4/29/2008


É a sua sede que me mantém
Assim
Meio bêbada de você
E deles
É a sua sede que me faz querer
Apenas e justamente
Lamber
Cada pedaço pequeno dessa sua cara
Jovem
Cada curva rosada desses seus miolos
Frescos
E cada veia pulsante dessas suas pernas de dragão
Azul Marinho.

Conexões

Evidentemente

Tudo tem relação com tudo, a questão são os vários mecanismos da relação.
Isso sem contar a presença do Trio Los Angeles no segundo filme
Da série Superman.

Se não, vejamos:

“há um certo clima anticonstitucional no ar porque as bactérias gozam no calor e alguém tenta, em vão, traduzir um texto ilegível para o francês castiço das academias (‘eu entendo as palavras, isoladamente, mas o conjunto não tem sentido’). Mas este alguém é meu amigo e vou disposto a ajudar, mesmo com o peso no fígado e as ressacas que ficam cada vez piores, na sensação de ter comido todas as chumbadas que usei nas pescarias da infância”

relaciona-se com

“comenta-se no café Anauê a homenagem recebida pelo escritor. No banquete, os títulos de seus livros, sobre mulheres que na hora do banho esfregam a pele até sangrar, foram anexados ao cardápio. Anos antes, na prisão, entre incontáveis bitucas de cigarro e depois das doses de potassa oferecidas pra amortecer o corpo, ele tenta ler, sem sucesso, a história melodramática de uma criança. A criança mora com a mãe e fica horas observando o aquário com o peixe canibal. Tudo lento e triste, porque o despropósito do livro tem mais de oitocentas páginas”

que por sua vez remete a

“no convés do navio, o poeta segurando a Bíblia canta Somos todos prisioneiros. Do tempo, da carne, da mente que segura o mundo com mãos de ferro (as mãos do sentido). Talvez os prédios tombados pelo Patrimônio Histórico de Campinas entendam o que ele queira dizer com isso. Mas eu, péssimo entendedor, fico surpreso quando me dizem que o bairro onde Oito-Olhos se diverte multiplicando-se em matronas de óculos escuros foi, num passado longínquo, habitado por costureiras e operários”

relacionado a

“e no tédio infernal dos geladinhos de uva saímos à procura da cola de sapateiro, imprescindível. Mas o sujeito que teria sido meu cunhado numa outra vida nos ‘salva’. Vamos andar pelas dunas de jipe. Mas cuidado com o túmulo de Asclepíades, o velho morreu trepando e seu fantasma corre de pau duro pela praia”

tudo misturado com

“minha cara saindo de dentro da multidão é um espetáculo bizarro, um lance tipo assim zoológico”

4/26/2008

nº 76




Sublimação feroz, a estocadas
de carne em outra carne, e a tentação
de ser moderno enquanto no desenho
do firmamento estrelas sugerem velhas
tramas para o mesmo enredo, elas
já estavam ali quando outros olhos alçados
do mesmo precipício se perguntavam
porque?” entre os grãos de asfalto batendo
no cristalino ante a velocidade dos dias
enfurecidos pela ânsia dos calendários
em arremessar-se ao nada junto com as horas:
sublimação feroz, sem mapa, sem retorno,
este desajustar-se até que bem perto
do fim esteja só o fim.

4/24/2008

A partir de um poema de Swift

Por cinco horas Célia
Se enfeitava
(E quem seria mais rápido?)
Com camadas e camadas
De cremes, pomadas, óleos
Perfumes e pós
De todos os tipos.

Estefânio, aproveitando-se
Da folga da criada
Entrou no quarto de Célia e
Fez as devidas anotações,

E pra que não restem
Dúvidas, o que segue
É um inventário:

De cara, Estefânio deu com
Um avental engordurado,
Mas apostando em mera
Coincidência seguiu em frente.

Sobre a penteadeira viu
Uma escova com creme
Caspas e fios de cabelo,
Tudo tão misturado
Entre pedaços amarelos
De seborréia que mais parecia
Um prato de exóticas
Comidas tropicais.

Ali ainda
Entre frascos de perfumes, óleos e
Infusões cheirando a hortelã
Um recipiente
Com os restos de comida
De entre os dentes
De um ogro talvez
Nadando entre gosmas
Espessas de catarro: ali a dama
Cuspia o refugo
De seu hálito floral.

