Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
9/27/2012
Ainda resta explicar porque num ou noutro ano, nalguns meses, dias (por exemplo, entre setembro a outubro de 1973) o céu se converte num calabouço, escuridão de bronze e tantos girassóis impossíveis cultivados com sangue procuram por um sol que recua para além da dor, porque o tempo reflui contínuo em todas as direções mas de repente parece resolver se adensar, viscoso, nauseante e nós, que vivemos a luz vaporosa azul tão bela e banal, nós, os irreais, só de o olharmos nesse estado sentimos em calafrio que a realidade só sabe falar a língua do terror.
9/16/2012
Redor para Masé
um escritor viaja de trem,
a letargia faz querer avançar.
sem chumbo nem a ironia do vinho.
Masé Lemos
não se pode avançar.
porque tudo
é recusa
da pedra
tempo, tempo, tempo
todos
ouviram a delicadeza
do lisianto
na brisa
abalada
calados,
feios e nus, não tivemos
fogo
quando o ventre
anoiteceu
e acordamos
ancorados
na dor da sombra.
pedra, pedra, pedra
origem da voz,
orgia de pássaros
grão e assobio
gelo e espanto.
não se pode avançar.
tempo, dor, pedra
9/14/2012
Porvir para Eliana
Porvir transfigurado.
O que é Teu Ser,
o que é tua carne,
e a chegança
de cartas ao vento
o que é tua linguagem
passagem
pelas águas
tentativas,
filosofias fracassadas
lassitude, lentidões
uma bala
que te fere
de raspão
o que é teu Ser
o que é tua Língua
Ilha Deserta
onde se penduram
escolhos,
manhãs,
coisas mortas
tesouras,
cadelas,
mulheres
de pernas abertas
um corpo aberto
decomposto
no asfalto
o que é teu Ser
o que é tua Língua
no lilás de tudo
que subverte.
9/13/2012
Morador de Brasília, Vírgula
Céu vermelho. Céu, dourado. Azul irradiando-se entre traços, de nuvens. Vênus brilha mais, do que a lua.
Imagine que você está num teatro, na obscuridade da platéia. A orquestra se prepara para tocar mas sem, o violonista. O violinista levou uma, porrada de fuzil, no cotovelo. A orquestra se prepara. Um cadeado, inútil resguarda porta enferrujada. Sem motivo de existência, a porta.
Céu vermelho – luminoso que se expande, ao contrário, como se ele se, contraísse, uma luz em fuga ao avesso.
Imagine que sob, as calçadas sob, a terra sob as raízes (uma) voz quase, inaudível – só ouvida por quem se imagina ossada de operário da construção – esquecimento asfaltado, ali se abafa. Monumentos árvores de todos, os cantos ipês: jazigos.
Imagine que a Esplanada e sobre a, Esplanada o céu que nesta hora tende ao violeta nada mais são, do que imensa lápide de cemitério, de indigentes. Vocês foram, mortos porque reclamaram da comida, estragada.
Agora se imagine encostado, na parede tranqüilamente. Um livro está sendo lido. Não há frio, alguém, esteve ali encostado muito antes de, você. De frente para a parede a testa, colada no concreto com suor de medo. De onde virá a próxima, porrada? Saber isso já seria, um alívio. Sem saber o motivo você pegou, o livro de Lautreamont, justamente, naquela página em que ele diz: “sou, sujo” como uma voz voltada para, dentro como se a brutalidade fosse o fulcro de todos os livros que, jamais, foram escritos.
Céu azul escuro, apagado. Como um azul brotando, da transparência.
A luz, agressiva do dia ilumina unhas bem, feitas cheias de anéis, esmalte, transparente: você as entrevê sob o breu do capuz dos dias vividos no mais escuro da dor e do esquecimento, pelo menos é o que você gostaria, de esquecer. Você chega em casa e a coisa não te larga mesmo, em tua vida confortável.
Você olha a janela um ipê amarelo cujas folhas são unhas reluzentes e o calor perfaz auras em torno dos galhos: feche a janela, rápido!, para essa beleza sufocante.
- Seja bem-vindo, à sua cidade.
