Ele, não me lembro de seu rosto ou outros sinais característicos, mergulhava no alto mar. Tudo leva a crer que era o mar quente da Bahia. Mas isso vinha mais da impressão causada pelo verde quase marrom, não era possível sentir a temperatura da água. Em seu jeito de olhar, ou na maneira como nadava, ou melhor, boiava, nada transmitia a sensação de desespero que por ali flutuava, meio ausente. Ausente, apesar de ele estar preso numa daquelas gaiolas que mergulhadores usam pra se verem livres
dos tubarões.
Ele estava lá na terceira pessoa. Vi tranqüilo, mas perplexo depois de acordado ao me lembrar de minha ausência neste sonho que, junto com o mergulhador normopata, dentro da gaiola, boiava um cadáver carcomido pela água salgada. O rosto do cadáver era marcante, tipo filme de terror B: dois buracos no lugar dos olhos, mas buracos que enxergavam, afinal de contas você sente quando está sendo observado; os dentes amarelos se destacavam na boca azulada.
3 comentários:
Daniel, gostei bastante deste poema, esta indeterminação da voz, ou do sujeito - o lance onírico mesmo - e o final ainda no clima do sonho.
Não sei da intenção (e ela nem importa tanto) mas a leitura que fiz foi essa.
abração
Oi Aldemar,
é isso mesmo. pra dizer a verdade, também não sei a intenção desse poema. o que me impressionou foi mesmo um sonho que tive, e que parecia que eu não estava lá. como se eu estivesse assistindo, mas sem um lugar. um tipo de desapego, despersonalização: mas com todos os ingredientes pra ser um pesadelo.
bem, entre isso e a poesia, só se esse lance tiver a ver com uma experiencia mais comum, que a gente tenha quando está acordado. Se não, é só um tipo de diário mesmo.
Abraço,
Daniel.
também acho, mas sem querer (ou querendo) você tocou num nervo das poéticas modernista e pós-moderna (com licença da má palavra...): a despersonalização. Tenho a impressão que este ponto é em geral mal interpretado e o fato dele ser visto como uma "obrigação" da poesia ou do poeta é no mínimo um limite estreito, um postulado, e poesia não se combina com postulados.
Isso se complica mais ainda porque a literatura e a poesia se tornaram auto-referentes e toda voz que quer surgir (em princípio) sente um ímpeto de quebrar a voz corrente. Daí a despersonalização antida do classicismo foi quebrada pelo Romantismo e voltou no Parnasianismo (tudo isso é esquemático demais, claro, não é tão simples ou linear) e por aí vai....
Este seu sonho/poema ou poema/sonho parece bem emblemático desta dubiedade da voz hoje: quer ser impessoal, objetiva, e não quer - deseja o rasgo, o local, o particular e pessoal (vide os 'diários' fictícios da Ana C. e as suas cartas -reais- que são pura literatura). Aí a gente fica condenado entre o macro e o micro, entre a vida e a literatura.
Você não acha?
abração.
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