Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
6/07/2011
Minha namorada inventou uma tesoura de abrir veias, palavras escorrendo como sangria desatada, o fluxo, porque sangue parado é veneno, veneno de palavras que vão cavando fundo seus lugares, suas cicatrizes-sentimentos, porque alma é corpo, corpo de sangue e palavras, na alma calada por espinhospalavras o corpo se fecha, um labirinto de arame farpado fechado sobre si mesmo, cuja saída, ilusória, é o centro, o centro onde estão adormecidasdespertas as palavras sujas de sanguebílis amarela, sanguebílis negra, a terra infértil que é um lodaçal, um paradoxo de morte e vida, vida cega tal a morte, persistente vida, palavras são organismos que se arrastam, mastigam a alma por dentro, palavras têm fome, minha namorada telepata inventou instrumentos cirúrgicos estranhos, ela anda com flores agarradas no coração, minha namorada conhece o sofrimento com a precisão de quem também já viu o lodo de perto, o lodo da vidamorte, as palavras sangram, caem no chão, o destino delas não me interessa, minha namorada anda com preciosos instrumentos de observação, lupas pra vermos em escala reduzida e intensa as florações das luzes de Brasília, quando a luz bate no olho e das pálpebras brotam pétalas translúcidas-vermelhas e o silêncio multiplica encantos.
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