5/12/2007

Não era essa a Barreira dos meus sonhos

Besteira ter acreditado no papo antigo sobre o sol líquido vermelho da revolução em garrafa verde, o tal Vinho da Barreira que teria ensinado o cão e o menino a conversarem sobre o Inferno por meio de gestos que são nossa única memória dos antepassados. O jeito ridículo de andar e comer, a ilusão com a lentidão hierática do Padre que provavelmente esconde a banheira de hidromassagem no quarto dos fundos e aquele vinho com gosto doce de uva estragada, e aí está tudo o que sobrou na adega do anjo da história.
A banda cover dos Incríveis tocava O vendedor de Bananas, a garota que fazia a voz secundária lembrava uma coisa meio Elba Ramalho e o meu irmão enfurecido, os dois braços totalmente tomados por representações da morte (iguais aquelas que tiveram as caras raspadas pelo moralista responsável pelos azulejos da Igreja de São Francisco em Salvador), jogava latas de cerveja no palco. Ele disse que enfiaria uma escopeta no rabo de cada um dos presentes se por acaso alguém resolvesse tomar desforra com seu irmão mais novo, seu frágil irmão mais novo quase transparente e branco como as páginas dos livros que o envenenaram e o tornaram inútil para a vida.
Ainda assim acreditei nas mentiras do poeta, na conversa fiada sobre os dois bêbados que deram uma lição de solidariedade diante da cidade invejosa.
Agora estou aqui espremido neste ônibus (a tarde é muito fria, mas como os fregueses pagaram pelo tipo Executivo o ar condicionado está ligado, assim geladinhos todos acreditam que não são convencionais). À minha direita, o bêbado mais autoritário com que já tropecei enterra de uma vez por todas a cara e a coragem do anjo da história.

Eu sou eu mais eu sou mais eu e tudo somado eu sou eu mais eu
Eu bato pego e boto me dá essa bolsa aqui vou arrancar dois cigarros e fumo os dois de uma vez só eu sou mais eu
Tira o meu cachecol que eu te mostro uma coisa eu sou um cometa congelado
Agora o motorista vai virar à direita presta atenção você tá vendo é à direita que ele vai virar estou dizendo porque conheço o caminho
Quando eu morrer minha morte vai levar tudo comigo o motorista está perdido sem os meus sinais.


Ele belisca o braço da mulher. A coitada também já desistiu.

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