a Mãe de todos nós com este rio Tietê de cana-de-açúcar sem fim, proponho e isto não é efeito da cachaça, proponho que todos os nossos rebanhos sejam substituídos por coelhos imediatamente, eu trouxe minha foice e vocês?”
Tudo isto tem um clima muito específico quando você se lembra no ônibus a caminho de casa. Se Marlon Brando fosse o motorista, na próxima parada a conversa seria sobre Hollywood. Você pensa numa lista de pessoas que mandaria para o Sol, onde elas poderiam enfim derreter (o capitão George Grey, o vereador do Triângulo do Sol, José Genoíno, Padre Marcelo, Armando Nogueira, Tony Ramos, As Idéias Fora do Lugar etc). Mas não se sinta culpado por mais este sinal de ressentimento, a sobra da produção de cachaça é muito tóxica e foi responsável por esta variante mórbida de embriaguez.
“Os mais miseráveis, estagnados: o sentimento de insuficiência disfarçado no apego à paixão por si mesmo. Verdadeiros fósseis para a nossa curiosidade
geológica (nietzschean egoarchy). Proporcionalmente: a distância evolutiva entre eles (aborigines) e um macaco superior é menor do que a distância que os separa de Shakespeare, Goethe, enfim, os grandes gênios da literatura.”
“Como no caso daquele velho, o único do lugar que podia tocar os doentes, propor-lhes a cura. Vivia se arrastando pelos cantos, comendo os restos que a comunidade largava (junkie food), os olhões atrás da moita. Uma figura deplorável, usando um desbotado manto púrpura. Aquele olhar de cachorro chutado faria tremerem os alicerces da civilização (how do I know if my civilization is declining?).”
“Mas quando uma baleia encalhava nestas praias que o demônio esqueceu, era para todos um presente dos céus (godsend). Lambuzavam-se na gordura, abriam a carne do cetáceo com as unhas, usavam a pele rosada do bicho como escorregador (playground). Comiam a carne e as vísceras por vários dias, não os incomodando o estado de putrefação daquela intragável ambrosia.”
“O espetáculo mais repelente que já se viu desde que o homem deu o grande salto - quando cheguei por aqui a cara deles era como a dos trapezistas que escorregam sem rede de proteção (eyes fixed on me): o abuso daquela comida nojenta causava peidos e diarréias incontroláveis, mas eles não se envergonhavam de se atracarem em rixas mesmo que suas peles estivessem repletas de feridas causadas por ensolação e intoxicação alimentar.”
O ônibus passa cagando asfalto quente direto nas suas narinas e você fica ali parado, braço estendido e mão espalmada hei!, melancólico como um sinal de trânsito amarelo amarelo amarelo às seis da manhã.
As matronas do Cambuí passam (são as mais perigosas, as de grandes óculos escuros e cabelo de ninho de Águia) e você escuta, elas dizem que alguém (outro) é muito humano. Questão de intensidade, apenas. Você sabe ser no máximo apenas humano, e isso te dá uma sensação reconfortante de autopiedade.
Mas não vai sair tão barato assim. É o desejo de descer ou o fato de uma delas ter posto os óculos na testa enquanto te observava de cima para baixo, mas você sabe estar um degrau abaixo, no limite do quase humano. Se não, como explicar esta coroa de papelão sobre sua cabeça? Como explicar este sangue em seus caninos? Este desejo incontrolável de mijar nos postes quando cai a madrugada? E aquele trauma, quando te deram carne vermelha com o fio elétrico dentro para você morder e conhecer os seus limites?
Mas isso ainda é pouco. As matronas têm extrapoderes quando contorcem os lábios em sinal de desaprovação. Você é muito pouco humano, quase nada. Em sua recém adquirida desumanidade você foi posto num prato da balança. No outro, peças de madeira onde se lê “Bem, Virtude e Justiça” foram tão rapidamente para baixo que você foi lançado ao céu, ficou zanzando como a estrela inútil observada com desgosto pelo poeta Mário Torres Vianna.
Então por que não descer um pouco mais, de uma vez por todas? Você caiu direto no asfalto e o calor tem seu apelo. De humano o que lhe resta é o poder de negação. Convertido em coisa inumana você solta vapor pela crosta cinza e entra diretinho nas narinas das Matronas.
Daí em diante você ajeita os grandes óculos escuros quando vê um cão sarnento no ponto de ônibus. É uma vontade louca de falar, que saudade dos tempos da carrocinha! O celular toca, o filhote gastou novamente a mesada num final de semana. Você e sua querida amiga olham com raiva para a sorveteria.