2/05/2011

Pequeno Dicionário das Aproximações

Vida (s.f.)
Sucessão de acontecimentos em sua maior parte desagradáveis – vez por outra alguma ilusão fortuita pega você pela mão, mas fique atento: de fato, cedo ou tarde, tudo se converterá em fumaça, e esta possui como efeito colateral alguma sensação de asfixia, em maior ou menor grau, conforme o porte da ilusão que a constituiu. Se você for portador de uma sensibilidade mais ou menos refinada, irá se sentir dentro de um filme de humor de péssimo gosto, em que todos – atores, diretor, equipe técnica e espectadores – têm motivos para rir, menos você. A má notícia é que tal sensação pode lhe acompanhar durante toda a sua vida. A boa é que o filme acaba junto com sua vida. Há uma outra má notícia (o que não é novidade): o filme termina, mas alguns críticos continuarão falando de seu desempenho na fita – e em sua maioria falarão mal, principalmente porque você não estará mais aí pra se defender. Um poeta alemão metido a entender disso que chamam por alma humana (apesar desta expressão representar uma evidente contradição de termos), muito influenciado pelos antigos gregos e por Shakespeare, disse que é impossível suportar a vida sem duas ou três doses de algum tipo de anestesia. Imagino que ele se referia ao álcool, mas podemos incluir outros estupefacientes, como a corrupção, o ópio, o sexo, a comida, a exploração do trabalho alheio, a TV, a maior parte do que se produz sob o nome de arte, etc. Tudo bem, caso você seja um sujeito de sorte poderá deparar-se com duas ou três flores verdadeiras em meio a este deserto. Flores não vivem no deserto – dedique sua vida a protegê-las, mesmo que o diretor da fita diga que seu papel não tem nada a ver com isso.

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