2/15/2008

discurso e ode do poeta Waly Salomão antes de se fechar a última porta do paraíso




(recebido por este que escreve num acesso psicográfico à lembrança imprecisa de uma noite em que o poeta bradava uns versos na praça cazuza em fins dos anos noventa)

eu sou o dervixe
a lua marginal
o enigma
e lanço pérolas aos poucos
devagar
com o andor que pude cavalgar
num transe

me segura
me segura que eu vou dar um troço
um truque
esse é o lance
eu troco porcelanas astrolábios
gengibre e madeiras do oriente
perfumes do meu canto
pelo que você quiser
eu troco
marfim e seda nobre
do meu canto
100 gr. de canela é ouro em pó
no armarinho nobre dos meus versos
casca de noz moscada das ilhas banda
e o cravo das ilhas molucas do meu canto
eu sou o canto da sereia
tampa os ouvidos
nobre viajante

sou o dervixe
o mercador fenício
o sábio marginal
o esteta
e desfio folha a folha destes livros
debaixo da fonte primal do chafariz da praça
sitiada

vem que tem
no meu armarinho tem
mercadoria fina
especiarias e outras
miudezas

me segura
segura aí malandro
me segura que eu vou dar o troco

eu sou o dervixe
o enigma
o curinga do baralho
e vou pedir licença aos deuses da poesia
pra me sentar no chão
bem do lado da cadeira que eles a mim
destinaram

eu sou o cavalo
dos orixás sem corpo da poesia
e solto um grito na mata
solto coices no ar:
eu sou o caboclo
o encosto
o orixá-menino-mutante
sou a delicadeza e o espalhafato
eu sou o ato e a potência
e vou pavimentar o solo incerto
onde vão caminhar os novos bardos:
poetas do futuro!
tudo está por dizer
escrevam as canções que eu não vou escutar

a poesia é o fundo do abismo sem fundo
onde pulsa
onde pulsa
pulsa
pulsa

a poesia é a rebelião
a poesia nunca é mercadoria
e contra o muro de minha própria ignorância
que em frente a mim se expande e esplende
eu cavo
cavo
& cavo.

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