Pra melhor inspecionar
Estefânio recorreu às virtudes
Da poderosa lente
De aumento usada por Célia,
Capaz de multiplicar
Por mil o tamanho
Dos pontos de pus
Ocultos em seu rosto delicado
E agigantar a meleca
Que pendia recôndita
Em seu nariz, compondo
O piercing de esmeralda.

Indo ao canto do quarto
Atrás do biombo
Estefânio sentiu
O fedor mais intenso,
Lento e adocicado
De sua vida, como
Se ele tivesse aberto
A Caixa de Pandora
Com seus vapores maléficos.

Não acreditando
Estefânio trouxe à luz
O penico,
Que por negligência,
Da criada, guarnecia
Um troço parecido
Com um bom naco
De carne assada.

Os arabescos fedorentos
Causavam náusea
Como se saídos do fundo
Da garganta do demônio,
E seu tamanho mais lembrava
O produto de um fila brasileiro,

E por isso
Lamentando-se Estefânio
Canta:

“Meu coração é uma piscina
De sangue e merda
E porra onde Célia nada,
Porque, ai de mim!
Célia caga!”

O pior pra Estefânio
É que todas cagam
E não há perfume que
Não o lembre do quarto de
Célia, nem máscara de creme
Que não o assombre
Com a massa de seborréia
E caspas.

Ele ainda aprenderá
A abençoar a ordem que brota
De tamanha confusão,
As tulipas que repousam
Sobre o monte de estrume,
A beleza arrancada
Com afinco por cada
Musa-yahoo, como se lê

Nas viagens de Gulliver.

4/21/2008

Manual Técnico da Dispersão e do Esquecimento



Coloco Kafka num vidro vazio de maionese. Tampo hermeticamente. Kafka tem muitas pernas e muitos pelos nas pernas. Ele não imagina o que pretendo fazer, destino. Cerebral, gelado, recolho os fósforos que descansam no parapeito de mármore e apóio o vidro com cuidado sobre a grelha do fogão. Planejo o movimento de minha mão no volante do gás com precisão, é necessária a mínima abertura para se obter a mais branda e uniforme chama. Kafka anda por toda a superfície interna do vidro de maionese, ele quer sair. É impossível, não está em suas mãos. Fora isso, as paredes são muito lisas e ele deve sentir extrema dificuldade em fixar-se a elas. Não sei como ele irá perceber o aumento da temperatura, que já começa na base do vidro – ele está próximo à tampa, na extremidade oposta, e não tem arquivos para avaliar a extensão do que irá ocorrer, do que lhe está acontecendo neste exato momento. Mas é inevitável, ele se movimenta instintivamente à cata de saídas e acaba tocando o vidro que começa a arder, em progressão geométrica, pela comunicação das moléculas em feroz movimento vibratório. O ar se rarefaz e turbilhona, aquecido e sem nenhuma emoção. Kafka demonstra desespero em seu instinto de permanecer vivo, e pula enlouquecido tentando subir pelas paredes cada vez mais lisas e ardentes da embalagem lacrada, mas não há lugar onde possa repousar as pontas de seus pés, não há pouso nem lenitivo para o que acontece. Não está em suas mãos. Por fim o vidro parece querer explodir e Kafka tomba sobre a parte mais quente, sobre a chama, destino. Ainda descreve pequenos círculos no ar, intermitentes, inarticulados, com duas de suas pernas, antes de cessar para sempre o que antes era vida. Não tenho um sentimento particular por Kafka, nem mesmo agora que jaz no fundo da embalagem de vidro, não me interessa o seu desespero inaudível, e talvez por tais motivos foi esta a melhor maneira de representar a angústia íntima que alguns versos produzem e o espanto de certas tardes, quando o coração arranhava a argila fria das paredes querendo escapar, sem ar, sem ar, sem ar.

4/20/2008

Do delírio

Eliana Pougy
Shiva, Ganesh
Hino-versículo-mantra
Esclarece
Revela a limitação, o alcance
Ilumina-(e)-me-clareia
Esse monte de nada, quebrada,
Essa curva
Essa estrada
O deserto coberto de mato, o cabelo
Movimento inexato,
O parto
- Repique -
Budas e orixás
Macumba-rito-oração
Cobre-me de luz, corroa
Desmancha a resistência passiva
O grito agudo, mudo
Estandarte
Arre
Divide ao meio, reparte
Risca o chão e separa o
Antes/
Depois
Faça-(o)-me-escolher
Encosta-me, parede
Cobre-me com suas asas
Toca sua lira
E a minha
Alcança o céu e me leva
Longe
Onde deuses fazem
Amar

