Quando você é vulgar: apenas negocia convenções, não domina os segredos, qualquer um pode dizer que árvore é o nome de uma cidade, que cidade é o nome de uma arma, que arma é um sentimento, que sentimento é o nome de um faraó. A língua epistolar é a conversa vulgar no desentendimento, mesmo que este ocasione encontros repentinos e imprevistos. É quando uma criança autista diz pra você: se o mundo gira, porque você não fica tonto?
9/30/2008
nº 86
Cidades são reais, o pensamento
não se sabe, cidades são
reais, meu chapa, sejam fossas
geladas ou panelas de pressão, chapa quente,
tanto faz, ruas emaranhadas ou largas
avenidas, são labirintos (“algumas toneladas
de pedras ao alto”, ele disse)
porque espelham o que se forma
por dentro por precipitação (aqui você
repete o delírio recorrente
de encontrar explicação
onde não existe, de arremessar fora de si
a paisagem da imaginação – não, estas
paredes que o pensamento ergueu
por dentro são outra
formulação alucinada
do seu desespero, o mesmo
que arriscou metamorfoses, uma
atrás da outra, até
desembocar no espanto de ser
outra vez não mais que o mesmo
do princípio).
(das "Notas Marginais")
9/29/2008
N. 85. Ou, o sonho de Gregor
1
Anuncio ao interfone uma carta
Num envelope tão branco,
Quase translúcido.
Na carta, ainda que num texto
Repleto de linhas negras
De um plástico indecifrado
Ofereço o seio canceroso
De minha mãe:
A ser levado num tupperware,
A qualquer funcionário dedicado
E indiferente.
Ou quem sabe
Ofereço trechos da minha carne
Ao grande açougue
Dos robôs sanguíneos –
Tanto faz, afinal
Qualquer carne é branco-rosa
E repulsiva,
Como a dos peixes
Quase podres entre as pedras
De gelo.
O envelope, contudo,
É quase translúcido
E tem que passar pelas mãos
De Oito-Olhos (desta vez
Convertido numa velha de cabelos vermelhos,
Responsável pela comodidade
Do condomínio).
2
Oito-Olhos interrompe o laborioso serviço de faxinar o asfalto com torrentes de água, aperta a vista como o senhor de sua atenção que ele é, tenta desembaraçar o conteúdo, as linhas negras que amarram a carne da carta.
Oito-Olhos sorri com indisfarçável alegria:
Ali,
Onde não sou digno
De confiança
É onde sou fraco.
Anuncio ao interfone uma carta
Num envelope tão branco,
Quase translúcido.
Na carta, ainda que num texto
Repleto de linhas negras
De um plástico indecifrado
Ofereço o seio canceroso
De minha mãe:
A ser levado num tupperware,
A qualquer funcionário dedicado
E indiferente.
Ou quem sabe
Ofereço trechos da minha carne
Ao grande açougue
Dos robôs sanguíneos –
Tanto faz, afinal
Qualquer carne é branco-rosa
E repulsiva,
Como a dos peixes
Quase podres entre as pedras
De gelo.
O envelope, contudo,
É quase translúcido
E tem que passar pelas mãos
De Oito-Olhos (desta vez
Convertido numa velha de cabelos vermelhos,
Responsável pela comodidade
Do condomínio).
2
Oito-Olhos interrompe o laborioso serviço de faxinar o asfalto com torrentes de água, aperta a vista como o senhor de sua atenção que ele é, tenta desembaraçar o conteúdo, as linhas negras que amarram a carne da carta.
Oito-Olhos sorri com indisfarçável alegria:
Ali,
Onde não sou digno
De confiança
É onde sou fraco.
nº 84
Nenhum amor pela cidade, muito
pelo contrário, rancores
cuidadosamente cultivados como
flores, feridas
expostas ao mesmo ar que alisa
a superfície de tudo, contínua,
como se a beijasse, ar
que nunca ampara ainda que envolva
gelado ou turvo, tanto faz, neste mundo
estreito – você formula
absurdos como erguer paredes contra o ar
tornado vento quando imagina
ele trazendo mensagens do passado em forma
de lâminas ferozes, mas lembra
que paredes são memória
dura; formula então
torná-las labirinto, emaranhado
onde se possa encapsular
esta brisa que lhe arranha
a pele, e pensa mais, grafites
que apontem vertigens onde perder
o corpo,
grafites por toda a superfície
alçada contra o ar, pura
vertigem, nenhum
amor pela cidade, nenhuma cidade
possível.
