5/30/2012




É
se você canta ao som
do samba
- enredo -
imagina e explora
introduz e seduz
vocábulos
sintaxes
e temas
densos
É
fortes
É
você dança
direitinho
guiado
pelo anão que rebola
Ú
no ritmo
É
no ritmo

e esquece da cuíca que grita

e goza a Vida


Nãoãoãoãoão com eco

Não quero rir das suas piadas por educação. Tem uma coisa na mente que preciso destravar, um vínculo estranho com a sociedade de massas e a suspensão do calendário e as calêndulas nas máscaras do consumismo e não me interessa que na hora H você apele à polícia ou ao Magnífico Reitor, não há caminho reto quando o que resta de fogo está nas lâminas da palavra não e como me aferro

ao meu direito de dizer não, é o direito de um sujeito acuado, é o direito de um sujeito que dá de cara no muro, não é o sim do símbolo dos teus sonhos, mas é meu pequeno território de nada no eixo do vazio êmbolo em que proclamo a absoluta nulidade de todas as tuas afirmações

oito-olhos. E sigo no meu não, que seus cães tutelados venham ao meu encalço mande um carteiro com uma correspondência registrada e um revolver a tiracolo, ainda sim vai sair da garganta meio apodrecida de um sujeito que queima à luz do anonimato um renego como madeira velha em que o vinho adormeceu por muitos anos, o não como um grito

existe algo de afirmativo nesse não, como existe algo de fogo no vinho e como tudo de humano emerge apenas como ferrugem em tuas facas afiadas, não é?

é um não estranho não é mesmo, não é qualquer não, é um não que parece se chocar, entrar em choque, criar um desalinho, fazer do mundo um colorido todo especial, quantas nuances na última corrida da cadela Baleia enchendo a pança de preás

inexistentes, quanto vigor naquela corrida – o não coloca o mundo em suspenso vem de onde pode brotar qualquer sonho e todo delírio é permitido e no mínimo estamos dizendo que o mundo não é o que está aí, flutuando a favor das correntes,

você pode até me puxar pelo braço, mas como vai segurar o meu não inexistente? É melhor o Sr se acostumar, oito-olhos, outros já tentaram

de tudo, de hipnose a coerção, de valores morais à verdade da maioria, de chicotes à sangria desatada a lágrimas nos olhos a ofertas irrecusáveis, multidões marchando em palácios esportivos, todo tipo de ginástica

conceitual, todo tipo de bandeira, brandura e ameaça, mas parece que não

existe algo de incorrigível em nossa condição ou o incorrigível é nosso último refúgio, com uma

labareda, ao centro: queimando-se ao contrário, produzindo ar.

5/25/2012

Tudo é tão simples


1.
Tudo é tão simples quanto ter nascido como quem é lançado sem proteção contra a violência solar e tem a pele irremediavelmente queimada e sensível ao mínimo toque quanto ter nas mãos uma sentença de morte contra todo aquele a quem se toca quanto realizar hipnoses alheias quando o único toque entre você é o mundo é a sua respiração que emana do inconsciente da vida, a crueza primordial da luz e seus cortes da respiração e seus influxos mágicos, um amuleto de carne e sangue nas mãos de um deus que sente e pensa como quem dorme, um deus cujo templo único é o invisível impulso de tudo: tudo é tão simples quanto a vida ser a alegoria escrita sob os mandamentos de um transtorno obsessivo compulsivo – quando um anjo cai e se levanta cai e se levanta

e


2.

Quando eu estava no presídio, meu vizinho de cela colecionava livros sobre budismo e estatuetas de Siddhartha. Ele só tinha dois dentes, mas tinha vários objetos raros e longínquos. Sua conversa não era permeada de sagrado, pelo contrário, ele só dizia o óbvio. Isso tudo era inverossímil e deve assim parecer ao leitor.
Criamos um território imaginário denominado de possível: contudo, o impossível atravessa os poros do muro como um fluxo invisível e insidioso.


3.

