8/31/2008

prosa rala



Fui diluindo a idéia de seu corpo
no céu do meu tesão: assim fiz, tanto
que congelei, no lastro dos enganos,
o fogo que me ardia em dias mornos.
Não sei em que se funda o gesto humano
de amar alguém, porque estando absorto
neste exercício vago armei um curso
e arremessei a quilha já sem planos
até errar de labirinto - o amor
perdeu-se nos desvios da cidade,
vários desvarios, e a noite está de
acordo, ou parece estar, que a tor-
turante cilada que ronda a carne
insana de quem ama nunca é arte.

8/21/2008

nº 81




Mundo estranho, miragens
em movimento sob o sol
natural, vasto mundo plano
e você deu tantas voltas ao redor
sem perceber qualquer falha, seguindo
sem cosmologias no universo
circunstancial, acidental (“se calhar,
se calhar
”, alguém disse), restando
amorfo como este século de luzes
intermitentes, ou como quem errou
de endereço indo ao lugar
certo, ou devorando miragens
à margem de todo sentimento,
em larga escala, em alta
rotatividade, ou bancando
um vinho forte para cada alma
que sobrou dentro de sua cabeça
depois do desastre.
(das "Notas Marginais")
Um cafezinho
Com ódio de manhã.

Porretes quânticos
E místicos oferecendo
Muita, muita dettera
Pra adoçar com vidro
O café velho e requentado
Após o almoço.

(Notícias dão conta
De que o segredo do vidro
Mais transparente
Que toda a lucidez
Das furadeiras elétricas

É que o vidro inexiste se
Dilata e se vomita
Em nossas mentes
E nossos corpos)

8/17/2008

mais um lance




Descendo mais um lance em espiral
da escada, traço rápido um grafite
com um sorriso do gato de Alice
- enigmático e superficial -
simulando um motivo metafísico
no que risquei, afastado da arte,
nessas paredes. Não: é só da carne
que falo, mesmo escondido num mínimo
enigma e agarrado ao corrimão
no mergulho áspero rumo ao centro
inatingível, sem provar qualquer
profundidade, luminosa ou não,
nas coisas - e a escada vai descendo
abrupta e sem volta como viver.

Melancolia é a musa que come uma esfirra de carne (e tem o cerrado como paisagem)

A mensagem está gravada
No balcão de fórmica vermelha:



"Cale a boca como quem respira
O mistério

Mergulhado em seu silêncio
Se deixe levar
No maravilhoso território
Dos martelos e das rodas dentadas,
Das tosses e do rumor
Confuso dos pássaros etiquetados,
Do bater dos carimbos nos papéis que descansam
Como folhas mortas.

Não corra, não se atropele
Não faça como aqueles que despertam
As folhas em redemoinhos insanos
Espirais de ruídos, feridos desejos vivos
Tagarelice viscosa de
Pessoas mortas que falam,

Ausentes ou distantes como você –
Blasé de ponto de ônibus
Remoendo seu silêncio."

8/13/2008

circunstância, 2




Você não vem novamente. Alegou,
por último, qualquer outra razão
que tenta demonstrar que as coisas são
como devem, e elas, no fundo, estou-
ram à frente de nossos olhos sem
motivo que explique o repetido
espetáculo banal, sem estilo,
desta fantasmagórica miragem.
Sua cidade e a minha ainda seguem
no seu ritmo - eu não: me afundo mais
na anestesia ácida que o corpo
arranca dos hormônios em vertigens
provisórias e circunstanciais,
bem como dos poemas e do amor.

8/12/2008

em torno de




Tempo demais perdido nestes versos,
sua passagem traçando novas linhas
em folhas que foram brancas e em certos
lugares por onde nunca andei - minhas
certezas de então, ilusões, desejos,
sonhos sem chão que um dia os apoiasse,
ainda vibram, turvos mais que plenos,
entre as letras sem rumo, quer me atrase
ou não para jogar todas as fichas
na banca do destino, crupiê
ou gigolô, não sei, enquanto ouço
ela dizer “meu bem, coma as salsichas
antes que esfriem!
”, sem me entender
ou à vida, este calabouço doce.