pelo contrário, rancores
cuidadosamente cultivados como
flores, feridas
expostas ao mesmo ar que alisa
a superfície de tudo, contínua,
como se a beijasse, ar
que nunca ampara ainda que envolva
gelado ou turvo, tanto faz, neste mundo
estreito – você formula
absurdos como erguer paredes contra o ar
tornado vento quando imagina
ele trazendo mensagens do passado em forma
de lâminas ferozes, mas lembra
que paredes são memória
dura; formula então
torná-las labirinto, emaranhado
onde se possa encapsular
esta brisa que lhe arranha
a pele, e pensa mais, grafites
que apontem vertigens onde perder
o corpo,
grafites por toda a superfície
alçada contra o ar, pura
vertigem, nenhum
amor pela cidade, nenhuma cidade
possível.
(das "Notas Marginais")
9/27/2008
nº 83
Retirados os sonhos você se ergue sobre o nada, eles eram
uma escada alucinada de apoio
sobre o real, e agora
quando representa seus papéis-
moeda, vendendo barato
o que quer que seja (“tenho os dias contados
como notas velhas na carteira, fora os inconfessáveis delírios
de absoluto”, ele disse,”à espreita,
até que o destino se distraia”), vê tão claro
no espelho uma embalagem seriada, anônima (“e prolixa”, ele disse)
enquanto luzes frias como a razão que se esquiva lembram
que palco e platéia, lado a lado, estão juntos
dentro do mesmo
teatro, mundo.
(das "Notas Marginais")
uma escada alucinada de apoio
sobre o real, e agora
quando representa seus papéis-
moeda, vendendo barato
o que quer que seja (“tenho os dias contados
como notas velhas na carteira, fora os inconfessáveis delírios
de absoluto”, ele disse,”à espreita,
até que o destino se distraia”), vê tão claro
no espelho uma embalagem seriada, anônima (“e prolixa”, ele disse)
enquanto luzes frias como a razão que se esquiva lembram
que palco e platéia, lado a lado, estão juntos
dentro do mesmo
teatro, mundo.
(das "Notas Marginais")
9/24/2008
O olhar oblíquo do mundo virtual
Só espero que não
Estejamos construindo o novo
Arranha-céu
Sobre um abismo,
Palavras melodramáticas do engenheiro
Sobre a cratera do World Trade Center.
Na fossa gelada
De Uberlândia, jamais pensei que aqui
Precisaria de um casaco,
Penso nisso enquanto leio a notícia
Distraído e depois
Me desculpo teorizando sobre o nosso
(meu, seu e dele) egoísmo, sobre a arte de representar
Que é como andar armado,
Um canastrão justiçador, fazendo sermões
Inócuos, online, e como foram
Necessários 500 anos de aporrinhações & palmatórias
Pra que os ocidentais aprendessem a regular
Seus peidos.
E me esquivo novamente assim:
No dia em que as torres gêmeas
Ruíram, futuros cientistas
Sociais celebraram, virando ruidosamente copos
De cerveja sobre as mesas de plástico
Vermelho, é mesmo um mundo de ponta-cabeça
Quando ficamos bêbados
Logo de manhã.
Estejamos construindo o novo
Arranha-céu
Sobre um abismo,
Palavras melodramáticas do engenheiro
Sobre a cratera do World Trade Center.
Na fossa gelada
De Uberlândia, jamais pensei que aqui
Precisaria de um casaco,
Penso nisso enquanto leio a notícia
Distraído e depois
Me desculpo teorizando sobre o nosso
(meu, seu e dele) egoísmo, sobre a arte de representar
Que é como andar armado,
Um canastrão justiçador, fazendo sermões
Inócuos, online, e como foram
Necessários 500 anos de aporrinhações & palmatórias
Pra que os ocidentais aprendessem a regular
Seus peidos.
