4/25/2010

Poesia de domingo

Num dia de luz inclinada, meio amarela, um calor suave de um sol quase ausente.

Paro pra abastecer o carro e a frentista me pergunta se fui eu o sujeito que apareceu hoje no jornal. Não sei que sujeito é esse. Ela me explica: um músico qualquer.

É a segunda vez que me confundem com isso. Em João Pessoa um garçom me perguntou se eu era um cantor de rock. Sei lá, queria ser, se bem que não, músico talvez, cantor de rock não, não do jeito que o garçom falou.

Hoje é sair com minha mãe e meu irmão e durante o almoço minha mãe calada. Algumas vezes perguntamos se ela está bem. Ela é sempre assim, olhando pra baixo, olhando pra qualquer coisa. Eu falo com meu irmão que queria comprar pra ele o livro Os vagabundos iluminados, que é sobre a procura da Iluminação em viagens de trem e longas viagens solitárias em montanhas. Digo ao meu irmão que isso apenas é possível nos Estados Unidos onde, ao menos segundo o mito, e mito não é o mesmo que mentira, um andarilho sempre encontrará alguém que o ajude, penso, e não falo com ele, no filme Into the wild, penso, e não falo com ele, em Henry Thoreau. Digo ao meu irmão que no Brasil um vagabundo iluminado se tornaria, inevitavelmente, um mendigo isolado, olhando pros lados e pra baixo como quem foge. Aqui só tem espaço pra turmas e pra alegria desesperada. E, tudo bem, eles tiveram Whitman, nós, Gonçalves Dias, e tudo bem, eles são os porcos imperialistas e nós somos a primeira democracia racial do universo. Meu irmão discorda, sobre a questão de virar mendigo, ele me diz que Deus sempre vai arrumar alguém, um anjo qualquer, pra te ajudar no caminho (minha mãe, ainda calada).

Paramos numa farmácia. Eu e meu irmão ficamos no carro, ele me pergunta se já estou melhor, depois da separação, se já esqueci, respondo que tem horas em que esqueço e horas em que me lembro, penso, não falo com ele, se isso quer dizer que esqueci ou não. Eu ia dizer pra ele que o mais difícil não é me separar dela é me separar das coisas que ouvi, mas minha mãe volta ao carro e não falo sobre o assunto, ela não vai querer ouvir, porque o que ouvi é uma acusação contra várias gerações, aquele lance grego de miasma de sangue familiar que não presta. Um papo meio nazistinha, ou pelo menos inspirado em eugenia, a psicóloga da minha ex-mulher deve ser um misto de Walter Mercado (o sotaque espanhol) com Renato Kehl.

O que falo com meu irmão é que estou com muita preguiça de parecer interessante e as mulheres em geral ficam esperando isso, não que você seja interessante, não sou interessante, mas que você mostre que está se esforçando em parecer interessante. E a única pessoa que parece valer a pena mora muito longe e deixou de responder meus emails.

Depois disso, sigo sozinho, mas não posso voltar pra casa, minha ex-mulher quer visitar a gata e me disse por email que outro dia seria impossível porque ela, palavras dela, “tinha um compromisso” no sábado. Dou um volta um pouco maior de carro por Brasília, escolho um caminho que me permita ver o lago. Fico pensando se eu usaria essa expressão com alguém, uma pessoa que tivesse de sair de sua casa pra que eu entrasse. “Tenho um compromisso”, no mínimo eu seria mais específico, uma reunião de trabalho, um almoço com amigos, qualquer coisa. (Uma vez eu estava num banco, uma yuppie entrou na minha frente e me disse exatamente isso: “Licença, mas eu tenho um compromisso”, eu respondi: “tenho certeza de que o seu compromisso é mais importante que o meu”, sei lá, eu devo mesmo ter cara de cantor de rock ou vagabundo ainda não iluminado).

Mas não, neste caso eu apenas disse amém, assim seja, e saí pra dar uma volta de carro por Brasília. No caminho ouço aquela música do Bob Dylan, most of the time she ain’t even in my mind, I wouldn’t know her if I saw her she’s that far behind. Most of the time.

Não disse pro meu irmão, mas pensei em como eu gostaria que o poema fosse um tipo de oração, comprei um livro sobre sufismo e imaginação criativa. E no sufismo a poesia é uma oração e só há oração com poesia, mas poesia cheia de prosaísmo, o prosaísmo da vida, os problemas singulares comuns, que é como penso em deus. Não alguém que faz planos pra gente, mas como o puro prosaísmo da vida: uma luz meio amarelada, um sol quase ausente em seu calor frio, o som ligado, um pouco de vagabundagem. Não uma coisa inteira, plena, mas aquilo que foi quebrado, os estilhaços, as rachaduras no muro (caso contrário, não veríamos a luz) e isso no momento em que toca aquela outra música Everything is broken.

E tem dias em que a poesia bate na sua cara, é difícil de explicar, tem dias em que um prosaísmo mais intenso quase vira poesia e você se pega pensando em como gostaria de ser um poeta melhor pra dizer as coisas necessárias.

2 comentários:

Unknown disse...

Poesia e Evolução Humana
Ensaio sobre a importância da poesia para a humanidade
Autor: Orácio Felipe
Descrição :
Qual a contribuição da Poesia para a evolução da humanidade? Numa rápida abordagem conversamos com os leitores sobre o significado e importância da poesia para "derreter" as algemas que muitas vezes nos aprisionam. A poesia é também uma manifestação simbólica, que revela o universo do autor mas também influi no universo do leitor, proporcionando uma expansão da consciência. Em muitos casos leva até a revolução. Listando algumas poesias e músicas evidenciamos momentos onde a evolução cultural beirou a revolução e libertou. Quiçá pudéssemos alimentar nossos educandos com boa literatura desde tenra idade.

www.clubedosautores.com.br

Aldemar Norek disse...

Mas você só disse coisas necesárias aqui, Daniel.
Este poema é vertical.
Abraço!