Lois Lancaster
Entre figuras
Uma paralela se separa
Estando evidente
Enquanto grama me absorve
E isso, que em tudo fica
Planeja o passado pra morar.
Estrondei um grito
Esmigalhado em grilos
Tomando então célere fluxo,
Rápidos a estarem onde estão.
A dor doa
E se acha
Uma vala a insistir
Tomada por fósseis de estima.
Encanta a distância ao impacto
E germinar, lá chegando, como
Palafita na maré
Se torna premente
Ao olhar.
É a área constraída
Com cheiro, canteiros de cimento
Sólido
Pastoso
É saber que um dia vai se erguer
O grande buda fetal
De cada casa
Numa escultura sem arte -
Estarei no almoço
Um guincho entre figuras
Invadindo o restaurante
Como flecha de horizonte
Você.
Eliana Pougy e Lois Lancaster
Shiva, Ganesh
Entre figuras
Hino-versículo-mantra
Uma paralela se separa
Esclarece
Estando evidente
Revela a limitação, o alcance
Enquanto grama me absorve
Ilumina-(e)-me-clareia
E isso, que em tudo fica
Esse monte de nada, quebrada,
Planeja o passado pra morar.
Essa curva
Estrondei um grito
Essa estrada
Esmigalhado em grilos
O deserto coberto de mato, o cabelo
Tomando então célere fluxo,
Movimento inexato,
Rápidos a estarem onde estão.
O parto
A dor doa
Repique
E se acha
Budas e orixás
Uma vala a insistir
Macumba-rito-oração
Tomada por fósseis de estima.
Cobre-me de luz, corroa
Encanta a distância ao impacto
Desmancha a resistência passiva
E germinar, lá chegando, como
O grito agudo, mudo
Palafita na maré
Estandarte
Se torna premente
Arre
Ao olhar.
Divide ao meio, reparte
É a área constraída
Risca o chão e separa o
Com cheiro, canteiros de cimento
Antes/
Sólido
Depois
Pastoso
Faça-(o)-me-escolher
É saber que um dia vai se erguer
Encosta-me, parede
O grande buda fetal
Cobre-me com suas asas
De cada casa
Toca sua lira
Numa escultura sem arte -
E a minha
Estarei no almoço
Alcança o céu e me leva
Um guincho entre figuras
Longe
Invadindo o restaurante
Onde deuses fazem
Como flecha de horizonte
Amar
Você.

ars poetica, 4

a poesia fica entre a paranóia (tudo está ligado)
e a anti-paranóia (nada está ligado) – você
tem que encontrar seu lugar no meio
do caminho.

4/17/2008

meus acessos e eu(s)





kalau: quem és kadosh?
kadosh: ... ?

alguma pergunta, um raio >>>
dorso amarelo e fúria, parque sem sol, terrífica sobrancelha
arqueado duque, duro aqueduto
duto, indulto

divórcio de águas, pássaro aleijado
esforço de ser palavra

reforço do NADA

kadosh: porque eu?
shiva-kadosh

machofêmea, espaço e gozo
brutal e silente

lâmina e salto

quem és?

respondo: kadosh em mim

sempre fui eu: para sempre!

Anderson-kadosh

livre e prisioneiro
da alma NADA

que nem o Sol
se levanta.

adeus.

Celebração a Dona Ana Rosa (Rasurada e guardada pra dias sem chuva, como hoje)

Hoje, nesta manhã esquisita,
venho celebrar o seu gesto, Dona Ana Rosa,
não posso dizer: o seu mais belo gesto,
seria muita pretensão,
porque celebrando o seu gesto
me vanlgorio de minha única vitória
na prosaica vida de professor,

minha também por ser compartilhada
com meu amigo Oliver Lira, seu professor de filosofia,
você se lembra Ana Rosa?

você está viva, Ana Rosa, seis anos depois?

me lembro quando te vi pela primeira vez
naquela faculdade de classe média alta
como ensina nossa vã sociologia
dizendo a mim mesmo, o que esta velha faz aqui?
é Dona Ana Rosa, você era mesmo muito velha,
e logo foi adotada pelas patricinhas como vovó,
uma doce vovó
que não entendia nada de nada.
quem te ouvia, porém, intuiu que o seu silêncio
e, por que não dizer?, a sua burrice
tinha tudo a ver com o verme do seu marido,
um filhadaputa que te chamava de burra na frente de todos,
mandava a senhora calar a boca e como te ensinaram
a ser doce, Ana Rosa, você simplesmente vestiu a carapuça
aliás, por que a senhora ia pra faculdade, Ana Rosa?

