4/22/2014

fragmentação

(Obra de Artur Gormley)





/por Nuno Rau/



tenho escrito poemas
aos pedaços, espalhados
por e-mails, contra-
capas, guardanapos, mensagens
instantâneas, na verdade
qualquer pedaço de papel
que me olhe com sua interrogação
branca, seu jeito
de esfinge dando bandeira em cima
de um móvel, mata-
borrão de palavras fazendo
pose de papiro, tenho
escrito poemas
em pedaços que não quero
juntar, tenho pedido às canetas
que falhem, às teclas
que emperrem quando
envio cada fragmento
a um destino diferente, rasurando
os vínculos, perdendo
a linha como quem deleta
um telefone importante, tenho
esperado que os amigos
se distraiam com as amenidades
com que disfarço o contrabando
das palavras. Tenho lido
muitos poemas e sinto
tédio frente ao presente
que ainda pretende
chocar quando retiro
os andaimes e o impacto
não penetra além
da película, imagem. Então, pra ver tudo
melhor arranquei
meus olhos e joguei no fundo de um copo
sem fundo - é de lá que passei
a interrogar o abismo
dos céus como um burocrata afogado
em papéis velhos enquanto anjos
sem pedigree entoam salmos
punks de três acordes, distorção
amplificada e loop
frenético diante da parede
transparente onde rabisco
grafites com uma tinta
tão negra que a grande noite
dos séculos não vai deixar
ninguém ler. 


3 comentários:

Daniel F disse...

excelente! bem vindo grande Nuno!

Nuno Rau disse...

Obrigado, meu irmão. Pois é: revim.
Achei a chave de casa. Abração!

Rutemberg Veloso disse...

Belo!