a véspera do fim já pulsa em outro calendário
futuro e postergado,
e o sol que cruza o céu desse futuro
arde na carne e acentua
o seu zinabre
este dia de sal e de fuligem
tem os pés em outro espanto, outra
véspera,
na insônia que vestiu a madrugada
e a prata de seu som
incendiou o que era só, a flor,
flor desbotada, o riso na sacada
não revelou o que lhe ornava e o que
lhe precedia
e o que lhe precedia lhe negava, a voz
de um outro dia, antes,
repetido, a véspera,
conseqüência de nãos e de auroras,
de procurar a fonte em terra seca
este deserto foi o que seguiu
a uma outra dor
na face anterior da via estreita,
folha arrancada a frio na espiral
onde o futuro ardia
e incinerava
a semente do deserto era vazia
e foi lançada ao chão despedaçada
no dia anterior,
e seu adubo é a página extraída
e o erro, o erro de nascer e de arriscar
uns passos tão precários
e um desejo
e esta manhã, esta pulsão
de carne e de desejo, esta agonia,
foi subtraída à flor de um outro dia
ainda prévio e sem pacto
com a esperança
mas sua raiz, o caule
que o vento dobra, o frio
efêmero, era só aspiração da terra
de alcançar a flor
que levitava
o caule era produto de outras horas, anteriores,
mais outra véspera
e sua secura nunca vi de onde vinha,
que cais de pedra em vínculos com a noite
ansiava por naus de ar que não tornariam
o oceano, o sal, a tempestade,
a baixa da maré, o casco de corais, ventos contrários,
e velas enfunadas,e cordame,
atravessaram a alba, sua parede,
a luz noturna ou
sua ausência, o crepúsculo, a tarde, o meio-dia
e outra manhã
até chegar às âncoras de agora
e ao extravio aqui nesta manhã, hora absurda,
superfície, agora, e o que sobrar
é subsolo, água abissal, desterro,
espelho de silêncio,
vão, degelo.
2005