Imagine que você está num teatro, na obscuridade da platéia. A orquestra se prepara para tocar mas sem, o violonista. O violinista levou uma, porrada de fuzil, no cotovelo. A orquestra se prepara. Um cadeado, inútil resguarda porta enferrujada. Sem motivo de existência, a porta.
Céu vermelho – luminoso que se expande, ao contrário, como se ele se, contraísse, uma luz em fuga ao avesso.
Imagine que sob, as calçadas sob, a terra sob as raízes (uma) voz quase, inaudível – só ouvida por quem se imagina ossada de operário da construção – esquecimento asfaltado, ali se abafa. Monumentos árvores de todos, os cantos ipês: jazigos.
Imagine que a Esplanada e sobre a, Esplanada o céu que nesta hora tende ao violeta nada mais são, do que imensa lápide de cemitério, de indigentes. Vocês foram, mortos porque reclamaram da comida, estragada.
Agora se imagine encostado, na parede tranqüilamente. Um livro está sendo lido. Não há frio, alguém, esteve ali encostado muito antes de, você. De frente para a parede a testa, colada no concreto com suor de medo. De onde virá a próxima, porrada? Saber isso já seria, um alívio. Sem saber o motivo você pegou, o livro de Lautreamont, justamente, naquela página em que ele diz: “sou, sujo” como uma voz voltada para, dentro como se a brutalidade fosse o fulcro de todos os livros que, jamais, foram escritos.
Céu azul escuro, apagado. Como um azul brotando, da transparência.
A luz, agressiva do dia ilumina unhas bem, feitas cheias de anéis, esmalte, transparente: você as entrevê sob o breu do capuz dos dias vividos no mais escuro da dor e do esquecimento, pelo menos é o que você gostaria, de esquecer. Você chega em casa e a coisa não te larga mesmo, em tua vida confortável.
Você olha a janela um ipê amarelo cujas folhas são unhas reluzentes e o calor perfaz auras em torno dos galhos: feche a janela, rápido!, para essa beleza sufocante.
- Seja bem-vindo, à sua cidade.
9/06/2012
LÁGRIMA para ALDEMAR
Hão
de ser tristes os teus
e os meus dias
quando os relâmpagos rasgam
o silêncio de tua
varanda
e passos de medo
preenchem o bosque.
A raça
declina uma vez mais
e arrefece junto
com a ceifa
de um podre trigo.
Nem águas nos salvaram
para refrescar
nossos pés
e nossas andanças
lavradas no negrume
Inventamos umas estórias
absurdas
para fazer
nossas filhas dormirem
elas tiveram a idade do sono
no berço
ou numa redoma
de vidro
onde inocentes
não desconfiaram
a desgraça do mundo.
hão de ser tristes
os meus
e os teus dias
malditos,
vamos andar
rumo
ao rubro dos outonos
e de um pequeno clarão
que se abre
toda vez
que se apunhala
a esperança.
hão de chorar
todos
na aspereza do mundo
(porvir transfigurado) -
9/01/2012
sutra, 1
O centro não existe,
amores
marginais arfam
convulsivamente
enquanto gemem orações
hard na penumbra de templos
com letreiros de neon O
menino
que olha pra você de
dentro
dos espelhos só escuta o
silêncio, décadas
de silêncio nos olhos
velhos
do menino que guarda
negativos
de tantos corpos e
gestos de comunhão
úmida e ardente pulsando
carne adentro, olhos
nômades que leram escrituras
de esperma sobre papiros
microirrigados
por sangue e linfa Sim,
você cobre
os espelhos com lençóis
tatuados por suor
e secreções, tocados
pela poesia das luzes
artificiais, mas isso
não cala o menino
que recita sutras
intermináveis: ‘santa
tereza
salvai-me desse mar
de
gozo e de melancolia que nunca ninguém vai
saber
o nome, são joão da cruz, acende
qualquer
lume que desencante o espelho’
O centro
não existe, mas o
holofote de outros
olhos lança você no
universo sem deus
onde flores sem caule
espreitam
na terra amiga o desejo
da seiva,
da casa, ao som do
cântico dos cânticos tangido pelos anjos
do inferno e da última
esperança O abismo da
orla desses olhos é um
dos orifícios por onde
você avança
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