9/05/2007

Lirismo em terceira pessoa (De Holderlin a Diotima)

O vulto
No quarto escuro
Procura-se no espelho
E não se enxerga

(Amor é sombra cega)


*

Alguém soube um segredo

Sabe que soube um segredo

Acredita saber que soube
Um segredo

Almeja acreditar saber
Que um dia soube
Um segredo.

*

Como a palavra
Mortaviva
Na ponta da língua.

(O amor que se perdeu)


*

Um lírio
Que da noite pra o dia
Ficou azul.

6 comentários:

Aldemar Norek disse...

.....um jogo de espelhos e a ineficácia da linguagem(ou do lirismo?)....

Daniel F disse...

Oi Aldemar,

eu acho que o ponto de partida do lirismo é a ineficácia da linguagem.

e 1 PS: adoro dizer "eu acho".

Abraço!

Aldemar Norek disse...

bem, aí a gente tinha que definir melhor o que seria exatamente (ou perto disto)uma EFICÁCIA da linguagem, não? O que vc diz?

Se chamarmos de eficácia o tal "produzir o efeito desejado", a gente não teria uma divergência de focos entre o lirismo e a linguagem?

não sei não. Tem a voz corrente, a doutrina aceite, e estas coisas às vezes recendem a pouca reflexão e coerção de grupo, não?

abração

ps. adoro colocar um "não?" jogando a peteca pra lá no final, não? rs

Aldemar Norek disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel F disse...

Não acho não, Aldemar. Uma doutrina sempre é uma doutrina, coisa pra criar uniformidade. Outra coisa é uma tradição de pensamento, plural e ligada à prática da criação poética, que não podemos simplesmente descartar.

Entendo ineficácia no sentido de que a linguagem é limitada, não temos à nossa disposição infinitas possibilidades de criação de sentido (talvez não por nada inerente à linguagem, mas pelas necessidades estabelecidas nas relações sociais e de poder - pra comunicação mais pragmática, os códigos são necessários, e os códigos nada mais são do que limitadores de sentido).

Embora na autoimagem da humanidade como possuidora da linguagem (geralmente nos lembramos mais daquela cena de Adão soberano dando nome aos bois do que do castigo de Babel), venha junto a pretensão arrogante da onipotência. "é só querer", "otimismo que se lê" etc.

Isso já aconteceu comigo: idiotamente tentei conseguir fazer a Luciana se apaixonar por mim, dando poesias, nos idos do passado na Bahia. O resultado foi um pé na bunda antilírico à beira mar. Mas por outro lado, percebi que quando o clima já rola, e depois do "fato consumado", a poesia intensifica o amor. Mas não é a poesia propriamente, é o discurso amoroso mesmo. Digo isso porque me lembrei agora do belo livro de Barthes, não tenho o menor problema de ter aprendido coisas com livros, pra mim ler um livro é uma forma de conversa. Melhor conversar com Barthes do que com Sílvio Santos, já que ninguém aprende nada sozinho, é ou não é?

Continuando.
Não estou pensando eficácia somente em termos de relação com a vida, mas de produção de sentido. Nesta segunda questão, a relação do lirismo com a vida, acho que todas as formas poéticas são continuações da vida por outros meios. Mas não continuações no sentido instrumental da utilidade, que seria pra mim "eficácia" nesse segundo patamar da discussão. Ou seja: o lirismo não é um instrumento para conseguir alguma coisa, no mesmo sentido que a pessoa amada não é um instrumento para se conseguir outra coisa, ou que a infância perdida não é um instrumento para conseguir outra coisa.

E pra encerrar:
Acho que o romantismo tem muita coisa boa, e muitas vertentes de pensamento da modernidade e da pós devem muito aos romanticos, embora tenham uma certa dificuldade em reconhecer. O fetiche com o novo, aliás, é mesmo o pior traço do romantismo...

E por aí vai.


Abraço,

Daniel.

Aldemar Norek disse...

Daniel,
acho que a relação com a linguagem é sempre tensa. E o problema é traduzir esta tensão em um poema.
Sim, a linguagem é limitada, mas é o código à disposição, e com ele já se fizeram coisas como os sonetos de Camões, os poemas de Drummond, os de Cabral, poemas concretos, etc, etc. Mesmo um Celan, em sua negação da língua (negociação?) acabou usando os códigos, mesmo que tentando o vilipêndio e o aviltamento da língua em que escrevia.

Daí a um efeito prático, instrumentaliado da poesia/de um poema vai uma distância longa e pedregosa. Um poema seria um lugar de encontro entre quem escreve e quem lê, no exato instante em que lê (porque num outro instante já não é o mesmo e a leitura pode ser diferente, nova). Isso coloca como pré-requisito a adesão de quem lê (ou a tensão de uma recusa que não represente afastamento...). No fundo, pra mim (e mudando, talvez, em alguns graus o rumo deste papo..) um poema representa uma falha que vai se encaixar com outra falha (a de quem lê), como um puzzle. Aí, é isso, o poema se abre e se fecha em si, ou em si-no-outro, na ponte. Sem razão instrumental, só salto.

Quanto ao fetiche com o novo, bem, estamos cercados todo o tempo por românticos, muito românticos.

abração