Estávamos sentados num canto da sala. Usávamos um cobertor laranja. As pessoas pensavam que era por causa do frio.
Minhas mãos são cheias de linhas do destino, como se tudo fosse embaralhado. Uma leve sucção puxava a ponta dos meus dedos. Não existe nada mais macio e nenhum lugar mais apropriado. Queria usar esse molhado para deixar minhas impressões digitais, quando o Estado me reclamasse.
“Se você quiser mais, estou te esperando lá fora”.

5/22/2012

desvio para o vermelho, 5






Alice olha sua alma indo pelo ralo como água suja  Atravessa
a sala na diagonal sonhando com os cacos de uma consciência
estilhaçada iluminando a aproximação do nada O acontecimento
perde-se pra sempre enquanto Alice ingere 1% de veneno
em cada palavra do poema infinito que recita enquanto olha
sua alma indo pelo ralo como água suja  e atravessa a sala
na diagonal fazendo da repetição o seu discurso particular
do método infinitesimal pra se reconhecer na vida olhando
a alma indo pelo ralo como água suja ao som do sangue
em câmara lenta pelas veias na vertigem de uma dança
benzodiazepínica regada a álcool e silêncio no caleidoscópio
estilo pole dancing do seu inferninho tosco recitando um credo
incompreensível e em tempo real atravessando o quarto
na diagonal pensando na repetição como talvez o último
recurso que se pode às vezes lançar mão pra segurar a alma indo
pelo ralo como água suja enquanto atravessa a sala na diagonal
fazendo da repetição a arma cuja munição são cacos de uma
consciência vilipendiada A violência sempre há de chegar com toques
de delicadeza e Alice se equilibra sobre o arame que atravessa
a sala na diagonal olhando sua alma indo pelo ralo como água
indo  ao cume do arame sobre o picadeiro e uma plateia de tacos
gritando ‘pula’ mesmo enxergando a inimaginável altura
de seus sonhos e a rede inconsistente Alice olha sua alma indo
pelo ralo como água brusca e quer saltar quer se soltar mas
prende-se ao arame que é uma diagonal marcada no vazio
cuidadosamente entre os abismos de todas as frestas
que são leitos onde o corpo já não sente mais as sombras
que dissolvem a luz nesse presente assim sem espessura
enquanto Alice adiciona 1 grama do princípio ativo em cada palavra
do poema indo pelo ralo pelo sangue adentro pelas veias
pra inscrever no corpo uma camada ácida uma charada falsa
uma verdade brusca antes do salto mas Alice espreme
em suas mãos a massa informe de um presente espesso
e sente entre seus dedos uma gosma fina que lhe escorre
e escapa carregando o último sentido como escapa a alma indo
pelo ralo como água suja saturada de veneno e espanto

5/19/2012

Língua Epistolar

Procurando um texto meu por outros motivos, me lembrei do texto completo que sugeriu
o nome do blog:

Quando você era um deus: gestos, atitudes, o modo de andar e de olhar, indicavam as coisas em sua presença. Você não falava, não era necessário, pois tinha o dom da imortalidade das bestas-feras. Vivia sob o espanto constante das tempestades em cavernas e achava que todas as coisas estavam cheias de deuses.

Quando você era um herói: gigante brotado como semente da terra, guardava para si (excluindo disso as bestas-feras animalizadas no arado com os olhos voltados para o chão) o segredo das similitudes. Falava de um escudo com desenhos de cidades, pessoas e animais, navios e guerreiros, rios, desertos e oceanos, quando queria descrever sua cidade repleta de pessoas, animais, navios e guerreiros.

Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?




5/18/2012

Bergsoniana

*para ler ouvindo Lips Drawing, disponível na página: http://jennyhval.com/music/other-projects/old-stuff












Dizem das possibilidades
o previsível risco na areia
antes do mar.

Meus possíveis abraçam o ar
dançam indóceis, plasmados em cores
e luzes e ventos - perfumes
e mãos
que tocam meus dentros
e rompem
estômago/útero

entranhas.

Um jorro - é você entre as vozes -
encantamento que dura e transforma o tempo
espiral de fumaça, sinal
que só nós entendemos.

Um dia, talvez,
ou nunca (é possível)
descobriremos o som
que fazemos no amor.

