6/19/2012

Roubando Foucault


Figuras adjacentes, frágeis, um pouco monstruosas em que o desdobramento se assinala,

(sou o autor: observem meu rosto ou meu perfil; é a isto que deverão assemelhar-se todas essas figuras duplicadas que vão circular com meu nome)

que falam sem parar tudo aquilo que pôde ser dito para calar o murmúrio da morte,

(sou o monarca das coisas que disse e mantenho sobre elas uma soberania eminente: a de minha intenção e do sentido que lhes quis atribuir)

que são pura contestação,

(suprimamos o antigo prefácio)

linha simples, contínua, monótona de uma linguagem entregue a si mesma,

(mas você acaba de fazer um prefácio)

abrindo incessantemente um espaço onde ela é sempre o análogo de si mesma,

(pelo menos é curto)

um murmúrio entre tantos outros – após todos os outros, antes de todos os outros.
As forças da natureza
Não seguem uma linha reta
São turbilhões encalacrados
Em manequins de shopping center.

Vou à praia dos orixás
Bebo uma Baikal como oferenda.

Depois no sopão 24 horas
Escuto a história do feto jogado na privada
Girando e girando, antes de descer pela descarga.

Ouvido cheio de ranhuras
Palavras
Pequenas são bloqueios
Crivados de patas de inseto
Que arranham migalhas de imaginação.

O horizonte é muito curto
Me sinto bombardeado por pequenas variações
De asfixia.

A vida não deve ser nada
Além de uma fome nauseante por frutas podres.

A janela está coberta de nervuras:

A luz avermelhada sobre a praça
E a velocidade de redemoinho implícito
Na futilidade do coração do tempo
São as coisas que me conduzem

À sublimação.









6/13/2012

Anotações de viagem, Cavalcante

Anotações de viagem, Cavalcante


1. A luz bate na água asas frias de pássaros súbitos na superfície fina. Contra o rumor do remoer constante da água nas pedras e das águas se revolvendo sobre si mesmas, a voz das pessoas emerge. O som é um fluxo incoerente e contínuo de onde brotam as vozes amigas, amadas, que logo mergulham no mesmo vazio rumoroso.
2. Água e luz dançam: pulsação de asas na superfície do erro. Brilhar e mergulhar.
3. O rio, que flui sobre si mesmo suavemente abriga peixes e pedras ao sol onde insetos repousam: pratica caridade?
4. O rio, com suas águas amarelotransparente amoladoras de pedras pontiagudas, o rio cheio de dentes afiados em seu leito que friamente aperta o seu coração, contrai seus músculos e comprime os pulmões: está contra você?






6/11/2012

negrete

Foto de www.folhapaulistana.com.br






seus pés desenharam na calçada
áspera as paredes do Grande Hotel
Abismo: você é o hóspede e seus pés não têm
pra onde ir agora que o desejo
foi jogado pra fora de vez pela entrada
por ordem da gerência do Grande Hotel
Labirinto quando sonhos passavam
pelas janelas e você planejava
uma fuga se agarrando a eles  [tantos]
que flutuavam diante do Grande Hotel
Desesperança até que você percebeu
que não pode se agarrar a sonhos porque
sonhos não tem corpo nem se importam
com você sentado no chão do Grande Hotel
Demência incendiando pedras brancas
no fundo de uma lata velha até pintar
de púrpura  e dourado a noite que mora
dentro de seu pensamento com uma fumaça
bêbada agora que você perdeu
pra sempre o caminho do elevador
que levaria ao topo do Grande Hotel
Derrota onde os sinos dobrariam
por ninguém quando você medisse
a sensação do salto como a única rota
pra sair desse quadrado estreito dessas
paredes espessas como o ar da noite
quando faz voar jornais de ontem
com as notícias de sempre forrando
o pavimento neutro do Grande Hotel
Esquecimento onde não sai ninguém
por uma porta pra lhe dizer: “você
está fora, cara.”

6/08/2012

Fatos, como eu ia dizendo

Fatos se opõem ao sol que se põe, estão ali, desnudos como a mais neutra das evidências, são nervuras de uma parede que não pode jamais ser atravessada, toda palavra é estranhamente volátil diante dos fatos inclusive esta

fato, que poder de sedução na obviedade incontida do real que dispensa sentido e verdade, na brutalidade crua daquilo que atravessa os ouvidos e não precisa de grito, arranha os olhos e ignora a luz: nada como a crueza

de um fato, um pedaço de carne sangrando, um arame fisgando tua boca e te puxando pro céu, uma força irresistível dos argumentos que se movem ao redor de fatos que por si movem em si cada um por si ah quanta inteireza e verdade superverdadeira naquilo que simplesmente observamos

ou gostaríamos de anotar com supra-olhos mentais, a imaginação que é tão carnal quanto a vida, um sopro, o ar que anima nossos sonhos, as vozes alheias que brotam das paredes, o sutil sabor de doce implícito no amargo, as certezas mais simples da vida, quando um homem sensato se depara com os fatos e o fato é o que foi

feito e o que foi feito pode ser mentido e desmentido figurado e desfigurado mas não pode ser desfeito, o que foi feito é fato e aí está só

não sei porque tantas palavras, talvez elas faltem ou sobrem quando o assunto gira em torno de fatos ou sei lá talvez fatos precisem de bocas (metaforicamente falando) e olhando bem um fato é um verbo disfarçado

de substantivo, enfim acabei perdendo o fio

da meada.











6/02/2012

A máquina de influir

Estamos todos conectados à realidade

do meu pesadelo enquanto alguém digita depois de ele ter pensado nos meandros da máquina de influir

neste exato momento em que digito neste instante em que antevejo a letra cobrindo de negro o brilho branco da tela até mesmo antes a pregnância da idéia, do pensamento que é um vácuo formal à espera da substância das palavras e todos os processos gerações e gerações de rodas dentadas em tudo isso vê-se a mão delE

no momento do xeque-mate havia um homem oculto sob o robô – o capeta tem um rabo tão comprido quanto as rodas de um monociclo – as lentes do pensamento – o rastejar da lesma sobre o muro, o risco – a alma que é um devaneio de alguém – o teu nome

é como aquela cenoura presa à testa do asno – baixa a bola – cai na real – não me lembro

quem foi que disse isso e quem foi

que disse isso e isso também

que acabei de dizer quem foi?