1/31/2008

Falado

não deu pra fazer o retrato falado do mundo, meu amor

retirando as escamas da imaginação (repara o brilho
de prata, fugidio,antes de mergulhar
na sombra, sem a menor possibilidade
de sonho) sobrou esta substância
informe, espessa e sem mágica
que a gente depois pendura em ganchos
nos incêndios sucessivos (onde quem se queima
somos nós) das palavras.

1/28/2008

nenhum mar (trechos)


Give it away

(Red Hot Chili Pepers)



Copacabana não me engana mais:
hoje tenho o cinismo que roubei
de todos os espelhos em que vi
o outro, este que fui sem nenhum zelo
recuperado porque destilei
mil litros de suor com que escrevi
seu nome nos lençóis de hotéis de quinta
com o amor que move o sol e outras estrelas

...

mas quando ponho a máscara estou nu
falando pras gaivotas, sem um puto,
versículos neon à beira-mar
enquanto a forma ao fundo se entrelaça
despedaçando o espelho que fui eu:
era como se o corpo prosseguisse
e eu dissesse à beira de um abismo
amor, sei que estou vivo’, e desse um passo



1/27/2008

A arte de não ver com olhos livres em 3798 palavras (Ou Aula sobre Abaporu na Pinacoteca)

- Ver o vermelho (pra explicá-lo)

- O vermelho representa

alguma coisa: vasos

sanguíneos,

sensualidade, fogo ou

buceta em flor depois da foda:

o sangue pode estar em transfusão

ou saindo por um corte

que por sua vez

pode ter sido por faca

garfo, lança ou espada:

o fogo pode estar

diminuindo

mas é um fogo imaginário

em tudo isso há

um núcleo de vermelho

decifrado.


- A essência da tela

posta em questão

está escondida

na haste vermelha.


- A metade de cima

é o que seria um shoppingcenter

pra vocês (na sua imaginação)

a de baixo é uma praia

de paulistanos,


- Modernidade, atraso

missão civilizadora

bandeirismo, escritores

em Ouro Preto, essas coisas

estão espalhadas

nas partes verdes do quadro.

- Aliás, pensando bem,

deixem de fora a buceta sublinhada

no início do passeio

não era esse o projeto

modernista

que enquadra.


- Em dúvida

cruzem a rua

e confiram

Gilberto Freyre e a relação

entre a família patriarcal

e o açúcar, congelados

em microondas.


- O bicho tem uma boca pequena,

não dá pra saber

se domina a língua

portuguesa.


- Ver com olhos livres

não é ver como se queira,


- Caros visitantes

todos os olhos são armados

o de fulano com uma bazuca

o de beltrano com um alicate de unhas

o de cicrano com a colubrina

vamos então espicaçar

o Abaporu

o bicho tem que se explicar,

e sim senhor

dar uns passos pra trás

e coçar a barba

faz bem.


- O direito de existir

é o que está em pauta

ele deve se comportar

como o canibal patriótico,

é o que se prescreve

num caso como este.

- Se ele foi adestrado?


- Continuando meus queridos

este pé inchado

pode ser de bebedeira

vejam os olhos de ressaca

do animal,

mas claro que estou

simplificando pra vocês,

é o inefável

da anedota e o registro

não é do pitoresco.


- Pode ser que ele tenha

pisado um formigueiro

antes de ser flagrado

pela artista genial

num hotel de Florença

ou sob a estátua de Stalin


- Mas tem que ser alguma coisa

nada é que não dá, por que

a moldura é prateada?

- E se for alguma coisa

você deve dizer logo

(virando-se pro bicho)


- Como quem cala consente

adianto que:

verde é natureza &

vermelho é fogo,

de fogo vem ar

de ar vem água

de água vem terra

de terra, umbigo,

daí pra língua é um passo

e a mente retorna

ao fogo.


- Ver-se na pintura

não pode se perder,

o animal ou se domestica

ou que morra de fome

no fundo do mar (vai

fazer companhia

pra Dom Quixote

em bronze no porão

do museu).


- E você aí garota

calma não precisa chorar

esta paisagem é só São Paulo

vai lá fora e veja por si mesma.


- Não, o animal não está se mexendo

como um peixe confinado

num aquário muito pequeno,

não ele não está sumindo


- Deve ser a depressão de fim de férias.


- Não, ele não vai sair do quadro.