E me esquivo novamente assim:
No dia em que as torres gêmeas
Ruíram, futuros cientistas
Sociais celebraram, virando ruidosamente copos
De cerveja sobre as mesas de plástico
Vermelho, é mesmo um mundo de ponta-cabeça
Quando ficamos bêbados
Logo de manhã.
9/22/2008
nº82
Estende um infinito entre você e a paisagem, tão perto,
cortinas de vidro se liquefazendo à frente
dos seus olhos e de camadas de asfalto: cada uma
contém em seus mapas impressões do absurdo
que teve por destino transportar, surdamente,
na treva ou sob o sol – “seu corpo”, ele disse,"não ouvia
as coisas todas gritando em desespero
à sua passagem, as coisas
aturdidas diante da agressão
dos seus olhos”. Limites, exílios, silêncios,
viagens sem retorno, abismos
entre as coisas e as palavras, você
pulou porque quis.
(das "Notas Marginais")
cortinas de vidro se liquefazendo à frente
dos seus olhos e de camadas de asfalto: cada uma
contém em seus mapas impressões do absurdo
que teve por destino transportar, surdamente,
na treva ou sob o sol – “seu corpo”, ele disse,"não ouvia
as coisas todas gritando em desespero
à sua passagem, as coisas
aturdidas diante da agressão
dos seus olhos”. Limites, exílios, silêncios,
viagens sem retorno, abismos
entre as coisas e as palavras, você
pulou porque quis.
(das "Notas Marginais")
9/19/2008
Novo Pequeno Dicionário das Aproximações
Vida (s.f.)
Relaxe, é apenas um jogo e, de forma geral, em função da natureza da maior parcela dos jogadores envolvidos, tem um cunho absolutamente banal, supérfluo e superficial. Tem ainda contra si os seguintes aspectos: você não pede para jogar, quando dá por si está no meio do jogo, e geralmente perdendo; por um dispositivo desconhecido (provavelmente sua limitadíssima percepção), você nunca sabe se é jogador ou uma simples peça, ou os dois, simultanea ou individualmente; você não escolhe em que parte do tabuleiro será lançado no início da partida, o que pode significar enorme desvantagem, o que acontece na maioria dos casos (ou seja: você pode ser um príncipe encantado ou um sapo, sem que para isso concorra o mérito ou escolha sua). Como se não bastasse, só há um resultado possível: você vai perder, amigão, não importa o que faça – pode até estar, provisoriamente, em vantagem sob um ou outro aspecto, mas no final você se fode. Talvez o melhor que se possa fazer seja aproveitar as vertigens circunstanciais e igualmente provisórias que certos lances proporcionam.
Relaxe, é apenas um jogo e, de forma geral, em função da natureza da maior parcela dos jogadores envolvidos, tem um cunho absolutamente banal, supérfluo e superficial. Tem ainda contra si os seguintes aspectos: você não pede para jogar, quando dá por si está no meio do jogo, e geralmente perdendo; por um dispositivo desconhecido (provavelmente sua limitadíssima percepção), você nunca sabe se é jogador ou uma simples peça, ou os dois, simultanea ou individualmente; você não escolhe em que parte do tabuleiro será lançado no início da partida, o que pode significar enorme desvantagem, o que acontece na maioria dos casos (ou seja: você pode ser um príncipe encantado ou um sapo, sem que para isso concorra o mérito ou escolha sua). Como se não bastasse, só há um resultado possível: você vai perder, amigão, não importa o que faça – pode até estar, provisoriamente, em vantagem sob um ou outro aspecto, mas no final você se fode. Talvez o melhor que se possa fazer seja aproveitar as vertigens circunstanciais e igualmente provisórias que certos lances proporcionam.
