4/17/2008

Celebração a Dona Ana Rosa (Rasurada e guardada pra dias sem chuva, como hoje)

Hoje, nesta manhã esquisita,
venho celebrar o seu gesto, Dona Ana Rosa,
não posso dizer: o seu mais belo gesto,
seria muita pretensão,
porque celebrando o seu gesto
me vanlgorio de minha única vitória
na prosaica vida de professor,

minha também por ser compartilhada
com meu amigo Oliver Lira, seu professor de filosofia,
você se lembra Ana Rosa?

você está viva, Ana Rosa, seis anos depois?

me lembro quando te vi pela primeira vez
naquela faculdade de classe média alta
como ensina nossa vã sociologia
dizendo a mim mesmo, o que esta velha faz aqui?
é Dona Ana Rosa, você era mesmo muito velha,
e logo foi adotada pelas patricinhas como vovó,
uma doce vovó
que não entendia nada de nada.
quem te ouvia, porém, intuiu que o seu silêncio
e, por que não dizer?, a sua burrice
tinha tudo a ver com o verme do seu marido,
um filhadaputa que te chamava de burra na frente de todos,
mandava a senhora calar a boca e como te ensinaram
a ser doce, Ana Rosa, você simplesmente vestiu a carapuça
aliás, por que a senhora ia pra faculdade, Ana Rosa?

mentira! nossa mentira!
sim, como desgraçadas marionetes
respondíamos aos gestos do velhaco seu marido,

soube disso naquele dia, não posso precisar a data,
naquela cantina fétida, em meio às gordurosas esfirras, em que
você nos contou: “ontem respondi ao meu marido, você
é que não sabe de nada. você sabe alguma coisa de Platão?”
os alunos presentes se entreolharam, quase a dizer
como pode esta doce velhinha responder assim ao pobre marido?
eu não, eu me rejubilei,
pois sabia que você, como todos nós, não sabia que não sabia
nada de Platão, apesar de usar seu nome como elogio ou ofensa,
como o mais assíduo dos frequentadores de chats literários,
mas que depois de anos de encheção de saco
você simplesmente dissera o mais belo foda-se ao imbecil
dissera ainda no seu jeito manso e doce
e acredito que na sua vida nada mudou depois disso
mas quando você nos contou a história, vovó Ana Rosa,
seus olhos brilhavam, na mais pura Alegria,
e aqui vai a única referência literária deste relato:
brilhavam como os olhos do mendigo de Baudelaire,
só é digno da liberdade quem a conquista,
dizia o demônio... deixa pra lá, Ana Rosa.

depois de ter sido julgada pelos alunos jovenzinhos colegas
“olha a velha mostrando as garras”
a senhora bem que poderia um dia virar tema de entreveros
intelectuais.
pode crer, Ana Rosa, tergiversaremos sobre esta história,
perguntando-nos: isto lá é poesia? era mesmo Ana Rosa uma douta
platônica, independentemente das intenções do autor?
qual o significado desta alegoria?
alegoria cousa nenhuma, nem sequer poesia,
se fosse poesia seria inclusive uma poesia de merda,
(nós diremos, essa estratégia já foi usada,
é pra reforçar o efeito de realidade, uma saída
retórica como outra qualquer, não usemos esta
palavra, mas o autor deve sim ter uma intenção dissimulada)
mas Dona Ana Rosa, é aqui que o professor
aprende com o aluno, quero que se Fodam,
não as pessoas, porque delas gosto muito, mas nossas perguntas.

Falando nisso, Dona Ana Rosa,
ah sim: por que estou falando com a senhora se sei que não vai me ouvir?
deixa eu te dizer, Ana Rosa, é que solidão é foda.
alguém vai achar novamente que invento estórias,
(logo eu, cabeça tão fraca pra tecer tramas,
um escravo do que li e do que aconteceu)
diríamos: muito oportuno,
mas a senhora se lembra daquela aula que dei sobre o senso comum?
não sei porque, a aula era de História da Cultura,
o tema não tinha nada a ver,
recorri à, pode ser, poder ser, simplesmente não sei, superada filosofia
pra dizer que: o paladar por exemplo é a rigor indescritível,
posso te dizer isto é salgado, mas não fazer você experimentar
o salgado que estou provando, então por que acreditamos
que nos comunicamos? só mesmo a pergunta já deve revelar
alguma doença cultural, mas no meio dessa doença veio uma resposta,
é que temos um sexto sentido, o senso comum, sem o qual
não há nós, só mesmo eu, você, ele e ela.

entrego isto como quem envia embaixatrizes a outros países,
esta poesia ruim como aquelas flores compradas em bares,
entregues por um garçom manco e bêbado às mesas vizinhas.

espero que agora eu consiga dormir.

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