1/24/2008

Aproximação à parte 2 do Uivo (aproximação quer dizer: tentativa equívoca de tradução amadora)

que esfinge de cimento e alumínio abriu seus crânios e comeu seus cérebros e imaginação?
Moloch! Solidão! Imundície! Feiúra! Cinzeiros e dólares intocáveis! Crianças gritando sob as escadas! Garotos enrabando militares! Velhotes chorando nos parques!
Moloch! Moloch! Pesadelo de Moloch! Moloch o sem-amor! Moloch mental! Moloch o
pesado juiz dos homens!
Moloch a prisão incompreensível! Moloch a cruzóssea desalmada jaulamorada e o Congresso dos lamentos! Moloch cujas edificações são julgamentos! Moloch a vasta pedra da guerra! Moloch os governos atordoados!
Moloch cuja mente é pura maquinaria! Moloch cujo sangue é dinheiro circulando! Moloch cujos dedos são dez exércitos! Moloch cujo peito é um dínamo canibal! Moloch cujo ouvido é uma tumba fumegante!
Moloch cujos olhos são mil janelas cegas! Moloch cujos arranha-céus ficam nas ruas longas como infinitos Jeovás! Moloch cujas fábricas sonham e cacarejam na neblina! Moloch cujas chaminés e antenas coroam a cidade!
Moloch cujo amor é pedra e óleo a perder de vista! Moloch cuja alma é eletricidade e bancos! Moloch cuja pobreza é o espectro do gênio! Moloch cujo fado é uma nuvem assexuada de hidrogênio!! Moloch cujo nome é a Mente!
Moloch em quem eu me sento solitário! Moloch em quem eu sonho anjos! Louco em Moloch! Chupador de pica em Moloch! Desamor e sem buceta Moloch!
Moloch que entrou cedo em minha alma! Moloch em quem sou uma consciência sem corpo! Moloch que me espantou do meu êxtase natural! Moloch que eu abandono! Acordar em Moloch! Luz fluindo pra cima do céu!
Moloch! Moloch! Apartamentos robôs! subúrbios invisíveis! tesouros esqueléticos!
capitais cegos! indústrias demoníacas! nações espectrais! hospícios invencíveis! picas de granito! bombas monstruosas!
Eles arrebentam as costas carregando Moloch pros céus! Pavimentação, rádios, árvores, toneladas! carregando a cidade aos céus que existem e estão em todo lugar sobre nós!
Visões! presságios! alucinações! milagres! êxtases! soçobrando no rio Americano!
Sonhos! adorações! iluminações! religiões! toda a baboseira sentimental!
Penetrações! sobre o rio! arranques e crucifixões! indo pra inundação! Altos! Epifanias! Desesperos! Urros e suicídios de animais de dez anos! Mentes! Novos amores! Geração louca! caindo sob as pedras do Tempo!
Real gargalhada sagrada no rio! Eles viram tudo! os olhos selvagens! os berros sagrados! Eles acenaram adeus! Eles saltaram do telhado! à solidão! oscilando! carregando
flores! Pra dentro do rio! na rua!



1/21/2008

nº 70




Os olhos vão se desmanchar, e o que
eles guardam pode flutuar até
que outros olhos, na voragem, capturem
imagens dispersas, desejos, fragmentos –
ou então vagar sem rumo ou se
deixar ficar no mundo, entre as coisas,
tateando na busca do que
se perdeu, “porque
pode não haver caixa preta nem
arquivo
” ele disse, “repara como tudo
tenta se agarrar, galhos soltos
nas margens, sempre
violentas
”.


(das "Notas Marginais")

Fim de semana em Brasília

Eu me chamo quer dizer meu nome é um chamado. Eu me chamo não quer dizer eu me dou meu nome, mas alguém recebeu um convite.

A luz ataca Brasília como os olhos vão percebendo cortinas xadrez fechando a paisagem quando a cidade quase desmaia porque se levantou de repente e tem a pressão baixa.


Da janela do hospital o doutor fica alucinado porque assistiu de camarote o mergulho do gavião contra um pássaro qualquer.


Satori de anestesia geral.


Agora pegue este tupperware com a carne branca amarrada com linhas pretas e leve o seio da sua mãe ao laboratório mais próximo. No caminho converse sobre o clima ou a revolta da vacina e saia dessa cara de enterro.

1/14/2008

Matiz




Não dá pra chamar de plúmbeo este céu, tampouco
argênteo, que um
afunda a sua dor num espectro
engalanado e o outro
aspira a um brilho que
não tem e assim
disfarça o céu que é por tudo cinza,
apenas cinza em sua solidez e lixa
em nossos olhos o que a superfície opaca e rarefeita
aflora de áspero: resíduo, pó, rescaldo
de um incêndio, também chamado, às vezes,
vida.

1/13/2008

Feridas Marinhas

Feridas Marinhas



Primeira Ferida


Pássaro de bico pontiagudo
Que absolutamente não canta
Salta do liso e verde mar
E fere meus olhos.

Inocula um líquido negro e denso,
Negras lunares flores marinhas.

Pássaro daninho:
Depois disso
Em tudo o que digo
Sinto
Cheiro de pétalas negras.


Segunda Ferida

Vocês nem perceberam
Mas lentamente
Um mar em mim crescia.

De águas pesadas e absinto
Verde apenas na aparência
Da superfície lisa –

Sob a pele fina
Uma substância escura,
Outras águas
Fervendo geladas,
Águas natimortas que cresciam
O mar que em mim crescia.

