A vida mais frágil
Também deixa seus vestígios:
Vômito do gato
Seco no zabuton, mancha
De respiração ausente.
Comentário ao tanka
A casa vazia não
É o espaço indiferente
Na mente, no fogo
O gato caminha, por dentro
De si: um novelo de ar
Onde antes um coração
Batia.
Comentário ao tanka
A casa e seus objetos inertes, mesmo que o sofá velho vá se amoldando, como se um corpo o habitasse pelo avesso. O livro dos mortos no meio da pilha de papéis ao lado da televisão. Intimidade vazia e kitsch: o livro dos mortos sobre o dao de jing sobre os vagabundos iluminados sobre o rack comprado nas casas Bahia sobre o chão pintado de azul com manchas brancas como se fosse uma representação do céu com cheiro de desinfetante. A casa, porém, não é inerte. Se eu abrir um livro de Kerouac exatamente quando ele fala da morte do seu gato, momentos antes da paranóia: o gato que era para ele como seu irmão morto quando criança? E assim, uma camisa jogada sobre a cama parece um gato que dorme. Alguma coisa cai no chão e é como se um gato pulasse entre os móveis. Quando me deito no sofá é como se um gato viesse deitar ali comigo, na arte livre de nada fazer e pensar em nada, quase inertes. A casa é cheia de ecos. Os ecos são cheios de fantasmas. Os fantasmas são ausência presente, eco que desperta a mente do seu sonho de inércia. Por outro lado, as casas em que vivi, vazias de mim, onde entro às vezes quando sonho. Minha ausência do mundo: também estou predestinado à morte, a desabitar o mundo e deixar por aí traços, ecos anônimos que podem produzir um fio na espinha dos vivos.
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