7/30/2013

Quando uma estrela morre esparge pólen no espaço.
            Ocasionalmente o pólen se condensa em elementos água terra fogo e ar
            Ocasionalmente os elementos se enovelam no tecido sensível da vida
            Ocasionalmente uma fina camada de pólen entardece o dia nos cristalinos olhos de vinho das coisas vivas
            Do pólen de estrelas mortas vem a carne, vêm os ossos, vem a pele e o sopro que anima, como um istmo, alma nos robôs sanguíneos
            (há um fundo de pólen em todos os olhos, num sorriso e há um fundo de pólen no espaço escuro do universo)
            Ocasionalmente o tecido sensível da vida esparge pólen na tarde, num diminuto clarão estelar contra os padrões do dia.
            Ocasionalmente vemos uma estrela morrer no céu distante.


7/24/2013

Existem ínfimas estrelas
            subatômicas
            vagando ocultas nesta dimensão
           
Se uma delas explode contra um rosto
em fim de tarde
            aprisiona quem estiver olhando este instante –
           
            Quero beber chá alucinógeno de estilhaços
desta mínima supernova:
           
Raízes em rizoma proliferam dentro
do meu globo ocular
            Pólen desidrata minha boca
            Um céu de bronze cresce por dentro
            Da alma lunar, cheia de crateras.





7/19/2013

Vênus

O ar denso gruda na pele em gelatina corrosiva. À luz difusa, estourada, não se vê depois do céu. Estrelas e o próprio sol inexistem, a não ser como efeitos de especulação teórica, ocultos pelo excesso de claridade.
Carrego comigo um espelho onde julgo poder observar a luz em reflexo, fixamente, pra entender o fogo: de onde vem e como cai sobre a vida, sob a forma de pétalas róseas. Os olhos ardem mais do que o calor retido no espelho e sobre as pálpebras, como numa tela, emerge um novo espetáculo cósmico, astros multicores sob o vermelho das veias – só, o coração permanece o mesmo mistério ofuscado.

Fecho-me num quarto escuro por três dias, para reaprender a caminhar entre sombras.    

7/10/2013

Da ilusão do sujeito como agente de si mesmo.

Vou me salvar tirando lodo de mim como quem se cava com uma escavadeira. Lodo etéreo visto de fora (por dentro, quantos animais mortos) – vermelho translúcido que vai se abrindo nas feridas, na superfície densa. E mais de longe um brilho distante, como uma transparência que pudesse te abraçar, leitor, e sua pele toda uma pétala a ser contemplada pelos que procuram a verdade na beleza e na ternura.
Ou: se ao menos alguém se salvasse dessa forma, esse jogo demente teria sentido.

*
Você sai para caminhar e sem aviso – chove. A chuva atravessa a camisa, toca a pele, o frio passa dos nervos para a alma que está sendo criada nesse instante e é toda uma perspectiva que se abre, tátil (a mente também é pele e tenta sentir o encantamento do dia, um calor impreciso no fundo do frio). Sabe-se que não se deve perguntar se a chuva tem um propósito a seu respeito. Mas a pergunta inversa também é um erro: qual o seu propósito ao dizer a chuva como um acontecimento que te envolve, de corpo e alma.  Você chega em casa, olha pela janela e o céu está aberto, claro – o asfalto está completamente seco. Você olha perplexo para os seus braços, que parecem ramos orvalhados.

           



Corações partidos (ao pé da letra)


Nasço como um bêbado que entra num quarto escuro com peças de cristal. Não tenho o direito de estar ali onde me “vejo”, mas sinceramente, quem está falando em direito depois do fato consumado. Quando dou por mim, a porta está trancada não sei a quanto tempo. Como vim parar aqui, é inútil pensar – o que havia antes da porta, já que ter nascido é estar num quarto escuro com peças de cristal antes mesmo de aprender a pronunciar a palavra eu. Talvez se eu me encolhesse, alguns desastres seriam evitados – mas mesmo escolher um canto exige alguma movimentação prévia e alguns objetos serão quebrados. É inevitável, como disse o escorpião da piada: é a nossa natureza. E mais: também sou frágil como uma peça de cristal, como você descobre rapidamente. Talvez seja essa a natureza de que fala a piada: isso que chamamos de pessoas são fantasmas de cristal, bêbados num quarto escuro, sonhando estar entre peças de cristal. Então, preste atenção: você nasce como um bêbado que entra num quarto escuro com peças de cristal – mas elas não estão paradas e sim em movimento – e vamos chamar esse movimento de caótico para não humilharmos a fraqueza de nossa razão que simplesmente não reconhece padrão algum, apenas estilhaços. E você é uma peça de cristal entre outras – e mesmo que você diga: “eu tenho um coração, não sou um mero estilhaço” – olhe bem, seu coração é tão invisível para você quanto o coração alheio. Quem sabe se aquela ou esta peça que vai ser quebrada quando você realizar seus desastrosos movimentos é parte sua ou alheia? Se você mesmo não passa de um estilhaço de uma peça quebrada? Se isso que você chama tão orgulhosamente de meu coração não passa de um caco afiado voando sem direção? Quem disse que você não pode ser seu próprio terceiro, o seu ele? E você pode dizer: mas o movimento é resposta a um impulso natural e tudo o que é natural tem seus direitos – mas quem está falando em direito depois do fato consumado.
Moral da história: Sempre que um intruso invade uma história alheia – como saber se o intruso não é justamente o que estava ali antes, ou se a história alheia não é a de um intruso que invadiu uma outra história alheia anterior e assim por diante? Como sair dessa terrível solidão, se a saída também é movimento e só existe movimento porque existe espaço alheio? Se mesmo a ilusão de ficar parado é estar no caminho de alguém, uma vez que só existe espaço em função de um traçado – chamo de meu território ali onde julgo poder me movimentar (e só existe movimento porque existe espaço alheio)? Os sujeitos mais racionais já disseram que a resposta está no começo, no que vem antes (a aliança original), outros tão racionais quanto, que a resposta está no final, o direito é de tudo o que vem depois (só depois de mortos saberão o que fomos e dirão se somos dignos de nossos estilhaços de felicidade), outros tão racionais quanto, que a resposta está no próprio movimento (supondo que sejam livres). Mas eu li em versos da Orides Fontela:  não há piedade nos signos e nem no amor: o ser é excessivamente lúcido e a palavra é densa e nos fere (toda palavra é crueldade).  


7/01/2013

...

A grade na parede parecia uma prisão, depois mão de dedos longos e finos saía como se a sombra estivesse se soltando do concreto num gesto ameaçador, depois os dedos se alongavam tanto a ponto de parecerem linhas horizontais cruzando o meu peito, como traçados de projéteis, de repente tudo sumia, ficava escuro e depois a sombra surgia novamente, na sua forma original de grade (eu não devia, mas pensava, que prisão etérea é essa? são apenas sombras na parede).Nas horas de escuridão, é como se chamas de um fogo frio tocassem meu rosto. Me levantei com as pernas doloridas e vi que a grade, a mão e as linhas eram efeito da luz da lua e do movimento das folhagens de uma palmeira sobre a janela. Peguei o darmapada para ler: abro justamente na parte que fala em morte e que diz o que louco ama os obstáculos que o sábio evita (porque querer ser feliz nesse mundo é como querer morar tranquilamente numa casa em incêndio). O louco está em toda parte. Eu sou esse louco.