9/01/2012

sutra, 1







O centro não existe, amores
marginais arfam convulsivamente
enquanto gemem orações
hard na penumbra de templos
com letreiros de neon O menino
que olha pra você de dentro
dos espelhos só escuta o silêncio, décadas
de silêncio nos olhos velhos
do menino que guarda negativos
de tantos corpos e gestos de comunhão
úmida e ardente pulsando
carne adentro, olhos nômades que leram escrituras
de esperma sobre papiros microirrigados
por sangue e linfa Sim, você cobre
os espelhos com lençóis tatuados por suor
e secreções, tocados pela poesia das luzes
artificiais, mas isso não cala o menino
que recita sutras intermináveis: ‘santa
tereza salvai-me desse mar
de gozo e de melancolia que nunca ninguém vai
saber o nome, são joão da cruz, acende
qualquer lume que desencante o espelho’ O centro
não existe, mas o holofote de outros
olhos lança você no universo sem deus
onde flores sem caule espreitam
na terra amiga o desejo da seiva,
da casa, ao som do cântico dos cânticos tangido pelos anjos
do inferno e da última
esperança O abismo da orla desses olhos é um
dos orifícios por onde
você avança

Um comentário:

Anderson Dantas disse...

Aldemar, esse poema me lembra o Sutra do Girassol do Ginsberg, que obviamente todos aqui do LE já leram, mas que sempre é bom ler e reler.
E como o próprio Ginsberg citando William Blake: tudo o que vive é sagrado!