9/08/2011

cansei de escrever poemas, qualquer embriaguez
traz melhores resultados, pois é, cansei
de escrever poemas, os dias não passaram
mais lentamente ou mais rapidamente,
a cidade não se ergueu da anestesia, os diários
ainda não registram aquilo que na vida
acontece, uma sinfonia de vozes continua
vibrando sem dizer nada

cansei de escrever poemas, cansei das rimas,
da falta de rimas, da prosa, da invenção,
de ser barroco, de não ser barroco, de buscar
entre os poemas os que não mostram lugares
comuns, de tentar entender o que se move
entre o som e o sentido, de tentar ver o corte
que existe entre as palavras, de tentar mover
as palavras, moer as palavras

cansei de escrever poemas, cansei também
da embriaguez da poesia, mas não posso
dizer que já aceito o assalto do real e não
consigo ainda diferenciar uma coisa da outra
mesmo cansado da poesia e não aceitando por enquanto
os tributos que o real nos impõe às claras, cansei
de falar com as paredes, cansei de mover
outras vozes sobre o silêncio

cansei de escrever poemas, cansei da métrica,
do compasso, da palavra exata, do verso
livre, do cinismo da linguagem, da entrelinha
e, no entanto, não sei o que fazer no lugar
de poemas, não aprendi qualquer outro meio
de abrir fendas nos muros do mundo,
de pintar grafites nos desertos do mundo,
de não dizer sim com o silêncio

2 comentários:

Daniel F disse...

ótimo. é assim que me sinto tambem em relação a essa atividade, entre a descrença por ser uma ocupação exótica, maluca, que não faz sentido, e ser ao mesmo tempo a única forma que tenho de dizer isso. (comentei seu comentário no meu outro texto, uma resenha meio louca do livro da Yates, pra dizer a verdade)

Aldemar Norek disse...

é... tbm nunca me relacionei bem com a noção de poesia, com o 'apelido' de poeta, com o que se espera disso tudo. No mais das vezes parece que tudo virou uma convenção e, como tal, o próximo passo é sempre o esperado....