Um dia, talvez, ouvirei sua voz declamar
o mais longo (e louco) poema.

Um dia (talvez).

5/14/2012

Её лобовое стекло видно из моих очков

Ela festeja tanto quanto tem lazer,
Ou seja, nunca!

Quem escapa vira meu prisioneiro,
Fala de como estamos começados.

Ela me segue sob custódia,
Ou seja, à noite

quando a chuva cai com suas luvas de cera
lentes borrifadas palestram sobre
a luz de mil planetas

Ela brilha no fundo desta pupila
Que a terra prometida
(onde todos têm a voz do Chico Anysio
quando os imita)
Há de comer e sentir gosto de comida.

dirige na chuva, o sangue do clima
um de nós celebra o Gomes
que, fora do carro, não estava nem aí

Aquela mensagem no seu cheiro
De quem não te conhece:

Os que estavam aqui
Antes dos outros e seus olhos.

5/13/2012

fazer a poesia
ficar sem açucar
azedar
até ela derrapar.

colocar de lado
a menina poeta
tão poeta e linda
até ela realmente dançar.

e circular e circular e circular
por aí.

5/09/2012

É possível sair do mundo por meio das palavras, me abandonar no seu fluxo ininterrupto até que elas me levem além, tatuar-me de palavras até que a pele se torne tão leve; será que o espírito responde como um sopro das palavras, elas teriam esse poder, seriam organismos, forças
adormecidas, será que as palavras incitam sonhos e sonhos são movimentos reais para fora, uma saída, em infinito desenrolar-se da alma, respirar palavras, mover a mente em sutil moto-contínuo, serão as palavras um suficiente contra veneno, alguma coisa em que posso me recriar, me curar, ascender, descobrir,
inventar uma momentânea e ínfima redenção; será que as palavras impedirão que eu fique louco quando sopradas, jogadas contra o vento, contra os muros do mundo, contra outras palavras que aprisionam, palavras de corredor, palavras de arame farpado forjado por séculos e séculos; será que algo nas palavras algum dia vai dar em qualquer tipo de milagre, qualquer um não importando
que vocês entendam, testemunhem, acreditem, aceitem, teçam considerações, mensurem, avaliem a pertinência ou a atualidade, se há ou não experimentalismo ou estética, porque esse seria meu segredo, meu e delas e só quem respirasse com palavras pode saber o que se passa em idiotas que apenas gostariam de renascer como outra coisa qualquer,
asas;

será?

5/05/2012


Emergir do lodo mergulhando ao alto rumo a toda possível transparência, como a mente transpira, cabeça pendida apoiada nos reflexos das luzes que acompanham os olhos depois de fechados, depois de longamente observar as sombras da tarde, a vida se acumula sobre a pele que assim fica grudenta, pegajosa, como é pesado se levantar (ela sentada sozinha olhando pra varanda por horas a fio) queria levitar na direção das minhas pálpebras e assim reconquistar a leveza da mente que sabe evaporar, questão de treino, a imaginação pode ser ar soprado de dentro pra fora da cabeça, noite passada um demônio me segurava tentando me impedir de pegar a cruz de madeira pendurada na parede, então ateus também não têm direito de benzer os demônios que tentam nos manter grudados nos móveis do apartamento, o sangue dos demônios é feito de lágrima.
Mãe quero colher suas lágrimas e fazê-las evaporar como os demônios inexistentes que atormentam nossos pesadelos reais evaporam com a leveza de olhos abertos para a luz oblíqua de um dia que nasce. Como é pesada a realidade, quero cobrir o mundo com um véu transparente que não produza ilusões mas faça tudo voar, voar com a mente acesa, um incenso de perfume e perdão.
Nada de recomeçar, apenas esquecer.