La Boetie (Ou Network Canastrões Iltda)
O segredo do Um
Está escondido nas festas
E jogos que ele promove, está
Escondido nas sentinelas
Que o protegem, contudo
O segredo do Um
Não é o mesmo que suas armas
Por bem dispostas que estejam
Nem o mesmo que seus cavalos,
Por mais velozes, o segredo do Um
Não tem a transparência das taças
De vinho, nem é plano
E frio como os tabuleiros de xadrez;
O Um sempre é servido por 4 ou 5
Que o sustentam
Como os canhões de ar
Que mantêm o suspense
Dos números nas loterias nacionais e
Estes 5 ou 6 são os favoritos do Um,
Os sócios dos bens de suas pilhagens,
Cúmplices de suas crueldades
E estes 5 ou 6 são sustentados
Por outros 600 que crescem às suas sombras
E são coletores de impostos, corsários
Em miniatura
E quem se divertir em tecer esta rede
Logo chegará aos 1.000 aos 100.000
Aos milhões que com estas cordas
Se agarram ao Um, quando um simples
Não bastaria,
E assim visto ao revés
5 ou 6 suportam os males
Causados pelo Um para poderem
Causar outros males aos 600
Que calam o sofrimento para causarem
Outros males aos milhares que restam
E estes se entredevoram
Em torno do espólio que lhes sobrou, enfim
Este é o segredo do Um,
Sua lastimável fraqueza e seu (quase)
Indevassável poder.
Está escondido nas festas
E jogos que ele promove, está
Escondido nas sentinelas
Que o protegem, contudo
O segredo do Um
Não é o mesmo que suas armas
Por bem dispostas que estejam
Nem o mesmo que seus cavalos,
Por mais velozes, o segredo do Um
Não tem a transparência das taças
De vinho, nem é plano
E frio como os tabuleiros de xadrez;
O Um sempre é servido por 4 ou 5
Que o sustentam
Como os canhões de ar
Que mantêm o suspense
Dos números nas loterias nacionais e
Estes 5 ou 6 são os favoritos do Um,
Os sócios dos bens de suas pilhagens,
Cúmplices de suas crueldades
E estes 5 ou 6 são sustentados
Por outros 600 que crescem às suas sombras
E são coletores de impostos, corsários
Em miniatura
E quem se divertir em tecer esta rede
Logo chegará aos 1.000 aos 100.000
Aos milhões que com estas cordas
Se agarram ao Um, quando um simples
Não bastaria,
E assim visto ao revés
5 ou 6 suportam os males
Causados pelo Um para poderem
Causar outros males aos 600
Que calam o sofrimento para causarem
Outros males aos milhares que restam
E estes se entredevoram
Em torno do espólio que lhes sobrou, enfim
Este é o segredo do Um,
Sua lastimável fraqueza e seu (quase)
Indevassável poder.
9/18/2008
nº 80
Interpretando em erro a chama do instante, o mesmo
instante que cai, passa, muda, rompe, incinera, avança, some, perde-se
e já não é mais e seu brilho
ainda na curva acende o olhar de quem fica largado
olhando feito um pacote entregue no endereço
errado a orla do presente e as ondas
de vida batendo, batendo, batendo, tombando contra a membrana do corpo,
tão frágil,onde cada poro, aberto ou não, quer
dizer ao mundo e não diz: sublimação feroz, passagem
de um estado a outro, do peso
ao que flutua, gás, fumaça, décadas hostis,
asfixia.
(das 'Notas Marginais')
instante que cai, passa, muda, rompe, incinera, avança, some, perde-se
e já não é mais e seu brilho
ainda na curva acende o olhar de quem fica largado
olhando feito um pacote entregue no endereço
errado a orla do presente e as ondas
de vida batendo, batendo, batendo, tombando contra a membrana do corpo,
tão frágil,onde cada poro, aberto ou não, quer
dizer ao mundo e não diz: sublimação feroz, passagem
de um estado a outro, do peso
ao que flutua, gás, fumaça, décadas hostis,
asfixia.
(das 'Notas Marginais')
9/16/2008
Seu Mercado tem problemas psiquiátricos (manchetes do dia)
Bovespa sofre com a percepção &
A crise financeira muda o foco &
O mercado monitora os desdobramentos
Para aliviar o estresse do mercado.
É sintomático que
Bancos injetam milhões para acalmar mercados &
Hurricane also hits financial markets
An obviously desperate seller
In a sign of significant stress.
Maybe, only a tropical storm, ou
Un lunes negro en el mercado sigue golpeando hoy
Las malas expectativas sobre la situacion del gigante.
(Fazendeiro questiona como é possível manter a espécie piripkura se os 2 índios
são homens, "não tem índios não, são só dois moleques lá", "um indigenista
disse que tinha que preservar a espécie, mas índio não cria, como vão reproduzir
se são dois machos?")
