Lá: clarão artificial cercado por verde-cinza. Mar aberto no céu
em expansão. O horizonte para todos os lados, compondo inclusive o ar e sendo por ele expirado. Como nos sonhos de olhos cerrados, abertos para que outras luzes se soltem na jaula escura.
Aqui: a abertura vai no sentido da profundidade. A saída é para baixo, poço escondido entre fios e cimento. Mesmo não sendo está mais para sertão, um açude cercado por terra rachada.
Aqui: a beleza brota no fundo. Não podendo ser respirada exige mineração, desde a construção das galerias até o encontro com a pedra verde.
Aqui: você é translúcido como uma aparição, mas padece como lâmpada dotada de tato.
Aqui: não existem pássaros, apenas ratos voadores comedores de migalhas sem o pudor dos ratos que se escondem
em bueiros. Ratos de olhos vermelhos.
Lá: nunca se viu um fantasma (esquecer a conversa dos Palácios).
Aqui: a cidade cresce amendrontando o céu – martirizado, indicando medo. A professora universitária mantém um gavião real em cárcere privado, preso no quartinho de empregada.
Lá: a chuva é anunciada, vem aos poucos e no dia seguinte a cidade abandona o amarelo da sede e se expande totalmente verde.
Aqui: quando a chuva vem, cai com tudo e os sinais de trânsito dizem nem sim nem não, como deuses arcaicos.
Lá: não há mais deuses, dissolvidos na luz.
Lá: quando você olha o céu fixamente seu sangue azula. Mas não no azul da nobreza e sim no azul de sanguessugas secando na secura desértica. O Senhor Ministro encomenda potentes umidificadores para a residência oficial.
Aqui: restos mortais de um imenso jequitibá dourado brilhante representam a pujança do interior. Matronas e Bustos de Família andam esverdeados depois de devorarem milhares de jabuticabas todas as manhãs, ao lado da estátua de Plínio Salgado.
Lá: nos bares, bêbados vomitam versinhos sobre as putas de Brasília.
Aqui: um sujeito com restos de grama na cabeça e um pedaço de fio elétrico amarrado no braço estraga o domingo dos cidadãos – como se todos estivessem bêbados logo de manhã em Campinas.