Vou
me salvar tirando lodo de mim como quem se cava com uma escavadeira. Lodo
etéreo visto de fora (por dentro, quantos animais mortos) – vermelho
translúcido que vai se abrindo nas feridas, na superfície densa. E mais de
longe um brilho distante, como uma transparência que pudesse te abraçar,
leitor, e sua pele toda uma pétala a ser contemplada pelos que procuram a
verdade na beleza e na ternura.
Ou:
se ao menos alguém se salvasse dessa forma, esse jogo demente teria sentido.
*
Você
sai para caminhar e sem aviso – chove. A chuva atravessa a camisa, toca a pele,
o frio passa dos nervos para a alma que está sendo criada nesse instante e é
toda uma perspectiva que se abre, tátil (a mente também é pele e tenta sentir o
encantamento do dia, um calor impreciso no fundo do frio). Sabe-se que não se
deve perguntar se a chuva tem um propósito a seu respeito. Mas a pergunta
inversa também é um erro: qual o seu propósito ao dizer a chuva como um
acontecimento que te envolve, de corpo e alma.
Você chega em casa, olha pela janela e o céu está aberto, claro – o asfalto
está completamente seco. Você olha perplexo para os seus braços, que parecem
ramos orvalhados.
2 comentários:
Gostei muito, Daniel!
que bom que você gostou, Lara! é muito
bom saber isso.
Abraço
Postar um comentário