Vocês não viram, não vêem,
Mas seus olhos
Perderam o brilho
E seus dentes trincaram
Nas insidiosas águas
Do mar que em mim cresceu.


Terceira Ferida

Vejo
Um corpo à deriva
Sem olhos
Dentes amarelos
E pele cinza
Preso num daquelas gaiolas

Aquelas que os mergulhadores usam pra se verem livres

Dos tubarões.

Vejo o corpo
E sei que ele é frio
Porém vivo com sono e fecho a tela
Verde-líquido.


1/12/2008

cinema contemporâneo




Depois que as imagens deslizaram imensas e coloridas
e escorreram pela tela
como no tempo as horas sem direção,
mesmo (penso) que rumo a um vazio sem nome
e sem volta e no entanto
sempre tocando, circulares, seus princípios do modo como faz
quem, com saudades de alguém
morto, projeta por dentro em sua tela
o instante exato em que ocorreu
o crime, e considera
com extrema dor a extensão
do vilipêndio ao se lembrar que as coisas
são materiais, tangíveis, e não se dão
como acontece no cinema (quando
acendem as luzes no fim da sessão
e você enxuga a lágrima ou esquece
o riso e torna a pensar
nas contas a pagar, no engarrafamento
e no que vai comer
em casa), as coisas
são palpáveis e orbitam num tempo
circular que afasta
qualquer abstração no que elas
passam batendo pelos muros da memória
e afinam em seu corpo, ao longo
das fibras da carne, as cordas sempre tensas
da mágoa e da tristeza, ou da alegria, é assim
mesmo e nesse mesmo instante
que me lembro.

1/09/2008

Buscas (caminhos pelos quais se pode chegar a um blog de poesia...)




coceira no ânus,
garotas peladas,
filme que termina com homem
saindo de dentro da baleia,
oração taoísta, não
estou dizendo que
você é vulgar,
fissuras na língua,
síndrome do pequeno poder,
vômito amarelo,
perpedra,
símbolo, todo bem
tem um lado mau e todo
mau tem um lado
do bem,
poesia,
moças fodendo,
aldemar norek,
linguagem epistolar,
significado
do nome (...), autismo,
felinos assassinos,
fenomenologia visita cidade,
fotos de afta na lateral
da língua, uma poesia
com o nome Giovana,
daniel f.,
psicografias,
escada caracol metal
ponta grossa,
poesia,
a linguagem dos navios,
poema foda-se, orações
da prosperidade,
qualquer coisa:
e a poesia
não sabe
o que acha
e o que perde
no meio das coisas
todas
tontas.

1/07/2008

O novo ano chega com o chiado atrapalhando a voz no telefone.

Ele me chama como um bicho assustado que passou a madrugada exposto ao orvalho. Mas é das lágrimas que caem em meus sapatos como areia descendo a ampulheta, e eu sou pesado, quase impossível de carregar, melhor me virar sozinho, até porque menti quando pensei em areia, deveria ter falado numa ampulheta com cimento.


Ela diz que quando seus cabelos caírem vai se mudar para uma casinha escondida num condomínio de Brasília. Medo da morte: vergonha de viver. Ou a dor no corpo mesmo, que leva ao desabrigo.

Ela puxa o ar com violência, chorar acaba com o fôlego de qualquer um, e em cada respiração é uma parte da minha alma que desce pelas rodas dentadas do aparelho. Mas a minha alma é figura de linguagem, como todo o resto. A alma é o meu sintoma neurótico

da mesma forma que


Jesus é o sintoma neurótico de Moisés

A grama é o sintoma neurótico do esterco

A história é o sintoma neurótico do tempo

O câncer é o sintoma neurótico da vida

E eu sou o sintoma neurótico daqueles que me amam.




1/03/2008

Aproximação a Cummings

Ó espontânea e doce
terra quantas vezes
insípidos

dedos de


percucientes filósofos apalparam
e perfuraram

teu dorso

,indigitados indicadores
da ciência profanaram
tua

beleza .quantas
vezes a religão te prostrou
sob ásperos joelhos

esmagando-te e
esbofeteando-te quais teus mais venerados

deuses


(mas
a par
do incomparável
toque da morte teu

rítmico
amante

replicaste

apenas com a

primavera)


12/29/2007

A madeira e a memória

1.

Engraçado como objetos de madeira
retêm a memória.
Coisas de plástico, por sua vez,
não têm calor nem profundidade,
vivem num presente opaco e vazio
coisas de plástico deviam se chamar esquecimento.

- Mas felizmente meu passado é de madeira.


Vejo o porta-recados feito por meu avô
por exemplo

(ele que só fazia objetos claros e úteis,
nada de gracioso pra espantar otários
ou de encantador pra seduzir espantalhos).

Ele se foi, meu avô,
mas na madeira rígida e funcional
percebo seu olhar severo
suas mãos duras, de artesão.

