5/25/2012

Tudo é tão simples


1.
Tudo é tão simples quanto ter nascido como quem é lançado sem proteção contra a violência solar e tem a pele irremediavelmente queimada e sensível ao mínimo toque quanto ter nas mãos uma sentença de morte contra todo aquele a quem se toca quanto realizar hipnoses alheias quando o único toque entre você é o mundo é a sua respiração que emana do inconsciente da vida, a crueza primordial da luz e seus cortes da respiração e seus influxos mágicos, um amuleto de carne e sangue nas mãos de um deus que sente e pensa como quem dorme, um deus cujo templo único é o invisível impulso de tudo: tudo é tão simples quanto a vida ser a alegoria escrita sob os mandamentos de um transtorno obsessivo compulsivo – quando um anjo cai e se levanta cai e se levanta

e


2.

Quando eu estava no presídio, meu vizinho de cela colecionava livros sobre budismo e estatuetas de Siddhartha. Ele só tinha dois dentes, mas tinha vários objetos raros e longínquos. Sua conversa não era permeada de sagrado, pelo contrário, ele só dizia o óbvio. Isso tudo era inverossímil e deve assim parecer ao leitor.
Criamos um território imaginário denominado de possível: contudo, o impossível atravessa os poros do muro como um fluxo invisível e insidioso.


3.

Estávamos sentados num canto da sala. Usávamos um cobertor laranja. As pessoas pensavam que era por causa do frio.
Minhas mãos são cheias de linhas do destino, como se tudo fosse embaralhado. Uma leve sucção puxava a ponta dos meus dedos. Não existe nada mais macio e nenhum lugar mais apropriado. Queria usar esse molhado para deixar minhas impressões digitais, quando o Estado me reclamasse.
“Se você quiser mais, estou te esperando lá fora”.

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