5/03/2012

Trevosa (no fim do mundo)

(1) A (doravante assim chamada por codinome) Trevosa é ateia. Isso a aproxima de mim, que não respeito o sentimento alheio e vejo em todo relacionamento, como nas pessoas, a marca de sua morte. (2) Traz a lembrança dela sentimento misturado, uma imprecisão. Um aroma acre. De um lado, sei que ela não me entende. E nem faz força pra fingir querer. De outro, é mortalmente carente, quer ser amada em cada poro - não necessariamente por mim, claro. Mas essa indiferença me estimula, faz pensar que meus jogos de sempre com quem me valoriza dessa vez não são aplicáveis, meu leito de Procusto. Posso vê-la mais como ela é na medida em que ela se furta a mim. (3) Por outro lado, com ela estou em pleno adultério, e a Clara que me ama também é diferente de outra forma. Arrumei meios de não cansar dela, eu a mantive. Dessa sou eu a divergir, a me furtar de sua crença em nós dois. Daí eu estar usando esse texto, perdido em algum lugar, pra dizer o que não posso ser lido por ninguém que eu conheça sabendo que sou quem escreve. E a Trevosa não teria o menor interesse em lê-lo. Ela é inculta, não compreende termos ligados à sua própria cultura (como diabos pode uma trevosa não saber o que é "esquife"?) e não tem paciência para ouvir uma música por mais de três minutos. Claro, ainda por cima é mais nova do que eu. Preciso lembrar de seu aniversário. (4) Engraçado como o "io" no final de "aniversário" assemelha-se gráfica e foneticamente à letra "ю" do alfabeto cirílico. Um comentárю como esse renderia o mais solene bocejo da boca perfurada da Trevosa. Mas eu escrevo: relicárю, aniversárю, otárю. Seu aniversárю, portanto, é no quadrado de meu número de sorte, o 5. Bobagens que eu mantenho na cabeça pra tentar lembrar dela como um todo, algum todo - pelo menos o plano matemático inteiro, como pode ser subentendido num simples algarismo. Ó grande número escrito no muro... (5) Sobre a Clara, eu lembrei agora de uma estória. Assim que terminamos, ela virou evangélica. Não uma evangélica qualquer, mas daquelas que têm blog, divulgam a palavra de Deus e são militantes no conservadorismo. Pois bem, depois de tudo consumado, eu e Trevosa nos juntamos. Tivemos um filho, que ambos concordamos chamar de Nereu. Dada minha avançada idade e a marca do fim em todas as coisas, morri. No céu, encontrei a Clara. Ela estava na beira de uma praia linda, numa alvorada, toda vestida de branco. Sentei a seu lado. Ela, toda feliz, disse com intimidade: "viu, seu teimoso atrabiliárю, como Deus existe?" e respondi "existe nada, olhe pra esse lado: somos apenas personagens de um conto escrito num pedaço de papel por alguém com saudades da Trevosa".

5/01/2012

desvio para o vermelho, 3


 (obra de Martin Creed, na Tate)


e sem despertar do sonho Alice está num campo
minado Sábios desenrolam palavras como  papiros
em mesas de madrepérola e laca mas suas vozes
não cantam nada além de um falso estupor falso
boulevard crivado de neons onde os paralelos
estão cobertos de strass [engalanados] enquanto
eles sentem que o verso é desdobrar fibra por fibra
o coração do poema sonhando com os fios tensos
que atravessam os vãos em alta freqüência  até
o limite da dor ou seja do pensamento ou seja
do poema ou seja daquilo que se possa chamar
de sentido no mergulho do sublime Alice rabisca
à margem palavras que foram tatuadas no corpo
bem dentro [na pele dos dias] palavras que não re-
presentam nada, apenas são e emergem do fundo
trazendo bile sangue carne secreções sob o olhar
disléxico da musa anoréxica do fracasso inesperado
da palavra Os sábios fazem posições nos bailes
da corte entre perucas maquiagens e violas
de gamba de onde saem guitarras elétricas de onde
saem telas iluminadas de onde saem luvas de pelica
de onde saem céus galvanizados de onde saem sons
de apocalipse  de onde sai a trombeta do anjo
vingador de onde sai criptonita de onde saem
labaredas de onde saem sintetizadores de onde saem
carreiras de pó na madrugada branca de onde saem
poetas raspando à unha o ouro das molduras
para enfeitar suas lombadas suas noites suas
metáforas suas vozes sua estese seu lugar nenhum