A madeira preserva a memória de uma lucidez
que não está mais entre nós.

E sei que mesmo depois que minhas mãos,
que tocaram aquelas mãos nem tão duras assim,
também se consumirem,
os objetos de madeira permanecerão,
como testemunho de alguém
que os pensou, projetou, prensou,
doando-se ao mundo em coisas úteis e duráveis, de madeira.

Somente em seu leito de morte
descobri que meu avô sonhava com barcos
que para além de seus traços rígidos de artesão
meu avô também dormia no mesmo leito de rio
no mesmo entreato de sonho e vigília
em que seu neto vivia.


2.

Meu avô
à beira da morte
estava à beira de um rio

- o Araguaia –

Quando morria, meu avô
via no quarto um aguaceiro só
e me avisava:

“na pescaria noturna
não esqueça o farol
que meu barco
só se tranca por fora
e só se abre por dentro ”

Depois disso
as margens se apagaram
na escuridão líquida e viva.


3.

Hoje, vejo na madeira um pensamento maduro.
quando a toco sinto um resto de calor
que ela reteve,

o que me leva a uma conversa com o porta-recados,
sobre memória:

Presta atenção, madeira,
meu tataravô era um saltimbanco
um cigano, um andarilho
no vasto Império Austro-Húngaro
num distante século XIX.
Dono de um teatro brincante
usava trapos coloridos
e um anel de guizos.

Meu trisavô não quis manter
a tradição da família
e por isso partiu
como um judeu errante
pra longínqua América do Sul.

Meu avô perfez a segunda negação
ao não deixar às suas filhas
o nome do velho saltimbanco Tomanick
ficando um pouco mais distante
do Império, já extinto,
adotando pra família o sul-americano Barbosa,
de caçadores de índios.

Mas o que ele sabia e não sabia
(sabia pelo que de si fazia
e não sabia pelo que esquecera)
era a sina de saltimbanco e andarilho.

- Você está me ouvindo, madeira?

Isto porque, primeiro, meu avô foi criança prodígio,
pianista em meio à prataria,
depois, guarda da fronteira
no longínquo Paraguai,
ainda trabalhou em ferrovias
teve uma ou duas sorveterias
(e as crianças de então,
adultos de hoje,
nunca tinham visto sorvetes coloridos).
Contador, administrador e pescador
nas águas turvas do Araguaia,
vivendo em mais de cem cidades
percorrendo o centro vertiginoso
da América do Sul
e teve tempo pra fazer papel de rude saltimbanco
numa curta passagem como ator de circo.

Agora, penso que eu talvez seja a terceira negação:
em frente a esta tela colorida
pensando numa Hungria que vi no cinema
numa América do Sul dos livros de história e poesia
sem saber desta história

onde a verdade começa, onde termina a mentira.


12/22/2007

natal, natal, natal.....(sem o velhinho fdp)


Este cartooon é de uma amiga, a Clara Gomes, e achei que tinha tudo a ver com o blog (espero que nossos 4,5 leitores curtam também).

o blog dela é bichinhosdejardim.blogspot.com

vale a visita!!!!!


Novo Pequeno Dicionário das Aproximações

Elite (s.f.)
Grupo de pessoas que gosta da sensação de exclusividade e cuja idéia principal é não compartilhar com outrem. O tamanho destes grupos é sempre variável e proporcionalmente pequeno em relação aos outros, cujas aglomerações são conhecidas como hordas, e em geral denominados excluídos ou periféricos. Sim, porque as elites (de qualquer tipo) sempre se julgam habitando um centro. Importante notar que o coração é meio na lateral esquerda, ao contrário de certos orifícios do corpo que ficam bem no centro mesmo, se tomarmos o eixo vertical como parâmetro. Costumam se masturbar uns aos outros, para o quê se utilizam de vários meios, das mãos à arte, passando pelas cintas-liga, lenços de seda e outros meios menos suaves como lixas e luvas de prego, conforme a tara de cada um. Elites às vezes são tão pequenas que podem se resumir a uma só pessoa. Aí o jeito é se masturbar sozinho, o que é melhor do que uma foda mal dada (como sempre a Arte vindo em auxílio à Vida).

Erro (s.m.)
Nome dado, individual ou coletivamente, aos atos ou procedimentos que uma pessoa pratica ao longo de sua vida. Em geral são praticados tendo como alvo o seu oposto, uma entidade metafísica conhecida pelo nome de “acerto” - mas esta parece ter vida apenas lá no céu de Platão. Muitas sociedades se aproveitam de seu aspecto lúdico e o instituem sob a forma de jogos, muito apropriadamente denominados “de azar”.

12/21/2007

Eu não creio em anos novos. Mas que eles existem, existem

eu disse uma
eu disse duas
eu disse três

você não ouviu?
- rio


outra vez

eu disse uma
eu disse duas
eu disse três

nada?


mais uma vez

eu disse uma
eu disse duas
eu disse três

na mesma?
a esmo.