mentira! nossa mentira!
sim, como desgraçadas marionetes
respondíamos aos gestos do velhaco seu marido,

soube disso naquele dia, não posso precisar a data,
naquela cantina fétida, em meio às gordurosas esfirras, em que
você nos contou: “ontem respondi ao meu marido, você
é que não sabe de nada. você sabe alguma coisa de Platão?”
os alunos presentes se entreolharam, quase a dizer
como pode esta doce velhinha responder assim ao pobre marido?
eu não, eu me rejubilei,
pois sabia que você, como todos nós, não sabia que não sabia
nada de Platão, apesar de usar seu nome como elogio ou ofensa,
como o mais assíduo dos frequentadores de chats literários,
mas que depois de anos de encheção de saco
você simplesmente dissera o mais belo foda-se ao imbecil
dissera ainda no seu jeito manso e doce
e acredito que na sua vida nada mudou depois disso
mas quando você nos contou a história, vovó Ana Rosa,
seus olhos brilhavam, na mais pura Alegria,
e aqui vai a única referência literária deste relato:
brilhavam como os olhos do mendigo de Baudelaire,
só é digno da liberdade quem a conquista,
dizia o demônio... deixa pra lá, Ana Rosa.

depois de ter sido julgada pelos alunos jovenzinhos colegas
“olha a velha mostrando as garras”
a senhora bem que poderia um dia virar tema de entreveros
intelectuais.
pode crer, Ana Rosa, tergiversaremos sobre esta história,
perguntando-nos: isto lá é poesia? era mesmo Ana Rosa uma douta
platônica, independentemente das intenções do autor?
qual o significado desta alegoria?
alegoria cousa nenhuma, nem sequer poesia,
se fosse poesia seria inclusive uma poesia de merda,
(nós diremos, essa estratégia já foi usada,
é pra reforçar o efeito de realidade, uma saída
retórica como outra qualquer, não usemos esta
palavra, mas o autor deve sim ter uma intenção dissimulada)
mas Dona Ana Rosa, é aqui que o professor
aprende com o aluno, quero que se Fodam,
não as pessoas, porque delas gosto muito, mas nossas perguntas.

Falando nisso, Dona Ana Rosa,
ah sim: por que estou falando com a senhora se sei que não vai me ouvir?
deixa eu te dizer, Ana Rosa, é que solidão é foda.
alguém vai achar novamente que invento estórias,
(logo eu, cabeça tão fraca pra tecer tramas,
um escravo do que li e do que aconteceu)
diríamos: muito oportuno,
mas a senhora se lembra daquela aula que dei sobre o senso comum?
não sei porque, a aula era de História da Cultura,
o tema não tinha nada a ver,
recorri à, pode ser, poder ser, simplesmente não sei, superada filosofia
pra dizer que: o paladar por exemplo é a rigor indescritível,
posso te dizer isto é salgado, mas não fazer você experimentar
o salgado que estou provando, então por que acreditamos
que nos comunicamos? só mesmo a pergunta já deve revelar
alguma doença cultural, mas no meio dessa doença veio uma resposta,
é que temos um sexto sentido, o senso comum, sem o qual
não há nós, só mesmo eu, você, ele e ela.

entrego isto como quem envia embaixatrizes a outros países,
esta poesia ruim como aquelas flores compradas em bares,
entregues por um garçom manco e bêbado às mesas vizinhas.

espero que agora eu consiga dormir.

4/16/2008

Pavio






1.
o dia dispara seus CONTRAtempos
CONTRA meus olhos lentos
- na marra
meu lábio seco finalmente toca
o hálito de teu sorriso ausente
essa aurora do meu sonho desatado
INDECENTE
2.
seu olho encarna então o tom sombrio
de quem sabe conjugar o verbo FRIO
como ninguém
esse pavio aceso ao meio-dia
sem ar/ OU
3.
BEM, você que sabe
traços de freios/ ERROS/ luzes/ GENTE
nos aproximam de um mar que estala
CONTRA meus olhos lentos
novamente
ao viajar pelo terreno urgente
do amanhã
gravado
a frio na pedra do presente.



1991

4/13/2008

rompemos a barreira dos 10.000 acessos


Devem estar distribuídos assim:

Daniel e Aldemar empatados com 2.500 acessos cada um (seria difícil precisar quem vence, por uma cabeça, como no tango de Gardel).