A crise financeira muda o foco &
O mercado monitora os desdobramentos
Para aliviar o estresse do mercado.
É sintomático que
Bancos injetam milhões para acalmar mercados &
Hurricane also hits financial markets
An obviously desperate seller
In a sign of significant stress.
Maybe, only a tropical storm, ou
Un lunes negro en el mercado sigue golpeando hoy
Las malas expectativas sobre la situacion del gigante.
(Fazendeiro questiona como é possível manter a espécie piripkura se os 2 índios
são homens, "não tem índios não, são só dois moleques lá", "um indigenista
disse que tinha que preservar a espécie, mas índio não cria, como vão reproduzir
se são dois machos?")
9/15/2008
descartes
a obscuridade das distinções
e dos princípios de que se servem
é a causa de alguns poderem
falar de todas as coisas
como se as soubessem
e de sustentarem o que dizem
contra os capazes e os mais sutis
sem que se tenham meios de os convencer
por isso
tornam-se comparáveis a um cego
que para lutar sem desvantagens
contra alguém que não é cego
levasse o adversário para o fundo
de um subterrâneo
muito escuro
e dos princípios de que se servem
é a causa de alguns poderem
falar de todas as coisas
como se as soubessem
e de sustentarem o que dizem
contra os capazes e os mais sutis
sem que se tenham meios de os convencer
por isso
tornam-se comparáveis a um cego
que para lutar sem desvantagens
contra alguém que não é cego
levasse o adversário para o fundo
de um subterrâneo
muito escuro
9/14/2008
Uma fábula
O mundo é um jovem
Desajustado, precoce
E ao mesmo tempo
Um velho imaturo e ao
Mesmo tempo uma garota
Que passa os dias
Trancada numa biblioteca,
Não gosta, não tem, não quer ter
Amigos, a tola esclarecida.
A vida é uma senhora lúcida
E rebelde, por tudo,
Quase nada, qualquer coisa,
Um êmbolo e ela se sente
Sufocada, a vida sofre
De mania de perseguição.
A vida enterra sementes
Com raiva e brotam
Folhas verdes e ruidosas que dizem não
Dizem sim, dizem sim ao não,
Dizem não à liberdade, dizem sim
Ao libertário, dizem não ao anarquismo,
Dizem sim a tudo o que é anárquico &
Da terra revol
vida e revoltada
Brotam frutas selvagens
Pequenas feras doces e coloridas
O tempo, por sua vez, está grávido
De anacronismos. É um jogo,
Mortal, de crianças.
Mas as crianças não, estas
São insatisfeitas,
As crianças querem os cães
Domesticados, as crianças são pacientes
Quando o assunto é a ordem
Visível, evidente:
As crianças fabricam
Usando seus próprios corpos como engrenagens
Um imenso boneco, cheio de balas
Não, cheio de porretes &
Relógios & tesouras de jardinagem, mas
Esse boneco é um tirano
Vazio, chamado Oito-Olhos.
E ninguém sabe, ou finge não saber,
Num faz-de-conta, como o oco
Pode ser assassino, de onde vem
O pequeno
Poder de matar se
O boneco é um morto, mas
À sua sombra
As crianças dormem
Tranqüilas e livres
Do mundo, da vida e do tempo.
Moral da história: é de meter medo.
Desajustado, precoce
E ao mesmo tempo
Um velho imaturo e ao
Mesmo tempo uma garota
Que passa os dias
Trancada numa biblioteca,
Não gosta, não tem, não quer ter
Amigos, a tola esclarecida.
A vida é uma senhora lúcida
E rebelde, por tudo,
Quase nada, qualquer coisa,
Um êmbolo e ela se sente
Sufocada, a vida sofre
De mania de perseguição.
A vida enterra sementes
Com raiva e brotam
Folhas verdes e ruidosas que dizem não
Dizem sim, dizem sim ao não,
Dizem não à liberdade, dizem sim
Ao libertário, dizem não ao anarquismo,
Dizem sim a tudo o que é anárquico &
Da terra revol
vida e revoltada
Brotam frutas selvagens
Pequenas feras doces e coloridas
O tempo, por sua vez, está grávido
De anacronismos. É um jogo,
Mortal, de crianças.