“mesmo duas vezes o devido é belo dizer” (e quem disse isso outrora foi menino,
menina, arbusto, passarinho e, nadando em verde mar, peixe mudo)

12/18/2007

nº 52

(foto de Lipe Russo)


Não é proibido falar mas ninguém fala, tão fácil
mudar uma letra na superfície líquida, agitar
a água, espelho que não reflete
mais coisa alguma em seu mover-se cheio de um arbítrio
silencioso e por isso mesmo
violento.

Só você fica aí parado, fica aí parado
de bobeira, esperando
de uma boca um pouco mais
que não dizer
palavra.
(das "Notas Marginais")

Fazer o quê?

O branco persegue o azul. O branco assassina o azul
e a vista cansada ao
sol de dezembro injetado na veia -

Areia quente e branca nos olhos.

* * *


Mal saio de casa
e a poesia me persegue;
a poesia não cabe
em qualquer teoria, a teoria
persigna a poesia.

* * *

Meu irmão me disse que só sabe que amo porque escrevo. Fazer o quê, prezado leitor?

* * *

Não diante do senso, do Juízo
de Oito-Olhos
basileu desta cidade
esburacada pelas crias
de um buraco-negro

(o Aleph não,

o Aleph é teologia barata e falando nisso não sei porque tanto se diz que o diabo pressupõe a existência de deus. Pode ser que apenas o diabo seja, ou deus esteja

usando silenciador em seu revólver)

* * *

Uma cratera pode se abrir
e te tragar em cada esquina,
há no subsolo de Campinas
uma porção de ampulhetas
sedentas de areia branca.

Fazer o que, prezado leitor?
Calar-se?


Olha olha
O silêncio
cala fundo
cava fendas
cria calos
em tudo o que digo, além disso

não há silêncio &
silenciamento é o que há

o que há é o silenciamento
apenas,

e seus mandamentos
gritantes, por sinal.

* * *

Tudo o que você deixou de dizer virou um carrapato nesta língua
anêmica,
onde a palavra
jaz esquecida

(na ponta da língua)

ou numa tradução
equívoca
de Philip Larkin:
a roda
da vida
é foda
mas se pode
escolher
se outro inocente
vai se foder
com a gente.

* * *

O verbo não se fez carne
para o cala-te boca.

O terminal rodoviário cria musgos pelos desejos perseguidos
e assassinados, enquanto trocamos impressões sobre o clima
alguém jogou uma pedra na janela do 331,
minha linha,
ainda se vê a mancha de sangue onde o menino foi atropelado
que lembra a marca do corpo do jovem que se suicidou aos pés da rádio muda.

e alguém me dizendo mil vezes que no mundo se fala demais.


Um texto de Flávio Amoreira sobre Santiago

‘’ SANTIAGO SEGUNDO JOÃO.’’

‘’Santiago’’ ‘sou eu, mas também é muita gente’.

João Salles, cineasta.