Eliana com 1.500 acessos.

Masé com uns 650.

Anderson lá pelos 800.

Nosso saudoso Löis não sei. E por falar em saudade, onde anda você, Löis? (extensivo à Masé)

O que sobra se divide entre os que entram por engano (muita gente, como os que procuram "o que é epistolar?" ou "coceira no ânus") e os nossos 2,5 leitores fiéis (nunca identificados, talez para não se comprometerem).


O visitante de númor 10.000 ganhará pela proeza uma mariola destas comuns.

O(a) felizardo(a) detém o IP 189.33.144 e é de São Paulo.

Favor indicar num post o endereço para remessa da mariola.


Espero que não tenha diabetes.

pequeno epílogo




ninguém apressa o ritmo do tempo
o ritmo do ritmo do tempo
- o it do ritmo: o rito do tempo?

1991

Aproximação a Creeley

A forma da grama contra
A água é memória, um pleno rememorar
De água em movimento

E o amor sereia, uma plena
Imagem.

Quem sofreu mais do que eu.
A voz entoa. Nós

Ouvimos, na infelicidade,
No amor.

4/09/2008

back-light, 2008 d.C. (um poema definitivamente antigo...)




você parece pensar que
é pergaminho este pedaço de pele
do meu braço,um pouco abaixo
do ombro: seria
lindo este gesto 20 anos atrás, nem
é exato assim, talvez 19, 18 ou pouco menos, só sei
que a vida percorria trilhas de vinil
e às vezes dava saltos, definitivamente
arranhada e tão
fundo que
não se podia mais juntar as duas
partes da melodia, daí porque
não te contei, mas fui à luta
depois que abandonei num papel sobre a mesa em letras garrafais
a palavra PARAÍSO (quanta escrita
líquida sob os tecidos),
e minha única arma era
um coração turvo, turbilhonado, deixa
pra lá, também nunca falei
da urgência quando saí rasgando tudo
por dentro vendo o tempo esgarçar
as arestas das coisas e encher
de pó os cantos da casa, e destes
dois corações que você riscou em minha pele tão
filigranados em suas curvas
que nenhuma geometria captura, um branco,
outro negro, um cheio, outro
vazio, como se um a luz e o outro
a treva, não vou dizer nem morto
qual dos dois é
o meu (seria
o coração uma cicatriz que pulsa
no corpo, ou é somente através destes
sulcos que a mão decalca
sobre a folha
branca, quando a vida pesa mais,
que ele bate?
).

4/06/2008

Meio











escuro
e denso

é tudo o que sou.

Mornidão sempre à espera de sua chegada
e outra
e mais uma,

dor molhada de luz

e os sons abafados
de colchão.

E suas mãos

- ah -

suas mãos,
a pele que rompe - quase.

E os dentes gelados
dos gemidos dos meus
ais.



4/04/2008

discurso (da vida dupla)



sobe as escadas
(uff, uff)
segundo ou terceiro andar,
(não lembra)
chega a uma porta sem letras
com a tinta descascada
e uma campainha

aperta a campainha

abre a porta
uma garota seminua
lingerie, calcinha
shortinho, depende
(algumas usam máscara
ou um chicotinho)

pergunta:
- já conhece a casa?
- já veio na casa?

- sim, já.
(nessa não lembra
talvez não).

- 40 reais meia-hora
(depende, às vezes 50
ou ainda 70 reais)

- 70 reais uma hora
(isso varia e pode
chegar a 100 reais)

- você pode escolher
uma das meninas
hoje estamos em 6 meninas
mas somos mais.
(dependendo às vezes
chega a 11, 13 meninas)

o quarto é sempre
muito igual
lençóis que fingem
ser limpos, rançosos
algum detalhe de floreios
entre a barra da colcha
e das cortinas.

uns tem espelho
outros não.
a cama é de casal.
tem meninas bem
bonitas, tem mulheres
bem desagradáveis.

pergunta:
- primeira vez na casa?
- não (às vezes, sim já)
- já? ficou com qual menina?
- nome não lembro, era uma loirinha.
- ah, tá.
- qual seu nome?
- Samuel.
- e o seu? - Bruna. (às vezes Micaela
ou Carol)

tiram as roupas com pressa
dessa vez será meia-hora

ela diz:
- pagamento adiantado!

uma rápida alisada
pelo corpo do pau
e pelas bolas
(ele reage rápido e levanta)
então a garota põe rápido
e com destreza a camisinha
e começa a chupar

chupa rápido, mesmo ritmo
às vezes lambe
dos lados

logo em seguida sobe
e começa a cavalgar
da mesma forma
rápida e querendo se livrar
logo, para que goze
rápido e vá embora.

então mudam
a posição.
ele pede a ela
que fique de quatro.
penetra com força e elogia
sua bunda e seu piercing
pergunta porque não tem
uma tatuagem?