Mas as crianças não, estas
São insatisfeitas,
As crianças querem os cães
Domesticados, as crianças são pacientes
Quando o assunto é a ordem
Visível, evidente:
As crianças fabricam
Usando seus próprios corpos como engrenagens
Um imenso boneco, cheio de balas
Não, cheio de porretes &
Relógios & tesouras de jardinagem, mas
Esse boneco é um tirano
Vazio, chamado Oito-Olhos.
E ninguém sabe, ou finge não saber,
Num faz-de-conta, como o oco
Pode ser assassino, de onde vem
O pequeno
Poder de matar se
O boneco é um morto, mas
À sua sombra
As crianças dormem
Tranqüilas e livres
Do mundo, da vida e do tempo.
Moral da história: é de meter medo.
9/10/2008
Novo Pequeno Dicionário das Aproximações
Mundo (s.m.)
Conjunto indistinto de forças cujo único objetivo é deixar você com cara de babaca, custe o que custar. Possui o dom de penetrar na mente das pessoas e através delas imprimir sua marca, seja na pele, na memória ou em sua biografia (quando assim é possível chamar a seqüência de fatos sem sentido ao longo de sua vida e se pode chamar de vida a seqüência de fatos sem sentido ao longo do tempo que lhe é concedido). Suas maiores armas são o dinheiro, o poder, a libido e instintos derivados, como o de matar, geralmente em grupos de dois ou mais. Escritores mais ou menos geniais têm a mania recorrente de compará-lo a labirintos, o que dá a perceber sua natureza não muito amigável (labirintos são, em geral, freqüentados por minotauros e outros tipos de caráter duvidoso...). No século XVII, um escritor tcheco, Comenius (1592-1670), representou-o como um caminho que se bifurca em seis outros, sendo que estes desembocam sempre no mesmo lugar, onde se alcançaria o conhecimento sobre a razão última de todas as coisas, e por isto torna-se evidente que tal poema foi escrito sob o efeito de algum poderoso alucinógeno ou meramente faltavam-lhe elementos mais objetivos para análise – talvez porque no referido poema o “herói” fazia-se acompanhar por outros dois personagens denominados “Engano” e “Sei-tudo” (o que demonstra serem duas faces da mesma moeda) e utiliza em sua odisséia lentes que lhe distorcem a compreensão das coisas. Como na vida, assim como ela é.
Conjunto indistinto de forças cujo único objetivo é deixar você com cara de babaca, custe o que custar. Possui o dom de penetrar na mente das pessoas e através delas imprimir sua marca, seja na pele, na memória ou em sua biografia (quando assim é possível chamar a seqüência de fatos sem sentido ao longo de sua vida e se pode chamar de vida a seqüência de fatos sem sentido ao longo do tempo que lhe é concedido). Suas maiores armas são o dinheiro, o poder, a libido e instintos derivados, como o de matar, geralmente em grupos de dois ou mais. Escritores mais ou menos geniais têm a mania recorrente de compará-lo a labirintos, o que dá a perceber sua natureza não muito amigável (labirintos são, em geral, freqüentados por minotauros e outros tipos de caráter duvidoso...). No século XVII, um escritor tcheco, Comenius (1592-1670), representou-o como um caminho que se bifurca em seis outros, sendo que estes desembocam sempre no mesmo lugar, onde se alcançaria o conhecimento sobre a razão última de todas as coisas, e por isto torna-se evidente que tal poema foi escrito sob o efeito de algum poderoso alucinógeno ou meramente faltavam-lhe elementos mais objetivos para análise – talvez porque no referido poema o “herói” fazia-se acompanhar por outros dois personagens denominados “Engano” e “Sei-tudo” (o que demonstra serem duas faces da mesma moeda) e utiliza em sua odisséia lentes que lhe distorcem a compreensão das coisas. Como na vida, assim como ela é.
O dom de ser observado
O sol te fisgou
No flagrante delito
De caminhar pelas ruas.
O sol tem dedos
Azuis, e unhas afiadas
No ofício das sanguessugas.
O sol se retorce por dentro
Do meu couro cabeludo
Como se o seu cérebro
Fosse massa de modelar.
