5/10/2007

Um aquário asfixiado
Sem água e sem peixes
Com gente e suor.

Uma jaula firme
Para pangarés
De pé, balançando
Desgraçadas marionetes
Circulando na cidade
Olhos vidrados no
Brilho inacessível
Trincando no ar.

A onça paluá
Furou os olhos
Com lanternas
Bebeu gasolina e
Corre encantada
Pelo mundo enorme
Na arte de seguir, fazer
Sangrar a rês nas unhas:

Ponta-de-lança
Verde-esmeralda
Vermelho-sangue
Branco-lápide
Azul terrível!

Rajadas de nomes
De cidades, frutas e pedras
Refletem-se nos olhos
Marejados
De cansados pangarés.
A luz gritante
Bate nos dentes da onça
Rebate nos pobres olhos
De velhos pangarés

Ressentimento, ponto cego
De espelho retrovisor:

O que ficou para trás
Ainda visível
O fim da ansiedade
Doida
Início de milênio promissor não
Ser perseguido por ninguém
Correr e não sair do lugar:


(O menino ficou ir-
Reconhecível com a cara
Macerada
Não pôde ser reconstituído
Pelos legistas, nem pela
Poesia
Ferro é mais duro que a carne
Desde então um pesadelo
Na cabeça:

O menino escondido
Num pedaço de pano e
Duas botas pretas)

3 comentários:

Aldemar Norek disse...

sei lá,Daniel, às vezes leio um poema e fico trocando mentalmente umas coisas. P. ex. - macerada por massacrada, para pangarés por pra pangarés, dos cansados pangarés por de cansados pangarés, o mesmo para de velhos pangarés...

tirava o desgraçadas...

mas estas coisas são técnicas e ao mesmo tempo pessoais, tvz.

o que este poema (parece que) discute, o tal do "desplazamento", deslocamento, talvez precisasse de cortar algumas coisas que ficam ali pairando sem necessariamente significar.

talvez.

abração, Daniel!

Daniel F disse...

Oi Aldemar,

Gosto muito da sua leitura atenta. Olha só:

o macerada, prefiro à massacrada, tem um sentido um pouco diferente, mais a ver com que aconteceu no poema , também por causa do jeito de dizer.

o para, acho que no caso fica mais legal do que o pra. Entendo sua preocupação como querer "desornamentar" o poema, mas neste caso acho que o ritmo pioraria.

os dois "dos" concordo com você, vou mudar.

o "desgraçadas marionetes" é outra coisa, aí entra o tal do hermetismo. é que ando mergulhado no Graciliano. Tem um livro que sei que quase ninguém leu: uma homenagem foi feita a ele em 1942, o livro tem vários discursos, o de abertura é do Augusto Frederico Schmidt, aquele poeta católico cuja especialidade era espinafrar a a vaidade alheia, um moralista evidente, mas o mais impressionante é o discurso do Graciliano. Dele que vêm as desgraçadas marionetes. Como ando muito "graciliânico", nos últimos poemas de repente aparecem expressões assim. Não se trata de citação, é mais um tipo de mergulho mesmo. O leitor não percebe, não leu etc? Acho que às vezes, ou quase sempre, não podemos escrever para o leitor.

Outra constatação: que explica minha falta de estilo - não sei escrever sozinho.

Obrigado mesmo pelos seus comentários,

Daniel.

Aldemar Norek disse...

Como se dá este "não sei escrever sozinho"?
Não entendi....Escrever é por si só tão solitário...
abraços

ps. concordei com alguns dos seus arrazoados.