2/27/2011

A irmã siamesa da minha namorada. microconto

Quando eu conspirava com os pássaros bêbados do Jardim Oricellari, a irmã siamesa da minha namorada me fez uma visita. E eu nem sabia que minha namorada tinha uma irmã siamesa. Todo o ônus estético da cirurgia de separação dos corpos ficou por conta da tal irmã. Minha namorada é linda, pele elástica e suave, a sua irmã tem a metade direita da cabeça cheia de manchas vermelhas, a pele enrugada, como se ela tivesse passado por profundas queimaduras. A pupila de seu olho direito é prateada, quando ela fala soa como um dueto desafinado, porque sua voz é estranhamente dissociada em duas. A irmã siamesa da minha namorada se ofereceu para ser minha amante. Nela, eu poderia confiar cegamente, porque o sofrimento e a destruição levariam à virtude. Minha namorada, disse a sua irmã, tem seus momentos de maldade: a beleza leva a um tipo de inocência um tanto perversa. E eu sofreria muito por causa disso. Isso me soou estranhamente a um canto de sereia, ainda que lodoso, sacrificial. Afastei de mim o cálice, despertando para a lucidez do dia. (Mais tarde, descobri que a irmã siamesa de minha namorada tinha chegado no porta-aviões de Noé. Sua verdadeira intenção era bisbilhotar, descobrir como estávamos vivendo, nós, os seres marinhos viventes do dilúvio).

Um comentário:

Daniel F disse...

que porra é essa