8/08/2008

Mais um da série Livros Insanos e Proféticos. Hoje, com vocês: A Terceira Guerra Mundial; por: General Sir John Hackett e outros generais

"Na sociedade mais viciada em televisão da Europa, o Reino Unido, o vídeo desempenhou um papel curiosamente discreto. Em 1985 ele havia se tornado, sob todos os aspectos, a principal fonte de informação e de entretenimento para o povo. Os vários sistemas de dados tele-impressos que à aquela altura se haviam tornado lugar-comum haviam-lhe emprestado a dimensão de um jornal diário, desenvolvimento esse que enfraqueceu ainda mais o impacto da imprensa escrita. Quando a guerra chegou, o público voltou-se para a televisão para obter notícias, orientação e informação, bem como a obtenção daquele MÌNIMO DE ENTRETENIMENTO do qual o espírito humano, por mais perto que esteja da CATÀSTROFE, tem necessidade. As primeiras, as organizações de televisão podiam fornecer copiosamente. Durante os primeiros dias de luta os vídeos foram entregues quase que inteiramente a programas noticiosos, entremeados com mensagens a respeito de assuntos como racionamento e evacuação. Havia também freqüentes discursos de líderes governamentais.

Nessa área, as televisões pisavam em terra firme, porém seu toque era muito menos seguro quando se tratava de entretenimento. Recaíram, a princípio, na música, tocada por trás de cartões com os títulos. Porém, a moderna música do ROCK parecia estranhamente deslocada. O entretenimento leve e a comédia escrachada soavam como notas falsas que, depois de um canal após outro ter usado como forma de alívio para a tristeza reinante, foram abruptamente abandonados. Uma estação regional britânica recebeu reação imediata e calorosamente entusiasta quando passou sem relutância para grandes quantidades de música francamente patriótica. Porém, há um limite para o número de vezes que até mesmo a BOSSA NOVA pode ser tocada num espaço de 24 horas. Uma solução logo encontrada foi a exploração de novelas sentimentais. Reapresentações de Rua do Coração e Encruzilhada foram excepcionalmente bem aceitas, talvez por relembrarem a normalidade que outrora existia e que, com sorte, voltaria a existir novamente. E os filmes de faroeste, aquele indestrutível bastião da televisão desde os seus primeiros dias, também foram bem aceitos na guerra, com sua receita de fantasia baseada na realidade e suas confortadoras mensagens de que, no fim, os bons e os justos sempre triunfam."

8/03/2008

Opereta (pra ser encenada em qualquer hotel)

Ubu-Estilista entra no saguão do Uberplace. Oito olhos na cabeça grande, muitas bocas, línguas grandes, cabelo arrepiado. Sobe lentamente pela escada. Em cada andar deixa um dos seus quatro pares de óculos escuros, como se fossem oferendas e ele um tipo de sacerdote. No quinto andar entra na Suíte Penitencial e da varanda proclama, naquele ritmo tipicamente papal, de canto falado:
- Vocês sabiam que:
- Pobre prefere pepsi-cola porque é mais doce?
- A classe média prefere o amargo
Da coca-cola?
- Os 2 princípios são a sanca e a cerca elétrica? Os pequenos e escuros labirintos?
- Certas perguntas não devem ser feitas num açougue?




Nas outras varandas surgem as Capivaras, usando bigodinhos à Castro Alves, vestidas como aquelas crianças da serenata de natal:
- Ó preclaro mecenas, prometemos:
- Estourar miolos de estudantes. Celebrar nossos aniversários bêbados, caídos em frente às padarias. Mostrar nossas certidões de nascimento à polícia.




Ubu-Estilista responde:
- Que figuras exemplares!
- Vocês levarão dois brindes: um círculo dourado (no formato de um dos andares do inferno) com o desenho de um mapa em traços negros. O mapa da mina pra vocês, soldados rasos, pendurarem no pescoço. E ainda mais, um grosso e reluzente supositório da Unimed, no modelo Maiêutica a Fórceps.




Uma das capivaras responde, depois de limpar os restos de strogonoff de frango do bigode:
- Magnífico, sempre sonhei com esse dia top de linha, com secretárias obesas que guardam poemas nas gavetas, desde minha infância imito o típico rastejar do calango do Planalto Central, nada me impede de, um pouco mais colado ao chão, chegar ao nível da lagartixa, tenho minh’alma carimbada pelas flores espinhosas do cerrado.



Ubu-Estilista encerra a cerimônia:
- Vocês têm um grande futuro pela frente, eu barganho com o presente. Quando aqui cheguei, esta merda era só estrada de terra. Nenhum clubezinho sequer. Com minhas mãos comecei a cavar esta vala, quer dizer lavar este vale, quer dizer gravar esta mala que vocês de hoje em diante carregarão, sempre mais fundo, cavando uma boquinha se me permitem a expressão. Só não vos chamo de cordeiros porque cordeiros são apetitosos e não causam ânsia de vômito.