8/03/2008

Opereta (pra ser encenada em qualquer hotel)

Ubu-Estilista entra no saguão do Uberplace. Oito olhos na cabeça grande, muitas bocas, línguas grandes, cabelo arrepiado. Sobe lentamente pela escada. Em cada andar deixa um dos seus quatro pares de óculos escuros, como se fossem oferendas e ele um tipo de sacerdote. No quinto andar entra na Suíte Penitencial e da varanda proclama, naquele ritmo tipicamente papal, de canto falado:
- Vocês sabiam que:
- Pobre prefere pepsi-cola porque é mais doce?
- A classe média prefere o amargo
Da coca-cola?
- Os 2 princípios são a sanca e a cerca elétrica? Os pequenos e escuros labirintos?
- Certas perguntas não devem ser feitas num açougue?




Nas outras varandas surgem as Capivaras, usando bigodinhos à Castro Alves, vestidas como aquelas crianças da serenata de natal:
- Ó preclaro mecenas, prometemos:
- Estourar miolos de estudantes. Celebrar nossos aniversários bêbados, caídos em frente às padarias. Mostrar nossas certidões de nascimento à polícia.




Ubu-Estilista responde:
- Que figuras exemplares!
- Vocês levarão dois brindes: um círculo dourado (no formato de um dos andares do inferno) com o desenho de um mapa em traços negros. O mapa da mina pra vocês, soldados rasos, pendurarem no pescoço. E ainda mais, um grosso e reluzente supositório da Unimed, no modelo Maiêutica a Fórceps.




Uma das capivaras responde, depois de limpar os restos de strogonoff de frango do bigode:
- Magnífico, sempre sonhei com esse dia top de linha, com secretárias obesas que guardam poemas nas gavetas, desde minha infância imito o típico rastejar do calango do Planalto Central, nada me impede de, um pouco mais colado ao chão, chegar ao nível da lagartixa, tenho minh’alma carimbada pelas flores espinhosas do cerrado.



Ubu-Estilista encerra a cerimônia:
- Vocês têm um grande futuro pela frente, eu barganho com o presente. Quando aqui cheguei, esta merda era só estrada de terra. Nenhum clubezinho sequer. Com minhas mãos comecei a cavar esta vala, quer dizer lavar este vale, quer dizer gravar esta mala que vocês de hoje em diante carregarão, sempre mais fundo, cavando uma boquinha se me permitem a expressão. Só não vos chamo de cordeiros porque cordeiros são apetitosos e não causam ânsia de vômito.

Um comentário:

Aldemar Norek disse...

Daniel, a sensação que dá é que estes textos fazem parte de um projeto maior, de um todo mais organizado e orgânico, onde eles terão correspondência e ressonância uns nos outros.
Estou errado?
De todo modo gosto bastante da veia desbragada que fala na voz "política" deles. Detesto "poesia política" (por expemplo, abomino o Neruda do Canto Geral, no geral -...-, impressionantemente inferior ao dos 20 poemas de amor e uma canção desesperada e outros que não lembro o nome, como o do tigre 'supersimbolista', entre outros). Já estes seus poemas partem de uma ironia, um sarro que se tira, mas um sarro triste - é isso que gosto deles. Ou entendi tudo errado?
abração.