‘’ João Salles é nobre gênio da Alma, feito Ozu filmando Bachelard. Câmera, pincel ou pena : o mestre embaralha gêneros e suportes transfigurando a realidade crua naquilo denominamos Grande Arte. ‘’Santiago’’ é um épico da subjetividade: mais importante documentário brasileiro que tenha assistido; não sou hiperbólico: trata-se de um depoimento filmado que extrapola, excede o meramente registrado: a trajetória contada sem aparatos que não somente a memória e imagética duma existência profundamente sentida e pensada. O entusiasmo é reação ao reducionismo: ‘’Santiago’’ é tudo além daquilo que seria mera estória do mordomo de Walter Moreira Salles ou mimetização miniaturizada da relação ‘patrão’ e ‘criado’ : não é ato circense ou alvo pitoresco para sociólogos ou socialites, trata-se de perfeitamente inacabável experimento formal apartir dum personagem de conteúdo inenarrável. João Salles maturou 15 anos entre feitura e exibição da obra-prima: nesse interlúdio dirigiu contundente retrato da violência urbana (‘’Notícias de uma Guerra Particular’’), acompanhou modo revelador o vitorioso candidato Lula em 2002 (‘’Entreatos’ ) e levou às telas um reticente virtuose do piano (‘’Nelson Freire’’ ); sua marca é zona de sombra, os interstícios, as frestas da imagem, ritmo e sensibilidade: capta o que Walter Benjamin dizia ter-se perdido com a modernidade: o senso de ‘aura’. Santiago Badariotti Merlo é um protagonista de conto borgeano, ‘’Funes, o memorioso’’ discorrendo proustianamente sobre a História humana apartir do mundo detalhadamente encantado seja nos salões da Casa da Gávea ou no claustrofóbico cômodo-locação onde se desencadeia esse ‘making-off’ da existência. Sob a mirada instigante de João, Santiago discorre sobre absurdo da fugacidade, intermitências do coração, as epifanias como resistência ao frágil argumento de finalidade diante da perenitude do vazio ou do nada. Só a fenomenologia poética, a emulação sensorial é capaz de reter o saber que salva do esquecimento. Não há um feixo na revivência, no sonho, no enigma. A tela amplifica literariamente ‘’ santiagogramas’’: apontamentos sobre dinastias persas ou tribos dakotas, reflexões acerca de Dante, Lucrécia Borgia, dum cemitério genovês ou a corte dos Visconti; o monge nefelibata recita Lorca, dramatiza uma fala de Bergman, pontuando digressões gostosamente eruditas ao som de Bach e Beethoven que emolduravam sua Alma refletida em poética veemência, ademanes e Cultura como forma de sobrevivência ante crueza da impermanência: cultivo, não adorno. Intertextual e multicultural: passa das monarquias renascentistas às lendas de Hollywood, não dissocia tons ritualísticos: num flash louva madonas de Rafael noutro enternece com Fred Astaire dançando com Cyd Charise. Quando Santiago tenta expor o que seria mais íntimo, João percebe que toda essencialidade teria sido exposta estando sua ‘diferença’ contida na argúcia de sua intuição. Não resenho, transponho a percepção do impacto: a Grande Arte é essa simbiose entre motivo, expressão e participação do espectador num quadro ou espetáculo que se doa sem síntese: ‘’Santiago’’ ‘é’ João Salles, também sou eu e de qualquer atento, agudo interpretante. O comentário sobre um filme não é antecipá-lo : nem ‘só’ vendo ‘’Santiago’’ se estará identificando o plano metafísico em que se instala um homem rememorando, um diretor poetizando e a montagem tentando dar nexo ao que buscamos cotidianamente: resposta precária que seja ao que vivenciamos. Em época de elites em tropa, ‘enochatos’ e glamourização da burrice, ‘’Santiago’’ é um registro eterno da verdadeira aristocracia, a do espírito : que é de João e seus espelhos: o artista dá vida ao que nomeia quanto mais belo é o efeito ambíguo do que produz.’’


Flávio Viegas Amoreira.

12/16/2007

Comentários ao REDOR de redor


Para Masé Lemos



1. não estudo teoria literária.
não sou crítico literário.
intuitivamente pressinto a poesia.
perplexidade. deslumbramento.
loucura. silêncio.
lógica & matemática profunda.
o que me escapa.

2. sua dicção às vezes me lembra
Sylvia Plath, às vezes Ana Cristina Cesar.
às vezes não me lembra ninguém.
nem você.

3. se as xícaras quebrarem
ainda lembraremos o gosto
do café.

4. quanto ao sentimento
de pertencer.
inventamos o doce hálito.
imaginamos que.
supomos.
cremos.
doce.

5. quem é Tarkos?

6. a mariposa
entrou no ônibus
e derrubou os cadernos
da minha colega. Ela tem
uma cor linda.
(a minha colega)

7. nada tenho
a declarar
Do amor.
estando sem e com.
líquido e incerto.

8. o poeta é um poeta
e mesmo assim
ninguém lembra
dele.

9. já esquecemos
de tudo.
e assim
escrevemos.

10. desolados
o branco
um muro
e depois
mofo e flor

11. aqui vai chover
começo
a olhar janelas

12. e ainda
ao redor
moscas, merda.

13. de todas
as coisas
a única coisa
que importa: palavra
a coisa viva!



12/15/2007

nº 20




Foi um pedaço bruto de carvão, não diamante,
o que sobrou depois de comprimir a dor. Tudo bem,
qualquer um pode escrever nas paredes do mundo, armar seu grafite estranho,
ilegível, corrosivo,
ruminando pérolas opacas. Ao fundo, a angústia
de não reconhecer os códigos, mas isto se torna quase um alívio:
incompreensível, ninguém lhe tocaria.
Encontrar dói.

12/12/2007

Foda-se O poema

Foda-se a palavra

do momento

verbo agindo
Foda-se
verborragia

(você, por exemplo,
dizendo sins e nãos com as mãos,
de uma furtiva lágrima
ao gesto cheio de alma
ao soco da linguagem que se

Foda-se)

na ausência
de um tema
de um lema

problema?
Foda-se a resposta

maniFoda-sefesta-se a palavra


nº 1




É uma voz imprecisa – ela anuncia que há no Tempo uma foz
e um retorno. Os anos se esfacelam em olhos de arrebentação,
seus olhos, tantos calendários,
e trazem uma certeza de nada, certezas de nadas entrelaçados
que lhe dizem coisas, nunca revelações, mas coisas
– e elas serão lixas por uns olhos em que a terra, olhos que foram lanterna, farol,
lume de estrela
e hoje apenas espreitam, ilha, recife, atol,
olhos de ver pra dentro
e sendo escuro.



