Você é um pretenso filósofo um pretenso poeta um pretenso outsider um pretenso professor um pretenso qualquer coisa da mesma forma que os outros estão pretensamente alegres pretensamente tristes pretensamente na sua, quer dizer na deles, em suma o Inferno é mera pretensão como outra qualquer, não interessa qual é a sua das máscaras que são pretexto de música que é pretexto de vida que é pretexto de longas caminhadas que são pretexto de morte que é um pretexto do Inferno que é um pretexto de você que é um mero pretexto, quer dizer talvez um mágico faça sumir o gato do apartamento como pretexto tardio e isso vai se repetir inúmeras vezes sempre como pretexto de outra coisa, você vai dizer que não era bem isso o gato pode ter sido enforcado, deixa eu dizer de novo de outro jeito, agora vai mas vai se repetir como os erros de uma máquina estressada, assim:
A sua língua é subliminar, todas as línguas são subliminares na montanha-russa supralunar, não estamos falando de torre de babel, certo?, não tem nada a ver, estamos falando de onde tudo o que se diz é pretexto de uma música inexistente, não há música nos ruídos, mas eles querem dizer alguma coisa ou você quer dizer alguma coisa naquilo que eles poderiam querer dizer, você não é um compositor sacramentado, você às vezes não suporta os ruídos, quer dizer “conversas”, eles têm que ser combinados como se alguém mudasse aleatoriamente a sintonia do rádio e isso, no final das contas, desse como resultado alguma música, algum esboço de música que é, aí está, quer dizer o Inferno, esta música dos diabos
Você pode inventar algo assim como uma montanha russa platônica e tecer comentários sobre a esfera de cristal, o éter, isso como alegoria, será mesmo que não é literal?, sobre a natureza líquida do tempo etc, os outros pensam que ele deve estar mentindo, cheio de pretensões ou pretextos, vão te filmar e colocar no youtube pra você ver lá o seu fantasma que (como todas as aparências) não mente, quer dizer mas a questão não é quem está fingindo e sim o que está sendo fingido quando todos estão fingindo, se todos não caíram, com você, dentro daquela velha história do mentiroso que só engana a si mesmo, o mais dantesco dos otários
Outros vomitam. Você sabe: é seu o vômito deles e as aparências (por isso, os fantasmas) não mentem, quer dizer
Você pode caminhar à vontade neste lugar em que nada muda de lugar você vai ter a sensação de caminhar em círculos mas aqui não há círculos você caminha em linha reta, para onde?, com sede, uma sede tão profunda que te faz criar caretas, taí, você virou uma caricatura, mas é aquela velha história da máscara que esconde o que mesmo? nada e do pesadelo de uma pessoa que bebe água, mas a água é ar e a sede continua e a pessoa acorda e percebe aliviada que era apenas sede mesmo e vai beber água e percebe que a água virou ar de novo, quer dizer as tais máscaras que ficam grudadas na cara, como as aparências (por isso os fantasmas) não mentem
O Inferno não está para além da vida, está logo abaixo da vida, é o que sustenta a vida e permite suas caminhadas e devaneios, o Inferno não é um castigo, é mais um pretexto para redenções súbitas e passageiras, isto é, pequenas passagens para o Paraíso, que também, por si mesmo, não é nada, sendo o Paraíso um pretexto do Inferno – ambos, pretextos da Realidade que por fim não é nada além de ruídos que solicitam, conclamam, forçam a barra no sentido de que alguma melodia saia desse vômito todo
Por exemplo, e isso é literal, você pode pensar em mergulhar observando com a devida concentração os olhos que ficam negros quando ocultos por uma máscara dourada – não se trata de uma máscara “poética” de um carnaval veneziano – e a garota que está usando a máscara não simboliza nada, além de ser bonita, nada de metáforas, por favor, trata-se apenas de uma forte variação de eletricidade, um curto-circuito como aquele que te fez desviar os olhos quando você ainda estava pretensamente em si, no pleno controle de suas (risíveis) capacidades então você resolveu se preservar, quer dizer hoje não, ainda sinto uma pedra, quer dizer uma perda, na boca do estômago e agora momentos depois você caiu no limiar dos olhos que devem estar por trás da máscara, já que é pra brincar de pop cult cite o campo gravitacional das naves em guerra nas estrelas, você se lembra quando ela tirou a máscara, foi antes de tudo, naquela hora em que tudo era pretexto, mas no exato instante em que, em que mesmo?, alguém grita e os seus (quer dizer, não os dela) olhos explodem
Você por um momento pensa em como seria bela uma recaída romântica, numa hora dessas?, e cantar a luz negra de um destino cruel ilumina esse teatro sem cor onde estou representando o papel de palhaço do amor e ri notando o que poderia ter de literal nisso tudo
Agora se o seu amigo te revelar que enfim você está morto há uns dez minutos, e um seu brother não mentiria numa hora dessas, e você sabe muito bem no que isso vai dar, em nada, porque tudo é alegoria (principalmente o Paraíso, o Inferno e a Realidade), aí você está frito rapaz, você definitivamente estará morto, até quando
Não é nada disso o que ele diz
Não me venha com essa você pode se lembrar do Dom Quixote que não via um elmo no lugar de um penico ele dizia que aquilo era um elmo enquanto para os outros aquilo era um penico, aquilo não é nada além de aquilo, mas aquilo não presta pra nada, é como vômito, ao contrário de elmo ou penico que não existem, mas, sei lá, servem pra alguma coisa, você não serve pra nada como a perda não serve pra nada e nem mesmo as máscaras servem pra nada, o que não impede que Dom Quixote seja ou aja como ou fingisse ser um louco, como numa doença psiquiátrica cujo sintoma é fazer-se de louco, a loucura de quem pretende ser louco, ou aquela frase tipo Napoleão Bonaparte foi um louco que acreditou ser Napoleão Bonaparte, ou como diria um desses psicólogos de poltronas televisivas, cada um vive a sua fantasia
Para os outros você e seus erros visíveis e risíveis é um lance inesperado, do seu ponto de vista, você e seus erros risíveis e visíveis, ah não, isso é inacreditável, quer dizer, por fora a surpresa e por dentro a perplexidade com as suas cagadas e você sempre achou canastrão e ridículo o choro simulado sem lágrimas e agora você está no Inferno e não tem lágrimas para chorar e melhor não falar de perdas, quer dizer derrotas, mas é só disso que você está falando, certo?, nas entrelinhas é isso, ponha mais essa na conta do vômito, de qualquer coisa que seja aquilo, melhor não comentar, aí é que você se engana, o Inferno não é o amor que ainda ontem se enforcou com o próprio cinto e deixou um bilhete tão cheio de revelações como não se esqueça de pagar a conta da luz etc, o papo é outro
Você estará grunhindo quando disser que são todos porcos
E todo esse egocentrismo, peraí, não vai dar em nada, você vai sair do Inferno como entrou, de mãos vazias, e quanto aos pequenos paraísos e pelo menos a eletricidade, é isso aí, nada vai dar em nada, você vai ser, na pior das hipóteses, uma paródia, um pretexto, algo assim como o sábio da montanha, na melhor uma sabedoria possível seria ficar nos ruídos sem procurar uma música, mas a partir de então você só falará por ruídos e mais uma vez sua sabedoria será inútil, e se isso fará de você um santo, um otário ou um xarope tanto faz
A festa foi boa, uma festa dos infernos
Um comentário:
Daniel,
Impressionante, quer dizer, uma realidade ácida, quer dizer, vida.
Abraço forte
aldemar
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