- dói. e também não faço
anal.
- ahn.
- e você tem uma tatuagem ...
o que é?
- é o Deus Pã.
- deus ... o que?
- Pã.
- o que significa?
- então ele conta pensando
naquele belo texto daquele escritor
que pouquíssima gente deve
conhecer ... o Jules Laforgue.
- ela ouve e gosta da história
da bela ninfa Siringe e do feio
e pauzudo Pã.

ele fica por cima e trepa
bem, ela gosta, geme.
então ele pede
para que ela fique por cima
solta, louca e liberta
ele goza. urra.

ela tira a camisinha.
e limpa o seu pau
com papel higiênico.

pergunta:
- quer tomar um banho?
- sim, quero.
(toma um banho
e percebe que o vaso sanitário
fica junto com o chuveiro
apertadíssimo e que mal cabe
seu corpo grande)

ele vai embora
e passa pela sala
cheia de putas feias
e gordas

estão entendiadas.

a que ele comeu era
pequeninha
uma gracinha
19 anos.
ela sorri.

ele sorri.

ele vai embora.

ponto.

claridade da rua.

4/03/2008

Argumento pra um desenho em homenagem a Murilo Rubião (será que presta?)

Começa com um cara (dá pra fazer ele parecer “normal”?) andando na rua. Ele passa por uma mulher – gostosa – talvez seja legal ela usar um vestidinho branco cheio de letras de diferentes tamanhos, como se fosse a página de um livro. Seria legal as personagens e o ambiente só com os contornos desenhados de preto, o resto tudo branco. O cara resolve seguir a gostosa. Ela entra numa livraria.

Aparece então o livreiro: um velho barbudo com várias moedas penduradas na barba e um chapéu de marinheiro. Volta a cena pro cara e pra gostosa, ela olha pra ele e vai pra uma prateleira de livros meio escondida. O cara vai atrás. Ela pega um livro e coloca um bilhete dentro e sai. O cara (pensando que ela deixou o número do telefone talvez) vai e pega o livro. É do Murilo Rubião. E não tem bilhete nenhum dentro. De repente, o velho barbudo aparece atrás do cara e indica (pensei numa animação muda) que ele vai ter que comprar o livro que manuseou. O cara aceita a extorsão como se fosse a coisa mais natural do mundo.

O cara sai da livraria com o livro na mão, e se dirige a uma estação de trem. Fica sentado esperando e começa a ler o livro. O trem chega (alguma coisa podia ser feita com o maquinista, podia ser outra personagem de M Rubião). O cara entra: no trem todo mundo totalmente parado, as mesmas caras, como bonecos. Apenas um banco vazio, o do cara. Ele se senta. Eis que durante a viagem passa pelo meio do trem a mulher gostosa com roupa de página de livro. O cara tenta sair atrás, mas o passageiro do lado o impede de alguma maneira, talvez simplesmente ocupando o espaço. O cara então fica devaneando, olhando pela janela. Quando se vira pro cenário, o trem está vazio. E ele virou um dragão.

O trem pára numa cidade qualquer. Fica parado e vazio, só com o dragão. O cara meio sem entender. Olha pela janela, vê a mulher gostosa e o velho barbudo dando boas risadas na estação. O cara desce do trem. Eles não estão mais lá e o trem foi embora. O cara resolve andar na cidade atrás dos dois. O cenário: um tipo de cidade mineira interiorana. A partir daqui não tive muitas idéias. O negócio é o cara, ainda como dragão, ser preso. Na prisão, ele começa a passar por metamorfoses. Vira um coelho. Pede um cigarro pro carcereiro. Quer entender porque está preso, mas não consegue (não sei como isso seria feito, sem diálogos). A metamorfose começa a se acelerar: um urso, um tigre, um pato, vai acelerando, chega num ritmo intenso. Ele começa a girar muito rápido no ar, mudando rapidamente. Na última metamorfose ele vira um livro, do Murilo Rubião, rodopia no ar e acaba caindo na prateleira da livraria do velho barbudo.

Poderíamos pensar numa epígrafe bíblica abrindo a animação, à lá Rubião.