4/24/2008

A partir de um poema de Swift

Por cinco horas Célia
Se enfeitava
(E quem seria mais rápido?)
Com camadas e camadas
De cremes, pomadas, óleos
Perfumes e pós
De todos os tipos.

Estefânio, aproveitando-se
Da folga da criada
Entrou no quarto de Célia e
Fez as devidas anotações,

E pra que não restem
Dúvidas, o que segue
É um inventário:

De cara, Estefânio deu com
Um avental engordurado,
Mas apostando em mera
Coincidência seguiu em frente.

Sobre a penteadeira viu
Uma escova com creme
Caspas e fios de cabelo,
Tudo tão misturado
Entre pedaços amarelos
De seborréia que mais parecia
Um prato de exóticas
Comidas tropicais.

Ali ainda
Entre frascos de perfumes, óleos e
Infusões cheirando a hortelã
Um recipiente
Com os restos de comida
De entre os dentes
De um ogro talvez
Nadando entre gosmas
Espessas de catarro: ali a dama
Cuspia o refugo
De seu hálito floral.

Pra melhor inspecionar
Estefânio recorreu às virtudes
Da poderosa lente
De aumento usada por Célia,
Capaz de multiplicar
Por mil o tamanho
Dos pontos de pus
Ocultos em seu rosto delicado
E agigantar a meleca
Que pendia recôndita
Em seu nariz, compondo
O piercing de esmeralda.

Indo ao canto do quarto
Atrás do biombo
Estefânio sentiu
O fedor mais intenso,
Lento e adocicado
De sua vida, como
Se ele tivesse aberto
A Caixa de Pandora
Com seus vapores maléficos.

Não acreditando
Estefânio trouxe à luz
O penico,
Que por negligência,
Da criada, guarnecia
Um troço parecido
Com um bom naco
De carne assada.

Os arabescos fedorentos
Causavam náusea
Como se saídos do fundo
Da garganta do demônio,
E seu tamanho mais lembrava
O produto de um fila brasileiro,

E por isso
Lamentando-se Estefânio
Canta:

“Meu coração é uma piscina
De sangue e merda
E porra onde Célia nada,
Porque, ai de mim!
Célia caga!”

O pior pra Estefânio
É que todas cagam
E não há perfume que
Não o lembre do quarto de
Célia, nem máscara de creme
Que não o assombre
Com a massa de seborréia
E caspas.

Ele ainda aprenderá
A abençoar a ordem que brota
De tamanha confusão,
As tulipas que repousam
Sobre o monte de estrume,
A beleza arrancada
Com afinco por cada
Musa-yahoo, como se lê

Nas viagens de Gulliver.

3 comentários:

Eliana Pougy disse...

Swift é the best! Você leu Uma proposta modesta?

Daniel F disse...

Li sim Eliana, também acho um texto incrível.

Beijo,

Daniel.

Daniel F disse...

Li sim Eliana, também acho um texto incrível.

Beijo,

Daniel.