(das "Notas Marginais")

12/10/2007

Novo Pequeno Dicionário das Aproximações




Peixe (s.m.)
Animal, é claro, mas arremessado a um estrato completamente inferior na escala dos animais (incluídos aqui os chamados peçonhentos, sempre tão belos e livres) por uma estranha característica completamente sua e observável sem o suporte de nenhum tipo de aparelho: ao contrário da girafa (que ocuparia o ponto máximo da escala, cf. Marianne Moore em “To a giraffe”) os peixes não possuem diferenciação entre cabeça, corpo e alma - se considerarmos a teoria que define ‘alma’ como a massa crítica formada pela explosão milionária de impulsos elétricos no cérebro. No peixe tudo se confunde e permeia, daí talvez seu uso como metáfora do embotamento, limitação. Todas as outras metáforas são questionáveis e não passam de elaborações vazias.

12/09/2007

Blues + Lupicínio = (Ou, Babe, não se esqueça da teoria da narrativa)

Você tem que entender
É todo um clima criado, não por você,
Que não está procurando nada,
A não ser o caminho de casa.

É toda uma cidade que se prepara
Para uma bela sexta-feira de beijos na praça
E a intervenção divina de uma noite quente
E o som da viola sobre o coreto.

São os casais, é, os casais, como são jovens e belos,
As moças que se arrumam, que se perfumam,
É todo o circo armado para a azaração,
Arte na qual você nunca foi especialista, mas não por querer.

A noite, literalmente quente – é o contrário do que todos afirmam,
É mais fácil dormir sozinho no frio, isso é certo -
Mais a cerveja que você nem pediu
Mas lhe foi oferecida de uma maneira inesperada.
Onde já se viu num show gratuito
Pessoas andando com latinhas geladas em bandejas?
Ah sim, e tem a seleção musical, o repertório,
Você se esforçou muito pra sair de casa, observe bem,
Apesar de, o que parece contraditório, não aguentar mais ficar dentro dela.

O repertório, cantado por Renato Teixeira, ninguém menos,
E o som de uma viola melancólica:
Ele começa cantando de barcas que atravessam o rio Paraguai,
Canta de sabedoria, a merda de uma sabedoria fajuta,
Mas que naquele clima convence quase até as lágrimas.
Aí vem o momento mais perigoso, aquela música da amora,
Aquela que atravessa o seu coração como um punhal,
Que você sempre quis cantar pra todas as meninas
pelas quais se apaixonou: as três paixões federais,
as quinze estaduais e as quinze mil municipais.

Mas tudo isso nada seria sem outra pessoa.
Afinal você tinha planejado sair sozinho, lembre-se disso.
Você está lá na sua, e chega a moça meiga e sua irmã mais nova,
Moça que você conheceu a pouco tempo, poucos dias,
Esse detalhe é importante, porque sempre tem o encanto inicial
Dos primeiros dias quando você conhece alguém.
Uma pessoa que tem tudo para ser uma boa amiga, mas que
Numa hora dessas...
Diga a verdade: se você estivesse solteiro você gostaria de
Fazer coisas com a moça,
Não, mesmo casado, você gostaria, não seja hipócrita.
Mas você ainda acha a fidelidade importante,
Você se lembra que não trocaria sua amada por ninguém,
Nem mesmo numa noite como essa.
E que isso é ser fiel, querer e mesmo assim não fazer,
E que isso é totalmente absurdo e cristão, mas o amor é absurdo.

Voltando ao clima, bela palavra essa: clima,
É um lance que está no ar, que te envolve,
Que você sente, uma certa tensão no ar, uma espera,
E ao mesmo tempo uma certa disposição, uma facilidade.
E o acaso foi cruel com você:
É no ônibus, numa sala de aula, numa praça lotada de gente,
É nesses lugares que você encontra a moça sem combinar nada.
E ela e a irmã são muito simpáticas com você,
E depois ficam cochichando e dando risadinhas,
E tudo que você diz é legal, como você é um cara sensível
E inteligente, tudo elas acham graça, comovente.
Os outros caras em volta olham pra elas,
Não entendem, parecem se perguntar,
Por que essa Mané não pega a menina?
Pior, na saída, você ouve um cara dizendo
Que gostosa!
Nessa hora quase ajoelha, “por favor, fique com ela,
você vai me livrar dessa?”

Mas você é forte, vai resistir,
Inventa recursos:

Isso é fantasia da minha cabeça (o mais fraco, você sabe que é mentira)

Tem conhecidos na praça (o mais covarde)

Ela é ex-namorada do meu amigo (o mais cruel e sensato)

Eu vou para casa, ouço um blues daqueles,
If I have been a bad boy baby I declare I’ll change my ways
Lord have mercy on me
Sento diante do computador, escrevo uma coisa parecida com poesia,
Mando aos meus amigos por e-mail,
Solidariedade nessas horas é fundamental,
Eles não mostrarão isso para suas consortes,
Mulher é foda, não entende nada,
Tomo meu remédio e vou dormir
(o definitivo)


12/08/2007

Luv









Sou aquilo que estou

aquilo que estamos.

