Álbum de perfis. Será que estas efígies que me dirigem nos olhos seus rostos olhando pro lado
pra onde?
Essas múmias cujas faixas são sinais elétricos, entenderão a intensidade desse gesto passado, este sorriso sem pé nem cabeça, uma lembrança sem antes nem depois: o sorriso de expectativa do lado do terreiro noturno da dona Dalva, por exemplo
à espera de quê? Será que ainda? Gravado não sei como não me lembro o motivo, na alma e
onde ficaria a alma, afinal?
Se a memória não é mármore é mar rarefeito no tempo, água-viva, o passado arde na pele do presente, será que estas estrelas
-marinhas que me vivem no sangue algum dia vão entender por que isso é tão nítido, como se agora mesmo eu estivesse sonhando com você aqui sorrindo ao que nunca vai suceder, e outros, tantos outros tão mínimos, nas suas cabeças talvez
não pra mim. Pra mim nada é mínimo. Ou sou um homem feito de mínimos.
Cada mínima ferida
Alegrias menores e o resto
É vazio – vazio de mar
E o cadáver chegou à praia inchado de água, todo marcado por pequenas mordidas de peixe:
a pequena voracidade do tempo.
E como entender que nessas lembranças tão nítidas não há nada
de decisivo, ou que elas são sustentadas por coisa alguma, um duradouro quase nada e mesmo assim elas saltam aos olhos como peixes coloridos e silenciosos e outra:
como entender que apesar disso, elas não são vagas indiferentes. São como feridas que passaram e não deixaram cicatriz e sangram
indolores.
O fodão do colégio que me jogou na lata de lixo, não era bullying, isso não existia, hoje é fotógrafo de casamento – é o que me diz sua múmia. Você, que me disse que os professores me odiavam e isso era sinal de que meu “trabalho” estava sendo bem feito e eu devia continuar. Aquela coisa que ia acontecer na Casa dos Padres e não rolou, Paulinha. Andar de carona no carro velho depois do curso de formação política – comunista aos 13 anos de idade. Qualquer coisa, uma frase, um gesto e um desejo
de sair perguntando: você também se lembra disso? Você também se lembra disso? Se só eu me lembrar então quem sabe
tudo não passou
mesmo de um sonho e querer sair do sofrimento é como se esquecer que se mora numa casa que está
pegando
fogo:
água salgada é fogo condensado,
tudo nessa história é refração,
cenas soltas
não
compõem uma vida.
De quê então
uma vida é composta? Uma vida
é composta?
A memória é um mar iridescente de gestos e frases
irrisórios que emergem
do nada.
ou pensarão
que este xarope pirou porque lembra demais?
2 comentários:
Muito bom!! Me identifiquei, de verdade. Sua história pode ter sido diferente da minha, mas eu também sempre fui de esquerda, e sempre fui tachada de "nerd", "esquisita", e outras coisas ruins etc, e tenho essa mesma sensação quando vejo alguns colegas antigos, na rua... nada mudou, infelizmente. As patricinhas que se achavam o máximo continuam se achando o máximo, e os riquinhos e playboyzinhos que acham que rir dos outros é engraçado continuam achando isso. Mas tudo isso me fez mais forte, hoje eu quero estudar Serviço Social para trabalhar com algo que realmente gosto. Não me lamento de nada, e sim só tenho a agradecer, por ter sorte de poder continuar. :)
*sou amiga da Sayegh, sua aluna.
e sou poeta também.
evoé!
oi Gabriela,
é bom ver que um texto pode se abrir pra várias histórias diferentes, funcionando como um ponto de encontro poético entre experiências distintas... já ouvi dizer que o tempo não muda as pessoas, apenas depura... vai ver é assim mesmo!
Abraço
Postar um comentário