O sol é uma puta, ou melhor
O sol é um olho vigilante
Que joga o clarão sobre você,
Imigrante ilegal, atrás
Dos muros da cidade qualquer.
O sol está grudado em sua pele
E nas paredes quentes do meu apartamento.
O sol torrou meus olhos
E se esconde no capuz preto
Porque sabe que é culpado
Porque, no íntimo,
Reconhece que o sol é um justiceiro
Cheio de razão, apesar
De você ser frio e verde escuro
Por dentro.
No flagrante delito
De caminhar pelas ruas.
O sol tem dedos
Azuis, e unhas afiadas
No ofício das sanguessugas.
O sol se retorce por dentro
Do meu couro cabeludo
Como se o seu cérebro
Fosse massa de modelar.
O sol é uma puta, ou melhor
O sol é um olho vigilante
Que joga o clarão sobre você,
Imigrante ilegal, atrás
Dos muros da cidade qualquer.
O sol está grudado em sua pele
E nas paredes quentes do meu apartamento.
O sol torrou meus olhos
E se esconde no capuz preto
Porque sabe que é culpado
Porque, no íntimo,
Reconhece que o sol é um justiceiro
Cheio de razão, apesar
De você ser frio e verde escuro
Por dentro.
9/03/2008
Um poema só links (em esperanto)
Apresento aos senhores a mais nova realização do neo-inutilismo. Com pitadas de ultra-regionalismo, é bom que se diga.
Assumir a mais completa e definitiva inutilidade da cultura, dedicando-se a uma tarefa suficientemente estúpida: aprender esperanto, por exemplo. De preferência usando o dinheiro suado do contribuinte, que talvez preferisse mais policiamento, mais clubes, asfalto mais liso etc etc etc. Mas, por que não esperanto?
Isso ainda não é suficientemente inútil. Renegar os avisos dos inventores desta bela língua e escrever um poema em esperanto. O ideal seria apresentar ao Mais! Ou à revista Bravo, pra sair com aqueles comentários: “mais um livro sobre o desespero”, “uma história de amor fracassado”, “a angústia, o nada, a desistência, nem a morte como consolo, a dor cultivada, a estética da miséria humana, o fim das esperanças, o mais desgraçado dos livros etc etc etc”, com uma foto do autor na página ao lado (um rosto pensativo e triste pra caralho atrás de um pouco de fumaça, a melancolia profunda dos cachimbos e por aí vai).
Não vai rolar, então faça você mesmo.
Taí o poema:
Nulo nokto estis, sed Noktuo.
Dio!
Mi marsas, sed la Hundoj kuras.
Cu la infantoj amas?
Sercu la pomjn tuj!
Mi estas varmeta, li estas varma
Li estas tre varma, sed neniu estas varmega.
Kie diablo no povas, tien viniron le sovas.
De peko kaj mizero estas pleno la tera.
Assumir a mais completa e definitiva inutilidade da cultura, dedicando-se a uma tarefa suficientemente estúpida: aprender esperanto, por exemplo. De preferência usando o dinheiro suado do contribuinte, que talvez preferisse mais policiamento, mais clubes, asfalto mais liso etc etc etc. Mas, por que não esperanto?
Isso ainda não é suficientemente inútil. Renegar os avisos dos inventores desta bela língua e escrever um poema em esperanto. O ideal seria apresentar ao Mais! Ou à revista Bravo, pra sair com aqueles comentários: “mais um livro sobre o desespero”, “uma história de amor fracassado”, “a angústia, o nada, a desistência, nem a morte como consolo, a dor cultivada, a estética da miséria humana, o fim das esperanças, o mais desgraçado dos livros etc etc etc”, com uma foto do autor na página ao lado (um rosto pensativo e triste pra caralho atrás de um pouco de fumaça, a melancolia profunda dos cachimbos e por aí vai).
Não vai rolar, então faça você mesmo.
Taí o poema:
Nulo nokto estis, sed Noktuo.
Dio!
Mi marsas, sed la Hundoj kuras.
Cu la infantoj amas?
Sercu la pomjn tuj!
Mi estas varmeta, li estas varma
Li estas tre varma, sed neniu estas varmega.
Kie diablo no povas, tien viniron le sovas.
De peko kaj mizero estas pleno la tera.
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