Estamos isso
isso
e isso

um sem fim
desencadeado
pelo borrado

pelo desconexo

pelo plexo

pelo sexo.

Uma fatia retirada do acaso
transparente e fluída
um teco de loucura
monstro de duas cabeças

frame de um filme

cena amplificada

"Amor".

12/07/2007

nº 69



A um passo do espelho, ou menos, por um estranho
mecanismo, você
explode em versos, cartas, cálculos, silêncios ritmados,
palavras não, elas são só o que atravessa
a lâmina de prata, só isso, ou nela imprimem, ou
na imagem que retorna torta, distorcida (‘a culpa
é toda sua, babaca
’, ele disse ali parado), na corrosão
que as bordas destas linhas (é tudo sem
disfarce e tão secreto), em surdina,
dizem - ou não, não
importa.


(das "Notas Marginais")

Oito-Olhos, traficante de colchões

Parabéns! Você acaba de adquirir um produto único, autêntico, visceral, enraizado na vida verdadeira e real, como se comprova pelos ajuizadores ISO-30000 da sinceridade ainda disponível no mercado.

Mas antes siga o Manual de Instruções:


1. Ao contrário da eternidade prometida quando se está deitado, nossos colchões são perecíveis.

2. Se a cada geração a propriedade tivesse que ser redistribuída, o resultado seria o caos dos lobos hobbesianos, mas felizmente a natureza estabeleceu parâmetros descontínuos e aleatórios para a morte e a humanidade deu sua mãozinha quando inventou a Lei da herança.

3. Manchas de mijo ou porra, mesmo sendo etapas naturais na formação do caráter, fazem a família pensar que “há algo de podre no reino da Dinamarca”.

4. O solvente usado para dar a singular característica esponjosa de nossa espuma, suave e paradoxalmente firme, também pode ser usado, em quantidades cavalares, para derreter produtos não contabilizados e burlar o fisco.

5. Nunca esquecer o truque do travesseiro atropelado.

6. Após a morte do tuberculoso, incinerar o colchão imediatamente.

7. Kafka escreveu uma novela em que um percevejo habitava um de nossos colchões, nos labirintos formados pelas porosidades de nosso fantástico produto. Mas isso só será útil para aqueles que, cansados da vida verdadeira e real, procurarem um lenitivo literário.

8. Deu no jornal que o senhor Jesus Maria escondeu milhares de cruzeiros no colchão. Depois de anos saiu às compras, mas a moeda já fora substituída há anos pelo Real.

9. Você nunca se esquecerá do efeito levemente tóxico da moça que se dissolvia no colchão, de como as palavras saíam lentamente de sua boca, da sensação espumosa da labirintite.

10. Nosso colchão atrairá lentamente suas veias, elas sairão de seu corpo como tentáculos e penetrarão a espuma. Seremos carne de sua carne. A separação será, se não impossível, ao menos dolorosa.

11. Quando você sonhar que apagou o fogo do Apocalipse com uma simples mijadinha, nosso colchão será como uma fortaleza para o seu Complexo de Onipotência.

12/05/2007

nº 68



Expulsos do paraíso, ‘agora
é tarde
’, ela disse sem deter
o olhar, como se o tempo não fosse este delírio
circular – ruínas se precipitam em silêncio
veloz como as âncoras
cravadas no corpo que se afasta. O paraíso
tem muitos quartos, escadarias,
longos corredores, vozes sem dono, espelhos,
e tanta coisa e ao mesmo tempo nada
que possa deter a felicidade, ‘ela
não se detém nem amarrada, cara
’, o paraíso talvez
seja conhecer as coisas do mundo e o chão
duro onde elas se apóiam, e abraçar
o delicado tormento tão colado
ao desespero, às suas dívidas, metais, desassossegos,
enquanto os carros
vêm e vão e param nos sinais e avançam
e você considera
que estar numa praia distante ou
num pequeno porto entre salinas quando
se percebe que olhar o horizonte
é ser feliz, ou no paraíso, ou
no inferno, ou
na rua mais turbulenta do planeta ou numa casa
de loucos dialogando
com os ratos, não importa, seu destino
vai estar no seu encalço e vai dizer assim: 'o labirinto
é encontrar a alma na vertigem
do corpo, o minotauro
é perdê-la'
.

(das "Notas Marginais")

12/03/2007

nº 67




Fechar as janelas da casa, por dentro,
e rebocar
com aspereza a mesma superfície em que ontem
havia um vão. E quando a vontade
de sair lhe asfixiar (insuportável), lançar-se
contra os pregos que ameaçam
a carne - suas pontas indicando uma vertigem
insuportável - até
rasgar o coração de onde escaparam
mitos, um após outro. E não falar,
nem que todas as manhãs despetaladas escorram
lábio afora,
intermináveis, enquanto
você
espera.


(das "Notas Marginais")